Os combates entre o Exército da República Democrática do Congo (RDC) e o grupo paramilitar M23, aliados do país vizinho Ruanda, iniciados no último domingo (26), continuam nesta terça (28), na cidade de Goma, no leste do país africano.
O leste da RDC, na fronteira com Ruanda, está atolado em violência há décadas, desencadeada por rivalidades regionais, disputas étnicas e conflitos com grupos armados, exacerbados desde o genocídio de Ruanda em 1994.
Durante a guerra civil da Ruanda, entre abril e julho de 1994, a etnia tutsi foi massacrada por extremistas étnicos hutus. Cerca de 800 mil pessoas foram mortas.
Atualmente, os hutus estão no poder da RDC sob o governo da primeira-ministra Judith Suminwa desde abril de 2024. Contudo, nos últimos anos, o M23, um grupo predominantemente tutsi e apoiado pelas tropas da Ruanda, conquistou grandes áreas de território no leste da RDC, alegando que luta para defender a população de sua etnia.
Em sua mais recente ofensiva, os combatentes do M23 entraram e tomaram a cidade estratégica de Goma. A região é rica em minerais, motivo que os membros do Conselho de Segurança da ONU afirmam ser o motivo da escalada do conflito, para além das questões étnicas.
Diante disso, a cidade que abriga quase dois milhões de pessoas teve metade de sua população deslocada após o avanço dos combates. Os que ficaram estão trancados em suas casas, sem acesso à água ou energia elétrica devido ao bombardeio das infraestruturas.
A ONU expressou preocupação com a escassez de alimentos em Goma e nos arredores depois que as atividades de assistência alimentar foram suspensas. "As próximas 24 horas serão cruciais porque as pessoas começarão a ficar sem suprimentos e terão que ver o que podem encontrar para sobreviver", disse em Kinshasa Shelley Thakral, porta-voz do Programa Mundial de Alimentos (PMA) na RDC.
Alguns moradores relataram ter sido roubados por soldados ou milicianos congoleses. "Eles roubaram tudo de nós, nossos telefones, até nossos sapatos. Nós os vimos tirando suas roupas e jogando fora suas armas", disse Jospin Nyolemwaka, que fugiu de seu bairro.
Pelo menos 17 pessoas morreram e 367 ficaram feridas durante dois dias de conflitos, de acordo com relatos dos hospitais sobrecarregados da cidade.
"Nossas equipes cirúrgicas trabalham incansavelmente para lidar com o fluxo maciço de feridos", disse à AFP Myriam Favier, chefe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na província de Kivu do Norte. Além da questão alimentar, a Cruz Vermelha alertou para o risco de propagação de vírus, incluindo o ebola, de um laboratório em Goma, devido aos intensos combates na região.
O CICV "está muito preocupado com a situação no laboratório do Instituto Nacional de Pesquisa Biomédica" e pede "a proteção de amostras que podem ser afetadas pelos combates, e que podem ter consequências inimagináveis se as cepas bacteriológicas, incluindo o vírus ebola, que se encontram lá, se espalharem", disse o diretor regional do CICV, Patrick Yusef, em Genebra.
Já na capital Kinshasa, várias embaixadas foram atacadas por manifestantes que denunciam o conflito no leste do país. Os prédios de representação diplomática de Ruanda, França, Bélgica e Estados Unidos foram atingidos.
Apesar do governo da RDC estar etnicamente envolvido no conflito e ter seu exército em combate, não houve nenhum pronunciamento da primeira-ministra Suminwa ou do presidente Félix Tshisekedi sobre os combates. É esperado que um discurso á nação seja feito na noite desta terça-feira.
*Com AFP