Reações

Como Brasil e vizinhos progressistas da América Latina têm respondido a deportações e política migratória de Trump

Países criaram políticas de assistência e contra voos dos EUA, mas Brasil preferiu grupo de trabalho ainda não detalhado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Brasil levou mais de 24 horas para apresentar primeiro posicionamento oficial em relação aos voos de deportação e cinco dias para anunciar medida contra violações de direitos humanos - MICHAEL DANTAS/AFP

Desde a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 20 de janeiro, e o lançamento de ordens executivas com diversas políticas para facilitar a deportação em massa, países latino-americanos - principais origens dos imigrantes sem documentação nos EUA - acenderam um alerta.

As medidas de Trump levaram a um primeiro efeito prático para esses países na última semana: aviões militares dos EUA partiram com destino à Guatemala, Colômbia e Brasil, com mais de 500 passageiros na totalidade, para “devolver” as pessoas aos seus países de origem, de acordo com as promessas do magnata republicano. 

A administração de Trump, que classifica tais imigrantes como “criminosos”, tratou os homens, mulheres e crianças que estavam nos voos como tal, de modo que viajaram algemados - mesmo sem ter nenhuma acusação criminal em seus históricos. 

Além das algemas, outras violações de direitos humanos e dignidade foram registradas nos voos vindos dos EUA, como tratamento indigno e más condições das aeronaves. 

A medida gerou revolta nos países da América Latina, de modo que Honduras, na Presidência temporária da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a pedido da Colômbia, convocou, no último domingo (26), uma reunião urgente sobre “Migração, Meio Ambiente e Unidade Latino-Americana”.

O evento deveria acontecer nesta quinta-feira (30), contudo, foi cancelado na última quarta (29) devido à “falta de consenso” entre os países da região, segundo a presidente hondurenha, Xiomara Castro. 

Apesar dos países latinos ainda não terem emitido um comunicado ou políticas conjuntas contra as medidas de deportação em massa anunciadas por Trump, os governos individualmente se articularam para proteger seus cidadãos de violações nos Estados Unidos. 

O México investiu em ações para proteger seus cidadãos antes mesmo da posse do presidente republicano; Honduras publicou detalhes de medidas para acolher os hondurenhos deportados; a Colômbia, além de investir em uma retórica forte contra Trump, enviou seus próprios aviões para buscar seus cidadãos em território estadunidense. 

No entanto, o Brasil levou mais de 24 horas para apresentar seu primeiro posicionamento oficial em relação aos voos de deportação e quatro dias para anunciar alguma medida, além de recusar os aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para trazer os cidadãos brasileiros em segurança. 

Veja a comparação das medidas de cada país:

“México te abraça”

No dia da posse de Trump, em 20 de janeiro, a presidente do México, Claudia Sheinbaum fez um discurso ao país de modo a acalmar os cidadãos mexicanos ameaçados nos Estados Unidos e lançar a estratégia de atenção integral “México te abraça”. 

“Aos nossos compatriotas, dizemos-lhes que, primeiro, não estão sozinhos; e, em segundo lugar, também devemos manter a calma”, afirmou a mandatária na ocasião.

Detalhando a política de seu governo, Sheinbaum afirmou que o objetivo do plano é “garantir que os migrantes mexicanos que retornam ao país tenham acesso a programas de bem-estar, seguridade social, emprego, transporte e, caso cheguem sem dinheiro, recursos financeiros e apoio através da “Tarjeta Bienestar Paisano”.

O governo detalhou que o cartão de assistência financeira oferecerá dois mil pesos mexicanos (cerca de R$ 576) para cobrir as despesas de viagem. Os cidadãos também serão afiliados ao Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS) para acessar aos programas de assistência em relação a doenças, licença-maternidade, acidentes no trabalho, deficiência, aposentadoria, desemprego de pessoas idosas e benefícios em creches. 

“Da mesma forma, terão acesso a todos os apoios à habitação social através da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, Territorial e Urbano (Sedatu) e do Instituto do Fundo Nacional de Habitação do Trabalhador (Infonavit). Além disso, o Ministério do Interior coordenará as ações de emissão de documentos de identidade, se necessário”, garantiu a secretária do Interior, Rosa Icela Rodríguez Velázquez.

A representante do governo mexicano também anunciou a instalação de nove centros de atendimento a migrantes em cidades fronteiriças com os EUA: Matamoros, Reynosa e Nuevo Laredo em Tamaulipas; Tijuana e Mexicali na Baixa Califórnia, bem como em Sonora, Chihuahua, Coahuila e Nuevo León, “que contarão com serviços de registro e recepção, assistência médica, documentação, hospedagem e alimentação”. 

A presidente mexicana também informou que “foram coordenadas ações com organizações nacionais e internacionais, com a Comissão de Direitos Humanos e com o Conselho Coordenador Empresarial (CCE) para o acolhimento e emprego” de mexicanos que sejam deportados. 

Sheinbaum ainda garantiu que os 53 consulados do México nos EUA “estão preparados” para fornecer “cuidado, apoio, bem como a implementação da estratégia México te abraça”, e que o Centro de Informação e Assistência ao Povo Mexicano (CIAM), que atende 24 horas por dia e sete dias por semana, foi reforçado. 

“O governo do México tem capacidade operacional para cuidar de nossas irmãs e irmãos que retornaram, que não estão sozinhos. E deste lado da fronteira estamos prontos para recebê-los. A repatriação é uma oportunidade para regressar e reunir-se com a família, e também para se desenvolver no México, em um México em transformação, onde existe um governo comprometido com o bem-estar do povo”, declarou o governo. 

“Irmão, volte para casa”

Diante das políticas de deportação em massa de Trump, a presidente de Honduras, Xiomara Castro, rejeitou a classificação das pessoas deslocadas como “criminosos”, afirmando que “são seres humanos e devemos tratá-los como tal”. “Migrar é um direito humano, não um crime”, instou.

Assim, além de convocar a reunião da Celac, Castro enfatizou que “promoverá a proteção dos migrantes em trânsito”. 

Levando em consideração que nem todas os latino-americanos deportados são levadas para seus países de origem, mas ficam em países de trânsito - principalmente no México - , a presidenta de Honduras anunciou o fortalecimento consular e acordos com governos desses países; coordenação de voos humanitários de retorno com a Força Aérea Hondurenha para cidadãos no México que desejam retornar, além de assessoria jurídica e proteção nos consulados no México. 

Castro garantiu “fortalecer apoio aos hondurenhos em situação migratória irregular nos Estados Unidos, prestando assistência e assessoria jurídica, além de promover a assinatura de acordos bilaterais e multilaterais com outros países para promover a proteção dos direitos dos cidadãos em condições vulneráveis”.

Por meio da Estratégia Nacional de Emergência para Imigrantes Hondurenhos, o governo fornecerá “apoio abrangente” aos cidadãos que estejam em situação migratória irregular nos EUA, em trânsito, ou deportados. 

A política incluirá “reintegração econômica e social; educação e treinamento; programas de crédito; financiamento para pequenos e médios empresários; e acesso à educação”. 

“Migrantes colombianos não são criminosos”

O governo colombiano, sob a presidência de Gustavo Petro, não anunciou medidas de atendimento aos seus cidadãos em perigo nos Estados Unidos similares às do México e Honduras. No entanto, criou uma retórica firme em relação à defesa dos direitos humanos das pessoas que estão sendo deportadas. 

Após os Estados Unidos tentarem entrar na Colômbia com os voos de deportação, Petro proibiu a entrada das aeronaves em seu país, justificando seu ato pela falta de dignidade no tratamento com os migrantes. 

“Os EUA não podem tratar os migrantes colombianos como criminosos. Proíbo a entrada de aviões norte-americanos com migrantes colombianos em nosso território. Os Estados Unidos devem estabelecer um protocolo para o tratamento digno dos migrantes antes de os recebermos”, exigiu o presidente por meio da rede social X.

Em outra publicação, o presidente colombiano enfatizou que “um migrante não é um criminoso e deve ser tratado com a dignidade que um ser humano merece”.

“Não posso obrigar os migrantes a permanecerem em um país que não os quer; mas se esse país os devolver, deverá ser com dignidade e respeito por eles e pelo nosso país. Nos aviões civis, sem sermos tratados como criminosos”, exigiu.

Após um discurso enfático contra Trump, que ameaçou aumentar tarifas contra produtos colombianos, Petro  afirmou que os EUA “não dominarão” os colombianos e que o “bloqueio não assusta” Bogotá.

Após as declarações inflamadas, Petro e Trump fecharam um acordo para o retorno dos colombianos que estão em território estadunidense sem documentação. Petro fará a repatriação, enquanto Trump não cobrará uma tarifa de 25% sobre o país. 

Com a conquista, a Presidência da Colômbia mandou dois aviões da Força Aeroespacial de seu país para buscar 201 cidadãos. “Nossos compatriotas vêm dos Estados Unidos livres, com dignidade, sem serem algemados” anunciou Petro sobre os voos que aterrissaram em Bogotá na manhã da última terça-feira (28). 

O governo ainda anunciou que “além do regresso nas condições indicadas, estes cidadãos, poderão beneficiar, uma vez recolocados nos seus locais de origem, de um plano de crédito produtivo, associativo e barato para o migrante".

E o Brasil?

O primeiro voo com cidadãos brasileiros deportados chegou ao Brasil, especificamente em Manaus, capital do Amazonas, na noite da última sexta-feira (23). No entanto, o primeiro posicionamento oficial do governo brasileiro só ocorreu por volta das 11h do domingo (26). 

Por meio de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores, o governo explicou que o avião militar dos EUA fez uma escala no aeroporto Eduardo Gomes, na capital amazonense, onde as autoridades brasileiras não autorizaram o seguimento em direção a Belo Horizonte, em função do tratamento indigno contra os brasileiros e do mau estado da aeronave. 

Assim, o grupo de brasileiros passou a noite em Manaus até um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) buscá-los para finalizar o trajeto até Minas Gerais. 

O governo afirmou ter reunido “informações detalhadas” sobre o tratamento degradante dispensado aos 88 brasileiros e brasileiras”, reconhecendo que seus cidadãos tinham sido algemados, nos pés e mãos durante o voo do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos EUA (ICE).

A pasta denunciou que o “uso indiscriminado de algemas e correntes” viola o acordo firmado entre Washington e Brasília que “prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados”. 

O ministério refere-se ao acordo assinado entre Brasília, sob Presidência de Michel Temer (2016-2018) e Washignton, governado por Trump em seu primeiro mandato (2017-2021). O documento prevê a realização de voos de repatriação de imigrantes brasileiros sem documentação que não tenham mais possibilidade de recursos nos EUA.

Considerando “inaceitável que as condições acordadas com o governo norte-americano não sejam respeitadas”, o Brasil afirmou que iria “encaminhar pedido de esclarecimento aos EUA” e “seguir  atento às mudanças nas políticas migratórias naquele país”. Contudo, sem anunciar mais nenhuma medida prática em defesa dos brasileiros. 

Quatro dias depois do primeiro posicionamento oficial, na última quarta-feira (29), o Itamaraty fez uma publicação na rede social X informando que foi realizada uma reunião entre a pasta e a Embaixada dos EUA em Brasília sobre o tema. 

Como resultado, foi acordada a “criação de um grupo de trabalho para trocar informações e aprimorar a operacionalização de voos de retorno de brasileiros, garantindo a segurança e o tratamento digno e respeitoso dos passageiros”.

A chancelaria brasileira também afirmou que foi estabelecida “uma linha direta de comunicação entre os membros do grupo para acompanhamento em tempo real dos futuros voos”.

O anúncio do Itamaraty, que não foi publicado como nota oficial no site da pasta, não trouxe mais detalhes sobre como o grupo de trabalho ou a comunicação durante os voos de deportação vão funcionar. 

Além das políticas mínimas de apoio aos imigrantes deportados em comparação com o México, Colômbia e Honduras, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, rejeitou o uso dos aviões da FAB para trazer os brasileiros de volta ao país, como tem sido a política dos demais países da região.

"[O voo] não foi cogitado e não será feito com aeronaves da Força Aérea. Isso é uma questão do governo americano que tem que mandar os brasileiros", falou na última terça-feira (28) no Palácio do Planalto. 

O Brasil de Fato entrou em contato com o Itamaraty questionando se o governo brasileiro planeja alguma política que envolva os consulados do Brasil nos Estados Unidos para acolhimento e contato direto com os cidadãos brasileiros que estão sendo ameaçados. A pasta também foi perguntada se o Brasil, que tem uma ampla estrutura de acolhimento a imigrantes que solicitam asilo em seu território, considera utilizar este aparato já consolidado para desenvolver um plano em prol dos migrantes brasileiros deportados dos EUA. 

Até o fechamento desta reportagem o Ministério das Relações Exteriores brasileiro não retornou a solicitação do BdF. Caso a pasta responda os questionamentos, a matéria será atualizada. 

(*) Com informações de Agência Brasil
 

Edição: Leandro Melito