Entenda o paradoxo

Mesmo com déficit zero, juros altos aumentam dívida e prejudicam o orçamento do país

Dados do BC mostram que dívida bruta chegou a 76,1% do PIB em 2024, mesmo com redução de 81,7% no déficit primário

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Crescimento da dívida é influenciado pelos juros altos - Paulo Pinto/Agência Brasil

De acordo com dados divulgados pelo Banco Central (BC) nesta sexta-feira (31), a dívida bruta do Brasil fechou 2024 em 76,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O montante total alcançou R$ 9 trilhões, o que representou aumento de 2,2 pontos percentuais no acumulado do ano.

Apesar disso, um dia antes o Tesouro anunciou o cumprimento da meta fiscal. O ano passado teve déficit primário de R$ 11 bilhões, ou 0,09% do PIB, sem contar despesas extraordinárias com a reconstrução do Rio Grande do Sul e o combate às queimadas no Pantanal e na Amazônia, por exemplo.

Mesmo contabilizando esses gastos, o resultado ficou dentro da meta e 2024 teve queda de 81,7% no déficit primário em relação a 2023. Além de derrubar as expectativas pessimistas do mercado, os números e índices levantam uma pergunta: se as contas estão em dia, por que a relação entre dívida e PIB continua crescendo?

O crescimento da dívida pública é influenciado por diversos fatores. Um deles realmente é o déficit primário. Um país que gasta mais do que arrecada, tende a ampliar a dívida. Mas não foi o que aconteceu no Brasil em 2024.

Outro elemento que pode pesar no aumento é a saúde da economia. Mas ele também não explica o que foi observado no país ano passado, já que não há recessão e índices como emprego e crescimento estão bons.

No caso brasileiro, a análise leva à conclusão de que o vilão é o patamar dos juros.

Não é sempre que a economia de um país pode ser explicada usando a comparação com o orçamento doméstico. Mas neste caso – apesar da simplificação – a relação pode ajudar.  

Uma família que poupa mais do que ganha tende a encerrar o ano bem, mas se os juros de eventuais dívidas seguem aumentando, até mesmo o dinheiro guardado pode ser insuficiente. No fim das contas, o peso da dívida em relação ao que foi ganho no período fica maior.

A economista Juliane Furno afirma que o cenário atual comprova que os gastos do governo impactam muito pouco no aumento da dívida pública. "O governo está reduzindo o déficit primário. Ele está reduzindo a diferença de quanto arrecada e o que gasta com a sociedade e aumentando o déficit nominal, que é aquele que inclui pagamento de juros e despesas financeiras. Então, hoje, o culpado pela deterioração fiscal e pelo aumento da dívida pública não é o gasto do governo. O que está contribuindo para aumentar a dívida pública são os juros. Esse é o problema fiscal do Brasil."

Maria Lúcia Fattorelli, auditora-fiscal aposentada da Receita Federal e fundadora da organização Auditoria Cidadã da Dívida, também aponta que o problema está nos juros que o Brasil pratica, que ela classifica como "exorbitantes". A especialista ressalta ainda o peso de mecanismos que alimentam o sistema rentista, a exemplo da remuneração diária da sobra de caixa dos bancos.

Essa remuneração é feita diariamente pelo BC aos bancos que atuam no Brasil por meio de dois instrumentos: as chamadas operações compromissadas e os depósitos voluntários remunerados. No primeiro caso, o BC compra e vende títulos públicos com o compromisso de recompra ou revenda. Já o segundo instrumento é realizado por meio de depósitos de dinheiro que as instituições financeiras fazem no Banco Central e pelos quais recebem uma taxa de remuneração.

Segundo Fatorelli, esses pagamentos diários aos bancos, somados aos juros altos da dívida pública, consomem recursos que poderiam ser usados em saúde, educação ou infraestrutura. Ela defende uma auditoria criteriosa, urgente e pública da dívida.

"Lugar nenhum do planeta remunera o que o Brasil remunera em títulos da dívida. Ainda mais com essa alta da Selic (taxa básica de juros) pelo Banco Central. A saída é fazer auditoria dessa dívida, dissecar tudo isso, denunciar, mobilizar a sociedade para termos aqui no Brasil um modelo econômico que priorize o nosso desenvolvimento socioeconômico e ambiental. E não priorize mais ficar transferindo centenas de bilhões para o setor financeiro, que não tem contrapartida alguma em investimento. É um gasto estéril que está fazendo a dívida explodir."

Edição: Nicolau Soares