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Brasil deve priorizar julgamento da Lei do Marco Temporal e ampliar proteção aos defensores dos direitos humanos, recomenda ONU

O alerta faz parte de um relatório que analisa a condição das pessoas que estão sob ameaça no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
De acordo com a ONU, a dificuldade de acesso à terra está no centro da luta dos povos tradicionais - Tiago Miotto/Cimi

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, nesta sexta-feira (31), um relatório recomendando que o Supremo Tribunal (STF) dê prioridade ao julgamento da lei 14.701/23, referente ao Marco Temporal, considerando o tema urgente para a garantida da segurança dos povos indígenas. O documento orienta que o governo brasileiro amplie a proteção às pessoas que vivem sob ameaça e garanta o acesso à terra - clique aqui para acessar o relatório.

"A dificuldade de acesso à terra está no centro da luta dos povos tradicionais e dos trabalhadores rurais em todo o Brasil", informa o texto, elaborado por Mary Lawlor, relatora da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos. "Como os defensores dos direitos humanos disseram repetidamente à relatora durante a sua visita, a terra era a chave para a sua sobrevivência como povos e comunidades", alerta.

Lawlor esteve Brasil em abril de 2024 para avaliar a situação dos defensores de direitos humanos no país. Durante 12 dias, ela visitou áreas de conflito nos estados da Bahia, Pará, São Paulo e Mato Grosso, onde conversou com cerca de 130 defensores, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais, defensores LGBTQIA+, mulheres negras, trabalhadores rurais, jornalistas e ativistas culturais e climáticos.

Atualmente, o Brasil conta com 1.245 pessoas cadastradas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), desenvolvido pelo Ministério dos Direitos Humanos. Desses, 382 são indígenas que, por receberem ameaças, necessitam de proteção do Estado.

O relatório menciona o caso de Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, assassinada em janeiro de 2024, no sul da Bahia. Ela estava em um território indígena disputado por fazendeiros vinculados ao movimento Invasão Zero, grupo com origem na Bahia que é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob suspeita de ser uma milícia rural.

"Há quem ache conveniente que comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e outros povos tradicionais desapareçam e que seus direitos permaneçam simbólicos, frustrados, desconsiderado ou ignorado", destaca o relatório.

Atualmente, a tese do Marco Temporal está travada no STF. A lei estabelece que os povos indígenas que não estavam presentes em suas terras quando a Constituição do Brasil foi ratificada, em 5 de outubro de 1988, não têm direito ao reconhecimento de suas terras. Se aprovada, essa tese aumenta o risco de invasão aos territórios indígenas e, consequentemente, amplia os casos de violência contra essas populações.

"Para acabar com as matanças deve haver demarcação, titulação e reforma agrária", destaca Lawlor. "Os invasores devem ser removidos e os crimes que foram perpetrados devem ser processados, com os autores intelectuais levados à justiça junto com aqueles que puxaram o gatilho."

Consulta prévia e informada

O relatório da ONU recomenda ao Ministério dos Povos Indígenas que preze pelo pleno respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a necessidade de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais "tanto para projetos do setor estatal como do setor privado, respeitando a abordagem desejada e tradições das comunidades afetadas".

Na prática, a Convenção 169 possibilita que essas populações acompanhem e tomem parte em decisões sobre empreendimentos que impactem os seus territórios.

No relatório, Lawlor destaca projetos de escala industrial como particularmente sensíveis: mineração, exploração madeireira, agronegócio, créditos de carbono, infraestrutura, desenvolvimento e produção de energia.

"Muitos desses setores são impulsionados pelo investimento estrangeiro. No entanto, o investimento nacional e as empresas estatais também estão envolvidas na geração de conflitos que afetam defensores dos direitos", destaca.

Edição: Nicolau Soares