Em continuidade da ofensiva iniciada esta semana na República Democrática do Congo (RDC), o grupo armado M23 (Movimento 23 de Março), aliado de Ruanda, reforça seu controle sobre Goma, capital de Kivu do Norte e a maior cidade do leste da RDC, enquanto avança nesta quarta-feira (29) para Kivu do Sul, em combates contra o exército congolês.
Os atores envolvidos neste conflito podem ser pouco conhecidos, contudo um protagonista familiar está por trás da instabilidade na região africana: o Ocidente, em particular o setor tecnológico.
“A RDC é um país muito rico em recursos naturais. Por isso, o Ocidente está usando Ruanda para saquear esses recursos. Já Ruanda criou esse grupo de rebeldes chamado M23, totalmente apoiado por eles para saquear os minerais e levá-los à Kigali, capital ruandesa, para exportação”, explica sobre o conflito uma fonte da RDC, sob condição de anonimato, ao Brasil de Fato.
Segundo o ativista congolês, a “mídia internacional está distorcendo a situação”. “Os rebeldes do M23 são ruandeses que se passam por congoleses”, de modo que a imprensa informa que se trata de um conflito entre congoleses e étnico, detalha.
Além de roubar os recursos minerais da região, em especial tântalo, estanho, tungstênio e ouro, visando a venda para o setor tecnológico, os combatentes do M23 matam a população local: “Estamos perdendo nossos irmãos” em ações que “vêm ocorrendo desde 2001”, relata.
Em dezembro, a RDC chegou a apresentar uma queixa contra a Apple em tribunais da França e Bélgica por uso de minerais vindos de minas congolesas ilegais na fabricação de seus smartphones e tecnologias.
O governo de Ruanda, por sua vez, insiste que o conflito tem como principal motivo as lutas étnicas. Durante a guerra civil da Ruanda, entre abril e julho de 1994, a etnia tutsi foi massacrada por extremistas étnicos hutus. Cerca de 800 mil pessoas foram mortas.
Nos últimos anos, o M23, que é predominantemente tutsi, conquistou grandes áreas de território no leste da RDC alegando que luta para defender a população de sua etnia. Antes da mais recente ofensiva, o grupo apoiado por Ruanda tomou controle de Goma em 2012, mas recuou após aplicação de sanções e força militar do exército ruandês em conjunto com a ONU.
Entre as disputas de narrativas, os confrontos entre milicianos e soldados já deixaram mais de 100 mortos. Cerca de mil pessoas ficaram feridas nos últimos três dias, desde o início do avanço do M23 sobre Goma, segundo um levantamento da AFP baseado em relatórios hospitalares dessa cidade, que possui cerca de um milhão de habitantes.
Relatos informam corpos de vítimas, que ainda precisam ser recolhidos, nas ruas da Goma, e soldados congoleses que foram vistos fugindo, enquanto outros tiravam seus uniformes para evitar serem pegos pelo M23.
Segundo a ONU, a violência na região, lar de dois milhões de habitantes, desencadeou uma crise humanitária, que forçou meio milhão a deixar suas casas desde o início do ano.
Avanços do M23 e protestos
O grupo rebelde M23 tomou controle do aeroporto de Goma na última terça-feira (28). “Mais de 1.200 militares congoleses se renderam e estão cercados em uma base da Monusco [a missão da ONU na RD Congo] no aeródromo", afirmou uma fonte de segurança.
Os confrontos em Goma resultaram em incidentes na capital do país, Kinshasa, situada a mais de 2.600 quilômetros a oeste, onde manifestantes atacaram várias embaixadas. Foram atingidas as delegações diplomáticas da França e Bélgica, ambos os países que colonizaram a RDC, dos EUA, maior país representante dos interesses ocidentais denunciados pelos protestos, além da representação diplomática da Ruanda.
Também há relatos de que a embaixada de Uganda foi alvo. Ademais, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que a bandeira do país em sua embaixada em Kinshasa foi “retirada e levada pela multidão”.
“Todos os jovens estão se mobilizando para mostrar nosso descontentamento porque neste momento em Goma há uma guerra total entre o M23 e o exército ruandês contra a FARDC (Força Armada da RDC)”, declara o revolucionário pan-africanista ao Brasil de Fato.
Diante dos protestos, o governador da capital Kinshasa, Daniel Bumba, proibiu a partir desta quarta-feira (29) manifestações públicas, segundo a emissora Al Jazeera.
De acordo com o embaixador regional de Ruanda na região dos Grandes Lagos, Vincent Karega, o M23 deve avançar para além de Goma, em direção a Kivu do Sul “a menos que consigam um bom diálogo e negociação com a RDC”, declarou à AFP.
Segundo o representante ruandês, as outras áreas da RDC não estão tão protegidas como Goma. Ele avalia que o conflito pode se encerrar com “a divisão de poder ou tomada total de poder”.
Em meio à insegurança, os moradores de Goma ficaram isolados e trancados em suas casas, sem água nem eletricidade, devido aos intensos combates e bombardeios. Há quatro dias sem acesso a suprimentos básicos, alguns civis tentam chegar a armazéns de alimentos e produtos de primeira necessidade, sob o risco de serem mortos.
Além do risco de vida, alguns moradores relataram saqueamentos. "Eles roubaram tudo de nós, nossos telefones, até nossos sapatos. Nós os vimos tirando suas roupas e jogando fora suas armas", disse Jospin Nyolemwaka, que fugiu de seu bairro.
Diante da instabilidade regional, o Quênia anunciou uma reunião da Comunidade da África Oriental para esta quarta-feira (29) com os presidente da RDC, Felix Tshisekedi, e de Ruanda, Paul Kagame. No entanto, a mídia estatal congolesa informou que Tshisekedi não participará do diálogo.
Segundo a AFP, Angola, que faz fronteira com a RDC, tentou promover uma mediação entre Kinshasa e Kigali, mas cancelou a negociação “no último minuto quando o presidente ruandês não compareceu”.
Kagame pronunciou-se sobre o conflito após uma conversa com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio. O mandatário reconheceu “a necessidade de garantir um cessar-fogo no leste da RDC e abordar as causas fundamentais do conflito de uma vez por todas”. Agora, Luanda apela para conversações “urgentes” entre as partes, exigindo que a Ruanda retire o M23 da RDC.
*Com AFP