As 272 vítimas fatais do rompimento da barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), foram homenageadas neste sábado (25), durante a VI Romaria pela Ecologia Integral, no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário da cidade. A data marca seis anos do crime cometido pela mineradora Vale, que resultou também na devastação do rio Paraopeba e danos permanentes às comunidades da região.
Realizada pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser) da Arquidiocese de Bele Horizonte, a romaria foi aberta ao público e reuniu movimentos populares, associações e representantes religiosos. A atividade levantou pautas de cobrança como a reparação justa e integral de sobreviventes e familiares das vítimas e o compromisso de órgãos responsáveis para evitar casos semelhantes.
Cumprimento de lei
Desde 2023, o Brasil conta com a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que garante direitos como auxílio emergencial às famílias até que suas condições de vida sejam restabelecidas, além de assessoria técnica independente para orientar as populações atingidas.
No entanto, as comunidades denunciam que a mineradora Vale tem negligenciado a aplicação da lei. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) critica o controle que a própria empresa mantém sobre o processo de reparação, resultando em morosidade e falta de transparência.
De acordo com a PNAB, em casos como esse, a mineradora deveria garantir tanto o auxílio financeiro quanto a assessoria técnica às famílias. Porém, há previsão de que esses pagamentos sejam encerrados até 2026, antes mesmo de qualquer reparação significativa. Na esfera ambiental, os números são alarmantes: apenas 1% da dragagem dos rejeitos foi realizada até o momento.
Denúncias de descaso
Alessandra de Oliveira, moradora da Bacia do Paraopeba, relatou o impacto profundo do crime da Vale em Brumadinho. Além dos danos à saúde de sua família, incluindo problemas respiratórios e depressão, ela destacou a contaminação do rio, a perda de sustento por meio da pesca e o colapso dos serviços públicos. Alessandra cobra justiça e cumprimento dos direitos das populações atingidas.
"Hoje em dia, estamos sofrendo com doenças de pele, diarreia, dores de cabeça e problemas no estômago. As crianças precisam de tratamento respiratório, algo que antes não acontecia. Minha sogra, que era uma pessoa forte com 54 anos, agora está em uma cadeira de rodas e sofre de depressão profunda. Ela depende de medicamentos muito fortes, mas a verba que recebemos não é suficiente para suprir as necessidades dela. Ela vivia saudável, andava normalmente. Agora depende de uma cadeira de rodas e medicamentos", relata a atingida pelo rompimento da barragem.
Na questão ambiental, Alessandra também lamenta os impactos do crime. "Nossa água está contaminada. Não podemos mais pescar, algo que era uma parte importante do nosso sustento e lazer. Antes, se faltava comida em casa, íamos ao rio Paraopeba buscar peixe para alimentar nossa família. Hoje, isso acabou", desabafa.
Maria Santana Alves, moradora de São Joaquim de Bicas, denuncia o impacto contínuo do crime: “O crime da Vale ainda nos mata. Nossa água é imprópria, nossa saúde está em colapso, e nossos quintais estão improdutivos. Quando agirem, pode ser tarde demais.”
Além da saúde deteriorada e da contaminação da água, há o agravante de reclamações de que as comunidades não são ouvidas no processo de reparação. “Quem mais sente os danos somos nós, mas as decisões são tomadas sem nos consultar”, desabafa Maria.
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), destaca a insuficiência da reparação às vítimas, apontando problemas como a contaminação contínua por metais pesados e a redução iminente do auxílio financeiro às famílias. Ele ressalta a importância da mobilização popular para garantir direitos e reforça a luta pela reparação integral das comunidades atingidas.
"O MAB está em uma jornada de luta para denunciar que a lei precisa ser cumprida. Tanto a Política Estadual quanto a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens devem ser instrumentos para garantir essa reparação. Nos reunimos com as instituições de justiça e com o juiz do caso, apresentando nossas preocupações. O acordo firmado em Brumadinho, na nossa avaliação, não alcança a reparação integral dos atingidos", afirma o representante do MAB.
"Se não fosse a mobilização e os mais de 50 atos que organizamos em Belo Horizonte e no Tribunal de Justiça, não teríamos conquistado o pouco que temos hoje. Mas falta muito para alcançar uma reparação integral. Convocamos todos os atingidos a se organizar. Só com o povo mobilizado conseguiremos pressionar os poderes constituídos e exigir nossos direitos", destaca.
O crime de Brumadinho
Em 25 de janeiro de 2019, cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério invadiram o rio Paraopeba, atingindo 26 municípios e afetando diretamente cerca de 1 milhão de pessoas. Mesmo com o acordo firmado em 2021 entre a Vale, o governo de Minas Gerais e instituições de justiça, as negociações ocorreram sem participação das comunidades atingidas, o que gerou descontentamento.
Posicionamento da Vale
Em nota divulgada à imprensa na última segunda-feira (20), a Vale afirma que as ações de reparação pelo rompimento da barragem avançam "consistentemente". "O Acordo de Reparação Integral, assinado em 2021, pelo Governo de Minas Gerais, Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais e as Defensorias Públicas de Minas Gerais e a Vale alcança a 75% do valor total estimado de R$ 37,7 bilhões."
"A companhia segue investindo na gestão de suas barragens e em projetos que permitam uma mineração mais segura e sustentável. Em 2024, o Programa de Descaracterização de Estruturas a Montante atingiu quase 57%, com a eliminação de 17 estruturas. Somando a isso, a empresa vem implementando tecnologias de processamento a seco, que não requerem uso de água e, portanto, dispensam o uso de barragens. Atualmente, cerca de 70% da produção de minério de ferro da mineradora ocorre por processamento a seco."
Sobre as reparações a moradores e trabalhadores, a mineradora informa que foram 8,9 mil acordos de indenização entre cíveis e trabalhistas, 17 mil pessoas contempladas e R$ 3,8 bilhões em pagamentos realizados até o momento.
Edição: Martina Medina