A situação do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e a morte de Raquel Franca de Andrade, 24 anos, foram tratadas durante uma reunião da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), do Ministério Público do Distrito Federal e Território (MPTDF), com representantes da sociedade civil e do Poder Legislativo Federal nesta quarta-feira (22). O objetivo do encontro foi entender a situação e as demandas relativas sobre as unidades de atendimento de saúde mental no DF.
Estiveram presentes na reunião a deputada federal Érika Kokay (PT) e representantes do Fórum de Luta Antimanicomial do DF, do Conselho Regional de Serviço Social do DF (Cress-DF) e Observatório de Saúde Mental da Universidade de Brasília (Obsam/UnB), além da assistente social Keka Bagno.
Na ocasião, foi discutido sobre o Hospital São Vicente de Paulo e a política antimanicomial regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta para o adequado atendimento e tratamento das pessoas com transtorno mental em regime de cumprimento de medida de segurança. Atualmente, o movimento antimanicomial do DF pede o fechamento da instituição que, até hoje, funciona de maneira manicomial.
O Hospital já passou por duas inspeções do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), em 2018 e em março de 2024. Nas duas ocasiões, os peritos identificaram violações de direitos que se caracterizam como práticas manicomiais.
“Comer, dormir, tomar banho e tomar remédio”. Foi assim que uma das internas do HSVP descreveu sua rotina à equipe de inspeção do MNPCT. A internação prolongada, a medicalização como principal instrumento terapêutico e a falta de outras atividades é um obstáculo ao tratamento humanizado e ressocializador, preconizado pela Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001, segundo movimento antimanicomial.
Uma das normas contrariadas com a continuidade do funcionamento do HSVP é a lei distrital n.º 975/95. Promulgado em 1995, o texto previa a “redução progressiva da utilização de leitos psiquiátricos em clínicas e hospitais especializados”, que deveriam ser extintos em um prazo de quatro anos, ou seja, até 1999. Há um atraso de mais de 24 anos no cumprimento da norma.
O promotor de justiça da 2ª Prosus, Clayton Germano, já havia falado, ao Brasil de Fato DF, que o Ministério Público recebeu os dois relatórios do MNPCT sobre o Hospital. O servidor informou que requisitou informações à Secretaria de Saúde em relação ao caso. Em 2018, após receber o relatório daquele ano, Germano participou de inspeção ao Hospital. “Quando eu fui lá depois eu não constatei aquilo que eles constataram dessa maneira”, afirmou o promotor. “Levando em conta o relatório anterior de 2018, eu não considero que o São Vicente de Paulo seja um hospital de caráter asilar”.
Morte de Paciente
Também foi tratado na reunião a morte de uma paciente do São Vicente de Paulo na noite do dia 25 de dezembro. Raquel de Andrade era paciente psiquiátrica e residia no Hospital. O prontuário médico apontou que, às 19h29, Raquel apresentou uma "crise convulsiva, simulando??”. A suposta simulação foi avaliada pela plantonista do hospital, que informou, no documento, que aplicou medicação segundo a prescrição médica da paciente.
Ainda conforme as informações, Raquel apresentou crise convulsiva na noite do dia 24 de dezembro e foi contida mecanicamente (amarrada à maca). Conforme a denúncia, a paciente também teria sofrido uma queda, mas não recebeu o tratamento adequado.
Na reunião desta quarta-feira, o promotor de Justiça Clayton Germano informou que está apurando os fatos, do ponto de vista da saúde pública, e que enviou cópia dos autos à Promotoria de Defesa dos Usuários da Saúde - Provida, para investigar a suposta ação ou omissão dos responsáveis.
Fortalecimento da Saúde no DF
Entre as situações expostas na reunião, também esteve a necessidade de ampliar a rede de atendimento aos pacientes de saúde mental e as residências terapêuticas, além de ter equipamentos híbridos para o tratamento de pessoas com deficiência e com diagnóstico de saúde mental.
As organizações de luta antimanicomial defendem que a desativação dos leitos psiquiátricos do HSVP aconteça simultaneamente à expansão da Rede de Atenção Psicossocial no DF, com a criação de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), de mais leitos em enfermarias de hospitais gerais, e de mais Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sobretudo do tipo III, que são os que funcionam 24h e possuem leitos para acolhimento noturno.
De acordo com informações da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), o DF possui 18 Caps em funcionamento, dos quais quatro não estão habilitados junto ao Ministério da Saúde. Eles estão distribuídos por 13 das 35 Regiões Administrativas do DF, o que significa que apenas 37% das RAs têm cobertura de CAPS e apenas três RAs têm mais de um tipo de CAPS.
Os Caps que funcionam 24h são essenciais para concretizar a substituição de internações em hospitais psiquiátricos. Apesar disso, o DF conta com apenas um Centro tipo III, que atende ininterruptamente o público geral, e três Caps AD III, que atende em regime de plantão pacientes a partir de 16 anos com uso problemático de álcool e outras drogas.
O promotor destacou, no encontro, que a saúde mental é uma pauta prioritária do MPDFT. “O esforço que temos feito é para cumprir a ação civil pública que cobra a construção de 15 Caps e a criação de 125 vagas em Residências Terapêuticas, além da contratação de psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais para trabalhar nos atuais Caps e nos que serão construídos”, disse.
“A saúde mental é uma situação complexa que envolve a política antimanicomial no sistema prisional, mas também daqueles que não estão em conflito com a lei e que precisam de atendimento. Precisamos fortalecer os Caps e a rede como um todo para atender essa diversidade de pacientes. É muito trabalho que precisa ser feito junto com o Governo do Distrito Federal, que precisa dar atenção a esse tema”, ressaltou.
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino