O café moído foi um dos grandes culpados pela alta de 7,96% do preço dos alimentos no Brasil em 2024 e da inflação como um todo. O produto subiu 39,6% durante o ano passado e, sozinho, teve o quarto maior impacto de um só item no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O IPCA registrou alta de 4,83% em 2024. Desse percentual, 0,15 ponto veio só do aumento do preço do pó de café.
Essa alta está relacionada tanto à produção quanto ao consumo do produto. Enquanto eventos climáticos prejudicaram a colheita do grão e reduziram a oferta, a demanda cresceu, principalmente fora do país. Faltou café no mercado brasileiro. A alta do preço é resultado dessa combinação.
“Secas e geadas impactaram na produção no Brasil. Mas a exportação brasileira de café atingiu um recorde histórico”, disse Lucas Tadeu Ferreira, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café.
Ferreira conversou com o Brasil de Fato nesta terça-feira (21). No mesmo dia, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou dados finais sobre a produção nacional de café durante os 12 meses de 2024.
De acordo com a estatal, foram colhidas cerca de 54,2 milhões de sacas de 60 kg de café no Brasil no ano passado. Isso é 1,6% menos do que o produzido em 2023. Só em Minas Gerais, onde mais da metade do café produzido no país é colhido anualmente, a queda chegou a 3,1%.
“O clima adverso registrado no ano passado e no final de 2023 trouxe impacto para importantes regiões produtoras de café, influenciando negativamente na produtividade média das lavouras”, confirmou a Conab, em comunicado.
Apesar disso, a exportação aumentou. O Brasil enviou 50,5 milhões de sacas de 60 kg de café em 2024 para o exterior no ano passado, 28,8% a mais que em 2023.
O volume exportado é quase equivalente ao produzido. Segundo Ferreira, o Brasil só não ficou quase sem café já que uma parte do que foi vendido para estrangeiros vem de estoques mantidos com grãos de safras passadas.
“O café é uma commodity negociada em São Paulo, Nova Iorque e Londres. A alta do dólar influencia o preço da saca e incentiva a exportação”, explicou, lembrando que uma saca de café subiu de cerca de R$ 900 para R$ 2.300 de 2023 para 2025.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café, abastecendo mais de cem países. O país também é o maior consumidor global do grão, atrás apenas dos Estados Unidos.
Estoques públicos
Ferreira disse que o volume dos estoques privados de café não é regulado. Não há dados oficiais sobre o volume e a negociação dos grãos contidos ali.
Existem no Brasil também estoques públicos de café para contenção de variação de preço do produto. Eles são mantidos pela Conab. Desde 2017, no entanto, estão praticamente zerados, o que tem impacto nos preços.
“A criação de estoques reguladores poderia contribuir para uma maior estabilidade dos preços e proteger os consumidores e a indústria”, disse Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic, que defende a recuperação da reserva pública do café.
O presidente da Conab, Edegar Pretto (PT), disse que a queda dos estoques de alimentos é resultado de políticas equivocadas de governos anteriores. Segundo ele, a Conab pretende reverter tal quadro.
Inácio defende também investimentos em pesquisa e desenvolvimento para mitigar os impactos climáticos sobre o café e aumentar a produtividade. Isso porque, de acordo com Pretto, o preço do café não deve cair no curto prazo.
“As perspectivas indicam manutenção de preços elevados em 2025, com potencial de estabilização somente se as condições climáticas forem favoráveis e houver aumento na produtividade. No entanto, a demanda global crescente e os desafios logísticos podem continuar pressionando os preços”, afirmou.
Mudança de hábitos
Maria Cecília Barbosa, 71, é produtora de café. Planta cerca de 15 mil pés do grão no Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras (SP). Desde 2010, ela beneficia o café e o vende com a marca de Café da Cecília. Em 2024, no entanto, as vendas não foram boas, disse ela.
“Muita gente que comprava até cinco sacos de café por vez agora já não compra tanto assim. Reclamam do preço”, contou ela, lembrando do efeito da alta do grão do café sobre o comportamento de seus clientes. “Tem gente falando que anda tomando chá.”
Maria Cecília confirmou que o clima tem sido prejudicial ao café. Cita, no entanto, efeitos de “especuladores” sobre o preço. “Negociadores que tinham dinheiro compraram a produção toda de muitos produtores pequenos”, disse. “Da noite para o dia, o preço mudou.”
Pequenos produtores
Rafael Figueira Coelho, coordenador administrativo do Armazém do Campo, confirma que pequenos agricultores ficam à mercê de grandes negociadores em épocas de volatilidade de preços. "Grandes indústrias do café compram grande parte de sua produção a um preço subvalorizado", disse. "O pouco que sobra para a comercialização direta precisa, necessariamente, ser vendido a um preço mais alto para garantir a renda familiar."
O Armazém do Campo, aliás, é uma rede de lojas dedica-se a vender produtos desses pequenos agricultores. Coelho, que trabalha na unidade paulistana, disse que o Armazém tentou segurar a alta do café nos últimos meses. Tamanha a alta no mercado, o repasse precisou ser feito e impactou no preço em cerca de 30%.
Ele disse que, mesmo com um perfil mais consciente do consumidor do Armazém, houve uma redução da quantidade de café vendido por conta do aumento. "Eles [os consumidores] fizeram a escolha de consumir produtos que apoiam a reforma agrária, a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis e compreendem eles estão muito vulneráveis às oscilações do mercado", descreveu. "Mantém seu consumo, mas em menores quantidades".
O coordenador administrativo confirmou que novas altas do café são esperadas para 2025. Espera um "esforço do Estado para que o impacto dos preços não afete e diminua o consumo das pessoas". Vê ainda efeitos das transformações climáticas sobre o produto.
A produtora Maria Cecília também disse que, para reduzir os efeitos das mudanças climáticas sobre seus cafezais, tem estudado técnicas de agrofloresta. “Quero plantar café na sombra para evitar o calorão.”
Edição: Martina Medina