Reparação histórica?

França pode restituir ao Haiti valor pago pela independência, diz presidente do país caribenho

Após revolta de escravizados, Porto Príncipe conquistou emancipação de Paris pelo preço de 150 milhões de francos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
“Foi Macron quem começou a falar comigo sobre restituição e reparação” afirmou o presidente interino do Haiti, Leslie Voltaire - THOMAS SAMSON/AFP

O presidente interino do Haiti, Leslie Voltaire, disse nesta quinta-feira (30) que o governante da França, Emmanuel Macron, sugeriu a possibilidade de Paris restituir a pesada indenização que Porto Príncipe pagou em 1825, como parte do acordo de independência do país centro-americano, que esteve sob domínio francês durante mais de 150 anos. 

Segundo Voltaire, a declaração de Macron ocorreu durante uma reunião entre os dois governantes no Palácio do Eliseu, sede da Presidência francesa, na última quarta-feira (29). 

“Eu não pedi isso. Foi ele [Macron] quem começou a falar comigo sobre restituição e reparação” afirmou o político haitiano à RFI e France 24.

Segundo Voltaire, o presidente francês deve fazer uma declaração sobre o assunto no próximo 17 de abril, data que marca o bicentenário do acordo firmado entre o então presidente haitiano Jean-Pierre Boyer e o rei Carlos X, da França. 

“Não estamos falando de dinheiro. Estamos falando sobre o princípio, sobre uma declaração que estudaremos juntos”, complementou.

Apesar da afirmação de Voltaire, um comunicado da reunião emitido pela presidência francesa não mencionou a possível devolução da indenização de independência paga pelo Haiti. O documento do Palácio do Eliseu informa que Voltaire e Macron “discutiram a situação política e de segurança no Haiti”. 

O preço da independência

Após uma revolta de escravizados bem-sucedida, o rei francês Carlos X emitiu uma ordem em 17 de abril de 1825 renunciando aos seus direitos de soberania sobre o território e reconhecendo a independência do Haiti.

Mas essa primeira descolonização na história da França estava sujeita a várias condições, incluindo o pagamento de 150 milhões de francos aos ex-colonizadores, uma soma enorme para a época. O Haiti teve que pedir empréstimos a juros altos a bancos franceses para pagar essa dívida, um processo que durou décadas.

Autoridades haitianas acreditam que o pagamento desse valor explica, em grande parte, as dificuldades enfrentadas pelo país para superar a extrema pobreza.

Em 2022, o jornal estadunidense The New York Times estimou que esses pagamentos “custaram ao desenvolvimento econômico do Haiti entre US$ 21 bilhões e US$ 115 bilhões em perdas ao longo de dois séculos, ou entre uma e oito vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2020”. 

Violência e grupos criminosos armados

O país vive em meio à violência provocada por grupos criminosos armados e, há mais de nove meses, é governado por um Conselho de Transição, presidido por Voltaire. 

Contudo, no período, não houve avanços em direção à estabilidade, de modo que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou que a situação coloca em risco o processo de recuperação da política no país.

"É possível que o país não consiga adotar as medidas previstas no acordo de governança alcançado em 11 de março de 2024. Em outras palavras, o objetivo de restaurar as instituições democráticas até fevereiro de 2026 está em risco", afirmou.

Guterres também declarou que as gangues poderiam assumir o controle total de Porto Príncipe, capital do Haiti, se a comunidade internacional não aumentar seu apoio às autoridades locais.

De acordo com a ONU, os grupos criminosos armados já controlam 85% da capital. Segundo o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, pelo menos 5.601 pessoas foram assassinadas no país caribenho no ano passado, mil a mais do que em 2023.

Além disso, mais de um milhão de pessoas foram deslocadas internamente no país devido à violência, três vezes mais do que no ano anterior, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

*Com AFP
 

Edição: Geisa Marques