Sucesso nas redes sociais, o prefeito do Recife (PE), João Campos (PSB), tem sido citado como um exemplo de comunicação política para inspirar a nova estratégia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda fase do mandato.
O novo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, até cogitou a possibilidade de recrutar integrantes da equipe de Campos para trabalhar em Brasília.
Em meio a recente crise do Pix, em que o Palácio do Planalto viu surgir uma onda de rejeição insuflada pela extrema direita, fica a questão: como a comunicação do prefeito recifense pode ajudar o governo Lula?
O prefeito do Recife acumula quase três milhões de seguidores no Instagram e é considerado uma espécie de 'influenciador digital' no meio político. Poucas crises, como as irregularidades na administração das creches municipais, arranharam a popularidade do político socialista, que conseguiu ser reeleito, em 2024, com uma votação histórica na capital pernambucana.
João venceu a eleição no primeiro turno, com 71% dos votos válidos. Ele foi o terceiro prefeito reeleito no primeiro turno na história do Recife e obteve a maior votação da história, com 725 mil votos. Essa performance o transformou em modelo de sucesso nas redes sociais e agora é inspiração para nova comunicação do governo Lula.
A cientista política Priscila Lapa destaca que João Campos é um político nativo digital, que ascendeu politicamente num contexto marcado pelas mudanças na comunicação e compreende as dinâmicas exploradas pela extrema direita no universo das redes sociais.
"João nasce nesse DNA de compreender esse movimento de que a política mudou, a relação das pessoas com seus representantes mudou. Ela fica cada vez menos mediada. As pessoas querem ter a conexão direta. As pessoas entenderam que ele é gente como a gente, mas é prefeito ao mesmo tempo. Ele tirou um pouco esse rito do cargo, essa ideia de que 'porque eu sou prefeito, tenho que me distanciar'. Pelo contrário."
A comunicação no centro da estratégia política
E o que está por trás desse sucesso é estratégia. A comunicação, no governo João Campos, é central e caminha lado a lado com as decisões políticas.
Paulo Loiola, estrategista político, destaca o nível de investimento que gestão de João Campos faz na comunicação.
"Pega o organograma da prefeitura: inclui diversos cargos relacionados à comunicação – gerentes de digital, audiovisual, criativo e produção de conteúdo. Tem investimento. Não existe mais comunicação desconectada da estratégia política, nem estratégia política desconectada da comunicação."
Os gastos publicitários dos governos do PSB, no Recife, também foram contestados na Câmara de Vereados ao longo do primeiro mandato. Em 2022, o vereador Ivan Moraes (Psol), hoje sem mandato, apontou que o governo Campos concentrava mais recursos "na promoção da gestão do que em campanhas educativas" e aplicava a verba mais em mídias convencionais do que em veículos comunitários e públicos.
A crise é de comunicação?
A crise do Pix, intensificada por uma onda de desinformação desencadeada pela extrema direita, acendeu o alerta dentro do governo Lula. Na reunião ministerial, o presidente cobrou mais empenho da equipe para entregar obras em 2025 e melhorar a popularidade do governo.
Para o professor Adriano Oliveira, o governo não enfrenta uma crise específica de comunicação. O cientista político avalia que falta um norte político e ações mais consistentes do governo. Ele também reforça que as redes sociais são secundárias para o fortalecimento da popularidade de um governo.
"O que é o principal? São as entregas da gestão. Se você não for um bom gestor, se você não tiver entrega, se você não fizer com que os eleitores percebam positivamente as ações da sua gestão, não adianta a rede social. A rede social não é estratégia, a rede social é instrumento de uma gestão bem avaliada. A rede social é instrumento para você divulgar ações positivas da gestão."
Outro fator que tem contribuído para a dificuldade comunicação do governo é o nível de polarização política que ainda permanece na sociedade. A cientista política Priscila Lapa avalia que esta variável deve ser levada em conta pelo governo e pode ser um dificultador na percepção sobre ações positivas da gestão.
"Então eu acho que o governo tem um problema. De primeira, ele tem um problema mais estrutural da sociedade brasileira, dessa divisão. Ela não é trivial, não é competência ou apenas incompetência de um governo que vai dar conta de resolver essa divisão de visões de mundo que está completamente engessada. Toda a pesquisa de opinião que você fizer, de qualquer instituto, vai mostrar que existe uma cristalização do eleitor brasileiro."
Uma questão mais profunda na esquerda
O estrategista político Paulo Loiola, fundador da Baselab, acredita que o campo progressista e forças da esquerda precisam também atualizar as estratégias de comunicação, sobretudo nas redes sociais.
"Existem questões formativas na esquerda que precisam ser analisadas. Instituições como sindicatos, universidades e o movimento eclesiástico, por exemplo, estão em crise nesse momento histórico. Isso leva a esquerda a adotar um tipo de diálogo e linguagem inacessível para muita gente. Não acho que isso seja um problema exclusivo deste governo, tá? Não quero pessoalizar isso no presidente Lula. É importante entendermos que enfrentamos um problema de campo", afirma.
Loiola relembra a mudança demográfica que ocorreu na última década, com um população mais conectada à internet. "Há dez anos, metade da população brasileira conectada hoje na internet não estava online. Além disso, testemunhamos eventos globais como a Primavera Árabe, a crise na Grécia, o movimento Occupy Wall Street e, aqui no Brasil, as manifestações de junho de 2013. Tudo isso está relacionado a uma revolução comunicacional, a chamada "revolução do cidadão marqueteiro". Antes, a comunicação era centralizada, mas com a descentralização, tivemos dificuldades em acompanhar esse movimento."
Paulo relembra que, no passado, a esquerda tinha domínio pleno das técnicas de comunicação e hoje tem dificuldade de se adequar ao fluxo das redes sociais, por motivos técnicos e também éticos.
"Vou dar um exemplo: a crise do Pix. Enquanto a direita disseminava narrativas emocionais e distorcidas, nós respondíamos com números e explicações técnicas que não atingiam as pessoas. O mesmo aconteceu com a questão da taxação de compras internacionais. A direita usou emoções; nós, textos longos e carregados de informação, que só dialogam com uma bolha específica."
Estratégia para 2025
Na reunião ministerial, o presidente Lula decidiu, em 2025, se aproximar mais da população e realizar eventos externos, fora do Palácio do Planalto.
O professor Adriano Oliveira explica que é crucial para o governo recuperar a popularidade e despertar na população a sensação de que o governo tem promovido boas ações.
"O governo Lula hoje depende muito fortemente dessa percepção do eleitor de que sua vida está melhorando e não piorando. É como o caso americano, você tem bons indicadores na economia, todavia o eleitor americano não percebia melhora, então isso facilitou a vida de Trump. Lula tem que ter uma comunicação para que os eleitores percebam melhorias em se comparado com o governo Bolsonaro. Melhorias essas estariam sendo trazidas pelo governo Lula para que o governo Lula adquira a condição de ser reeleito", concluiu o professor.
Edição: Martina Medina