A suposta 'direita democrática' não se importa de carregar nas coligações o fascismo
A esta altura, qualquer pessoa mais esclarecida sabe que a oportunidade que ganhamos para alterar a correlação de forças com a vitória política em 2022 não está sendo aproveitada como deveria. As pesquisas estão mostrando que melhorar a economia não é suficiente para ampliar a base de apoio e pavimentar uma nova vitória em 2026.
Com a luz amarela acesa, é grande a preocupação e a ansiedade entre a militância de esquerda e democratas em geral. Afinal, a derrota de Biden para o fascismo, mesmo este tendo bons resultados para mostrar na economia, mostra que por aqui, o resultado, se seguirmos na trilha que estamos, pode ser igual.
Ao analisar o comportamento das classes e frações de classe, percebemos que as margens são estreitas. Muitos daqueles atores que compuseram a frente ampla em 2022 já pularam fora do barco e não voltarão. A reeleição de Lula, ou do PT, seja com que candidato for, é tudo que não quer o capital financeiro, o dito “mercado”; boa parte da burguesia nacional, incluindo seus porta-vozes da imprensa empresarial e nada profissional; o agronegócio; e parte da classe média, parte da classe trabalhadora que ganha mais de dois salários mínimos.
Ficamos com o “povão”. As amplas maiorias, os que ganham até dois salários mínimos de renda familiar mensal, o subproletariado, 70% da população.
Disputa política e correlação de forças
O cerco midiático, financeiro e do Congresso Nacional é realmente forte e perigoso, e cobram o suicídio programático do governo, sua capitulação e estelionato eleitoral.
O aumento em um ponto percentual da taxa de juros nesta semana, já na gestão Galípolo; o ajuste fiscal em cima dos pobres; a crescente apropriação dos congressistas do orçamento federal, por meio das emendas parlamentares; a manutenção das isenções fiscais bilionárias para diversos setores; as travas para o crescimento do salário mínimo; a manutenção dos supersalários e super privilégios; e a chantagem diuturna dos veículos de comunicação empresários, por mais enxugamento do Estado, são alguns bons exemplos da força deles.
É verdade que, onde lançou sozinha candidatos nas eleições municipais de 2024, a extrema direita não se saiu tão bem. Mas onde esteve em aliança com a direita, foi vitoriosa, mesmo sustentando suas estapafúrdias propostas. Contra a esquerda, todos se juntam, a suposta “direita democrática” não se importa de carregar nas coligações o fascismo.
Pior, de olho no eleitorado bolsonarista, a “direita tradicional” não tem pudores em assimilar o programa econômico e a prática antidemocrática fascista, como mostra as comemorações do governador de São Paulo da posse de Trump, ou as declarações xenófobas recorrentes do governador de Minas Gerais. E o extremado empenho de todos eles em arrochar o funcionalismo, privatizar as estatais e retirar direitos dos trabalhadores; ao mesmo tempo que ampliam o crédito e as isenções para os do andar de cima.
Neste tabuleiro, joga papel importante a imprensa empresarial, que normalizou os fascistas e suas ideias antidemocráticas, lhes concedendo o espaço que não lhes cabe na democracia.
Em defesa dos interesses dos trabalhadores, joga papel importante o governo federal, os partidos de esquerda, os movimentos populares, sindicatos, setor cultural, setores progressistas das igrejas e intelectualidade em geral. A atuação deste campo progressista nos dois primeiros anos de governo foi insuficiente e falha.
O governo, premido pela busca de manter-se como representante da frente ampla, busca obter vitórias sem contrariar interesses, sem fazer a disputa ideológica na sociedade e se equilibrando de concessão em concessão frente a um Congresso extremamente conservador e o cerco do capital financeiro e do “mercado”. Mesmo quando lhe caiu no colo a possibilidade de abraçar pautas da esquerda – como quando as mulheres derrotaram nas ruas o PL do estuprador, ou a pauta pelo fim da jornada 6 x 1 ganhou a sociedade – o governo não soube, ou não quis, aproveitar a oportunidade; entra tarde nas disputas, ou nem entra.
Também os movimentos e partidos de esquerda foram incapazes de construir e sustentar uma ação unitária que mobilizasse a sociedade e pressionasse o Congresso. Mesmo quando a bola foi levantada, como, por exemplo, contra os juros escorchantes do Banco Central com ajuda do próprio Lula, ou pela taxação das grandes fortunas. O PT, em que pese a postura combativa da presidenta Gleisi, foi incapaz de liderar ações que pressionassem o governo e o Congresso.
Cerco segue e se estreita
Passados dois anos, o cerco não só segue, como dá sinais de estreitar as margens de manobra do governo.
Frente a esta situação, quais os caminhos para a vitória em 2026?
Obviamente não é satisfatório apontar que a mudança de comunicação por parte do governo é a solução; o que certamente é urgente que aconteça, mas é insuficiente. Também é insuficiente lembrar que o mais importante é a retomada do trabalho de base e do diálogo com a sociedade; um consenso, para o qual estão muito empenhados inclusive. Os principais pontos de um programa popular, que trariam ganhos para os mais pobres, e contribuiria para retomar a esperança, também são do conhecimento geral. Todas estas medidas estão corretas, são justas e necessárias. Mas esbarram nos limites objetivos e subjetivos dos atores envolvidos.
O que e como fazer?
O governo e o PT mudarão a estratégia que está no posto de comando? Uma estratégia que não prioriza o confronto, o enfrentamento, a disputa ideológica, a construção de pressão popular e a mobilização das massas? É improvável, e os sinais vão no caminho contrário.
A reforma ministerial que se avizinha indica um movimento à direita do governo, em busca de “governabilidade” com o Congresso, e alianças para 2026. Já o PT, a julgar pelo que é publicado na imprensa, Lula e caciques bem posicionados apostam em levar o partido ao centro, e já tem candidato para isso.
Um caminho certo para, mesmo ganhando em 2026, perdermos, elegendo um governo com um programa ainda mais recuado. Que os resultados do PED apontem no sentido contrário, há espaço para disputa e é preciso que a façamos.
Mobilização da sociedade
Não compete apenas ao PT ou ao governo fazer o confronto, o enfrentamento, a disputa ideológica e as mobilizações de massas. Esta tarefa é do conjunto do campo democrático e popular.
Há caminhos para a mobilização da sociedade e para pressionarmos por ganhos reais para os mais pobres, politizando à esquerda, uma população que já está politizada, parte dela, à direita. A luta pela taxação das grandes fortunas e pela redução da jornada de trabalho com o fim da escala 6 x 1, é, dentre as iniciativas em curso, a mais promissora.
A realização de um plebiscito popular em torno dos dois assuntos, em setembro, é uma alvissareira iniciativa, pelo seu caráter pedagógico e organizativo, por proporcionar uma unidade que nos faltou nos últimos dois anos, e sobretudo pela possibilidade que nos abre para uma ação de massas. Um plebiscito popular, como já mostrou as experiências anteriores, carrega em si a ideia da participação do povo nos rumos da nação, elemento central para alterar a correlação de forças.
Como já mencionado em outro artigo, o que nos cabe é construir a frente popular, sem abrir mão da frente ampla, mas disputando-a por dentro, e disputando a sociedade, mantendo a autonomia programática e de ação das forças progressistas; construindo força própria. O plebiscito popular deve contribuir com este caminho, envolvendo amplos setores da sociedade. Sem isso, seremos dirigidos pelos interesses de uma elite neoliberal, tacanha e golpista.
* Frederico Santana Rick é sociólogo, mestre em ciências sociais, militante do Movimento Brasil Popular, participa das Pastorais Sociais e do movimento de Fé e Política.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nathallia Fonseca