programa bem viver

Se Revolta dos Malês tivesse vingado, o Haiti poderia ser aqui, defende historiador João José Reis

Levante que completa 190 anos nesta sexta-feira (24) foi reprimido em poucas horas, mas tinha potencial revolucionário

Ouça o áudio:

João José Reis é considerado uma referência mundial para o estudo da história e da escravidão no século 19 - Reprodução/ Nós Transatlânticos

A virada do dia 24 para o 25 de janeiro de 1835 marca o início da Revolta dos Malês, em Salvador (BA). Início e fim, porque o levante durou apenas algumas horas.

Embora os africanos escravizados e libertos tenham traçado o plano com meses de antecedência, no momento em que a população ia tomar as ruas para começar a revolta, um grupo foi surpreendido por uma batida policial, obrigando os revolucionários a abortarem o planejamento e irem pras ruas sem a articulação prevista.

“Eles tinham uma estratégia de levantar o principal foco do escravismo na Bahia, que eram os engenhos de açúcar no Recôncavo, mas foram barrados no caminho, logo na saída da cidade, em Água de Meninos, onde estava a tropa de polícia montada”, explica o historiador João José Reis, um dos mais renomados especialista sobre o tema.

“Aí aconteceu um verdadeiro massacre, onde morreram entre 60 e 50 rebeldes. E alguns, inclusive, afogados, que tentaram fugir pelo mar, mas não sabiam nadar”, lembra o professor em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (24), quando se completam 190 anos do levante.

A tese de doutorado do escritor, Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, foi publicada como livro por duas editoras.

Embora o plano tenha sido mal sucedido, o professor explica que a articulação tinha potencial. Apesar de ser muito difícil fazer esse exercício mental, ele acredita que, a depender de um conjunto de fatores, a história poderia ter sido outra.

O especialista enumera dois pontos para uma mudança de rumo nessa jornada. O primeiro: se o grupo não tivesse sido surpreendido e conseguido chegar ao Recôncavo baiano e mobilizar os negros escravizados dos engenhos de açúcar da região.

O outro ponto é se houvesse ajuda externa. “De repente, se a Inglaterra se interessasse em apoiar os malês com a perspectiva de dividir para dominar, talvez [a revolta] tivesse sido vitoriosa e teríamos tido um outro Haiti aqui.”

“O Haiti seria aqui também”, cita o professor se referindo ao primeiro levante de negros escravizados bem sucedido que aconteceu nas Américas.

Confira a entrevista na íntegra

Como o senhor resumiria a Revolta dos Malês?

Primeiro, se trata de uma revolta e não exatamente de uma revolução, que seria algo muito maior do que ela foi. Foi uma revolta que durou apenas algumas horas, planejada com antecedência, mas abortada.

Uma parte dos rebeldes que estava reunida ultimando os detalhes para o iminente levante foi atacado pela polícia e, então, a revolta teve início em torno da meia-noite para uma hora da manhã do dia 25 de janeiro.

O grupo foi inteiramente formado de africanos escravizados e libertos. Os negros brasileiros não participaram desse movimento como não participaram de nenhuma outra revolta, à exceção de uma das mais de 30 que aconteceram na primeira metade do século 19, foram todas revoltas africanas. 

Eles tinham uma estratégia de levantar o principal foco do escravismo na Bahia, que eram os engenhos de açúcar no Recôncavo, mas foram barrados no caminho, logo na saída da cidade, em Água de Meninos, onde estava a tropa de polícia montada.

Então, aí aconteceu um verdadeiro massacre, onde morreram entre 60 e 50 rebeldes. E alguns, inclusive, afogados, que tentaram fugir pelo mar, mas não sabiam nadar.

E quais foram as consequências?

Houve uma investigação muito profunda, houve interrogatórios, houve um inquérito. Pessoas foram indiciadas, foram julgadas e dezenas e dezenas condenadas a diversos castigos que variavam da chibatada à prisão, inclusive pena de morte, que foi designada para 16 rebeldes.

E também dezenas de libertos foram expulsos. E depois daí, algumas leis foram criadas para perseguir os africanos, visando exatamente evitar que uma coisa desse tipo, uma revolta desse tipo, acontecesse de novo. 

Além da deportação sumária de qualquer africano considerado suspeito de insurreição.

Da onde vem o termo malês?

Esses rebeldes eram muçulmanos, pelo menos, as lideranças, eles eram em grande parte de origem iorubá, que eram chamados nagôs na Bahia. 

E a revolta, inclusive, é chamada Revolta dos Malês, porque a palavra vem do iorubá e significa muçulmano. Mas o importante é dizer que essa liderança muçulmana sabia escrever o árabe, inclusive a maioria desses escritos estava na forma de amuletos com passagem do alcorão.

Com isso, a religião foi criminalizada, a religião muçulmana. 

Frente a isso, podemos dizer que essa repressão pós-revolta significou quase que o fim da presença muçulmana no Brasil? Sem essa repressão poderíamos ter uma outra constituição do povo brasileiro?

Concordo inteiramente com você, até porque até a revolta de 1835, a religião muçulmana não era absolutamente clandestina, ela era praticada com cuidado.

O que revela o inquérito que foi feito após a revolta é que muitas testemunhas diziam ter visto os malês rezando, inclusive no meio da rua, costurando os abadás e as roupas.

Então, o que aparece na devassa é uma religião que era bastante pública, digamos assim, no sentido de que estavam ali praticando a sua religião.

Depois de 1835, isso desapareceu. Aí, sim, o islã entrou completamente na clandestinidade. Não foi extinto. Isso é importante se dizer, não foi extinto. 

Então o islã ficou no mesmo patamar do candomblé, na ilegalidade, sendo reprimido por diversos motivos que não eram expressados enquanto motivos religiosos, porque seria inconstitucional. 

Então, no caso candomblé, se dizia que era a prática ilegal da medicina, por exemplo, distúrbio da paz urbana. E, no caso do islã, era suspeita de insurreição por causa de 1835.

E o senhor saberia dizer o que teria acontecido se o plano não tivesse sido abortado?

Olha, é muito difícil imaginar o que poderia acontecer se tudo saísse conforme figurino.

Certamente a revolta causaria um estrago muito maior do que causou. O estrago foi mínimo. Só dez pessoas do lado adversário dos rebeldes morreram, por exemplo.

Não houve um incêndio de nenhuma casa, esse era um medo que sempre existiu das revoltas, fosse onde fosse, de que os rebeldes incendiassem casas, matassem os seus senhores. Não houve nada disso. 

Eles foram de uma elegância bélica muito impressionante, porque eles não apelaram pro terrorismo. 

Diferentemente do Haiti, a Bahia não era uma ilha. A Bahia estava dentro de um país que tinha um poder de fogo muito grande, podia mobilizar tropas do Norte para Salvador, do Sul para Salvador, da capital…

Mas, de repente, se a Inglaterra se interessasse em apoiar os malês, com a perspectiva de dividir para dominar, talvez tivesse sido vitoriosa e teríamos tido um outro Haiti aqui.

O Haiti seria aqui também. 


Confira como ouvir e acompanhar o Programa Bem Viver nas rádios parceiras e plataformas de podcast / Brasil de Fato

Sintonize 

programa de rádio Bem Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 11h às 12h, com reprise aos domingos, às 10h, na Rádio Brasil Atual. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo. A versão em vídeo é semanal e vai ao ar aos sábados a partir das 13h30 no YouTube do Brasil de Fato e TVs retransmissoras: Basta clicar aqui

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu'Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio - Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo - WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M'ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT. 

A programação também fica disponível na Rádio Brasil de Fato, das 11h às 12h, de segunda a sexta-feira. O programa Bem Viver está nas plataformas: Spotify, Google Podcasts, Itunes, Pocket Casts e Deezer.

Assim como os demais conteúdos, o Brasil de Fato disponibiliza o programa Bem Viver de forma gratuita para rádios comunitárias, rádios-poste e outras emissoras que manifestarem interesse em veicular o conteúdo. Para ser incluído na nossa lista de distribuição, entre em contato por meio do formulário.

Edição: Martina Medina