vanessa barbara

Vera Iaconelli: há um pacto homoafetivo no qual homens se protegem e agridem mulheres na internet

Psicanalista analisa caso de escritora que sofreu série de violências do ex-marido, que compartilhava tudo com amigos

Ouça o áudio:

"É esse pacto é que dá margem para a cultura do estupro, aquele estupro coletivo" - Divulgação

Tomou conta das redes sociais o caso descrito pela escritora Vanessa Barbara sobre a violência que sofreu no casamento com o editor André Conti, que trabalhou na Companhia das Letras e, hoje, é um dos sócios da Todavia. A história se tornou pública a partir do podcast Rádio Novelo, no qual ela relata, sem citar nome real de envolvidos, a traição e os abusos que sofreu há 14 anos e, a partir disso, a rede de proteção ao ex-marido que se estabeleceu entre os homens de seu convívio social e profissional.

Segundo o relato de Bárbara, o ex-marido compartilhava com seus amigos, em um grupo de e-mail, os truques e artimanhas que usava para enganá-la.

Embora o nome dele nunca tenha sido revelado no podcast, o próprio escritor assumiu que ele era o marido citado e, nas redes sociais, pediu desculpas, assumiu a responsabilidade e disse que usou estes 14 anos desde que aconteceu o caso para refletir e se tornar uma "pessoa diferente".

Em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (23), a psicanalista Vera Iaconelli usou o caso para diagnosticar uma lógica de comportamento de homens, principalmente quando estão “protegidos pelo anonimato da internet”.

“Seja por e-mail ou no zap, vemos esse grupo que se reúne numa espécie de pacto masculino, no qual a violência vai escalonando, a sacanagem vai escalonando, a perversidade vai escalonando, e eles [homens] num pacto homoafetivo de se importarem mais com a opinião uns dos outros, com o amor uns dos outros, com o reconhecimento dos outros, vão deixando mortos e feridos pelo caminho, que no caso são as mulheres – ou outros homens gays, por exemplo”, diz.  “Mas geralmente são as mulheres que são esse vetor universal do qual se joga a latinha de lixo", completa a psicanalista. 

“É esse pacto que dá margem para a cultura do estupro, aquele estupro coletivo no qual os parças estão lá, menos interessados na mulher que eles estão atacando e mais no fato de estarem lado a lado com outros homens que os assistem e a quem eles assistem. Esse é um pacto absolutamente homofetivo".

A psicanalista enfatiza que não está falando dos homens expostos no podcast, mas sim da lógica por trás de grupos de e-mail ou Whatsapp, uma cultura trazida à tona pelo podcast. 

Iaconelli defende, também, que André Conti reagiu à situação fazendo tudo que ele poderia fazer: reconhecer o erro, pedir desculpa e afirmar que não fará novamente.

“Se tivesse uma devassa nos grupos de zap de todos nós, e eu me incluo, ia ser muito difícil sair na rua no dia seguinte, sabe?”, reflete. 

Então, para ela, quem de fato saiu vencedor nessa história foram os bilionários donos das big techs que viram suas redes sociais inflarem com usuários comentando o caso à flor da pele.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual foi sua reação ao ouvir o podcast?

Eu recebi o podcast e fiquei muito impactada pelo relato, acho que é um relato que muitas mulheres se identificam, pela traição.

Mas por que que eu achei que valia a pena conversar sobre isso? Para mim, a história da traição no casamento não é muito importante, sabe? Pra dizer bem a verdade, assim… todo mundo já traiu ou já foi traído. 

Então, a traição num casamento é um negócio quase banal na atualidade. E acho que é um assunto de foro íntimo.

Agora existem formas e formas de trair, para além da traição sexual amorosa, existe a traição da lealdade mesmo, da relação da dignidade entre as pessoas, que é um outro tema. 

Embora o caso tenha acontecido há 14 anos e muita coisa mudou pra lá no sentido de a sociedade ter avançado em várias discussões sobre violência contra mulher, me parece que esse grupo de e-mails segue presente, mas agora transferido para o Whatsapp 

Eu acho que se tivesse uma devassa nos grupos de zap de todos nós, e eu me incluo, ia ser muito difícil sair na rua no dia seguinte, sabe? 

Porque realmente são espaços nos quais você fala coisas de foro íntimo, comentários que talvez você não tentasse na frente da pessoa de quem você está falando, pequenas maldades humanas que nós carregamos, injustiças, algumas piores, outras melhores, algumas bem sacanas, algumas só um desabafo.

Mas o que interessa ali é, seja por e-mail ou no zap, vemos esse grupo que se reúne numa espécie de pacto masculino, no qual a violência vai escalonando, a sacanagem vai escalonando, a perversidade vai escalonando, e eles [homens] num pacto homoafetivo de se importarem mais com a opinião uns dos outros, com o amor uns dos outros, com o reconhecimento dos outros, e vão deixando mortos e feridos pelo caminho, que no caso são as mulheres – ou outros homens gays, por exemplo. Ou até homens de outros círculos que, talvez, não pertençam àquele grupo de homens, né, homens pobres.

Mas geralmente são as mulheres que são esse vetor universal do qual se joga a latinha de lixo. 

Nesse pacto homoafetivo, mesmo que tenham alguém que queira trazer o contraditório, alguém falando 'putz, eu tô achando essa conversa meio baixa astral, meio violenta', mas essa pessoas costuma pensar 'eu não vou dar o contraditório aqui para o meu amigão, para o meu parça, para o meu brother, porque então eu vou sair do grupo'.

É esse pacto é que dá margem para a cultura do estupro, aquele estupro coletivo no qual os parças estão lá, menos interessados na mulher que eles estão atacando, mas, sim, no fato de estarem lado a lado com outros homens que assistem, esse é um pacto absolutamente homofetivo. 

Mas queria enfatizar como eu estou falando de uma lógica ampla que configura esses grupos. Não estou falando das pessoas de fato envolvidas, não é sobre isso. Inclusive, o protagonista desta história, o André Conti, fez as únicas três coisas possíveis diante desse acontecimento.

E quais seriam?

Primeiro, reconhecer o erro, que não é diferente da cena da Eunice Paiva pegando o atestado de óbito do marido, o Rubens Paiva. Tipo assim: “olha, eu não tô louca, isso aqui aconteceu, então olha, eu fiz isso daqui, isso é fundamental”.

A segunda, pedir desculpa, que nesse caso é o que é possível, mas em outro caso pode ser pagar uma indenização, ser preso, sei lá, mas assumir se estabilizar.

E a terceira é se comprometer a não repetir. Que mais que dá pra fazer? Quando ele vem à público e fala "olha, há 15 anos atrás, eu fiz essa burrada, eu reconheço, eu peço desculpas, eu não sou mais essa pessoa”, cortou o cabo de guerra. 

Eu não consigo imaginar que mais essa pessoa poderia fazer. 

Algumas pessoas cobram que a Todavia afastasse ele, ou o próprio Conti se retirasse do cargo. Como você vê essa reação?

Nossa, eu acho isso super perigoso. Quer dizer, o cara vai perder o emprego dele de 15 anos depois, por uma relação afetiva na qual ele não foi leal, fez um conchavo com os amigos e foi machista, tóxico? 

Quem se manteria no seu cargo hoje se levantassem a capivara de tudo que nós fizemos há 20 anos atrás? 

Se a gente quer que os homens cedam o lugar de poder deles, não vai ser por carteirada. A gente vai ter que conseguir isso com políticas públicas, com ações afirmativa.

Que outras violências essa situação expõe além das que já citamos?

Me ocorre esse gozo, essa violência do anonimato da internet, na qual as pessoas podem emitir qualquer opinião sem ter nenhum nome exposto ali, enquanto elas falam de pessoas cujos nomes dele e das famílias estão expostos.

Então esse pacto dessa violência anônima e irresponsável, covarde, e que a internet permite fomentar e lucrar.


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Edição: Nathallia Fonseca