Iemanjá é mãe de toda humanidade, o que não significa dizer que pode ser cultuada de qualquer forma
Com mais de 100 anos de história, a festa do Dia de Iemanjá, em Salvador (BA) vem reunindo cada vez mais adeptos. Embora a popularização do 2 de fevereiro ajude a propagar os valores do candomblé e outras religiões de matriz africana, especialistas alertam para apropriação indevida dos valores e até esvaziamento do sentido da homenagem.
Iemanjá é a orixá africana mais cultuada no mundo, lembra Ricardo Andrade, coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e também do grupo Oroni, que atua com jovens praticantes de religiões de matriz africana.
“Iemanjá é uma orixá e, assim como todos os outros, está a ser cultuada por todos e por todas. Não há limites do culto para Iemanjá, sejam homens, mulheres, brancos, negros, azuis, vermelhos, pardos, todos, Iemanjá é mãe de toda humanidade”, defende em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (3)
“Contudo, é óbvio que isso não significa dizer que pode ser cultuada de qualquer forma ou negada no momento que não interessa a sua afirmação”.
“Os mais velhos do candomblé têm uma máxima de que o processo ritualístico é interessante que aconteça dentro dos terreiros de candomblé. Então, quando a gente vai montar um terreiro de candomblé, há todo um preparo do terreno. É feito o que a gente chama de plantar o axé”
“Todo mundo sabe que as flores, os perfumes, os presentes, os espelhos que vão, é óbvio que isso é a parte superficial do presente. O presente é muito mais o segredo e ele é preparado nos terreiros”.
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: Como é o 2 de fevereiro em Salvador?
Ricardo Andrade: É importante a gente compreender que Iemanjá é uma de divindades africanas, que faz parte do Panteão, e é a que mais é celebrada no mundo inteiro.
Parafraseando aqui o antropólogo doutor Vilson Caetano, ele diz em um de seus escritos que “Iemanjá é o orixá africano mais cultuado no mundo”.
E assim, tanto como Iansã e Oxum, Iemanjá também é um rio africano. Então, com certeza essa questão da oferenda a Iemanjá nas águas do mar, é algo que acontece depois do processo da diáspora.
Aqui em Salvador, por exemplo, o presente de Iemanjá era feito no Dique do Tororó. Mas, talvez, por conta do próprio tamanho que esse ritual veio ganhando, acabou que foi levado para as águas do Rio Vermelho. E ainda hoje, algumas pessoas fazem a oferenda para Iemanjá no Dique do Tororó.
Iemanjá é uma orixá e, assim como todos os outros, está a ser cultuada por todos e por todas. Não há limites do culto para Iemanjá, sejam homens, mulheres, brancos, negros, azuis, vermelhos, pardos, todos, Iemanjá é mãe de toda humanidade.
Contudo, é óbvio que isso não significa dizer que pode ser cultuada de qualquer forma ou negada no momento que não interessa a sua afirmação.
A festa vem ganhando, ano após ano, maiores proporções. De alguma maneira pode estar havendo uma apropriação do sentido religioso da data?
O que tá em questão é o debate sobre negação. Por que eu digo isso? Os mais velhos do candomblé têm uma máxima de que o processo ritualístico é interessante que aconteça dentro dos terreiros de candomblé.
Porque o rito, as questões litúrgicas, precisam acontecer dentro de um espaço preparado para o ritual. Então, quando a gente vai montar um terreiro de candomblé, há todo um preparo do terreno. É feito o que a gente chama de plantar o axé.
Ou seja, voltando para a questão do 2 de fevereiro, aquilo não pode ser compreendido como um culto, não pode ser compreendido como um ato litúrgico.
É uma manifestação da fé, sim, é um ato de fé, é um ato da sintonia entre o adepto e a orixá, mas não é necessariamente, e assim defende dos mais velhos, um ato litúrgico, não é a liturgia que está ali presente.
Todo mundo sabe que as flores, os perfumes, os presentes, os espelhos que vão são a parte superficial do presente. O presente é muito mais o segredo e ele é preparado nos terreiros.
Qual a importância do candomblé no combate ao racismo no Brasil?
Durante os 300 anos de escravidão, a tentativa do racismo foi aniquilar a população negra e a sua cultura. Mas foi exatamente essa resistência dos terreiros de candomblé que contrapôs isso.
Hoje, todo e qualquer grupo de capoeira compreende que a capoeira só conseguiu resistir porque a sua prática era permitida e garantida nos terreiros de candomblé.
O modo de fazer a nossa comida, o caruru, o vatapá, a farofa de azeite, toda a nossa culinária, a nossa música foi preservada a partir dos terreiros.
Então, o racismo, durante muito tempo, ele tentou eliminar esses símbolos. Como não conseguiu eliminar, uma das estratégias agora é fazer essa negação.
Quando você nega, quando você troca o nome de Iemanjá por Yeshua, é uma negação de todo esse legado, é uma negação de toda essa luta, é uma negação dessa identidade brasileira, afrobrasileira.
Todo esse processo de negação pode ser relacionado com o que o Brasil viveu a respeito do sincretismo religioso?
Há duas teorias que permanecem sobre essa questão do sincretismo religioso. Há uma parte de pesquisadores, estudiosos e militantes do movimento negro que afirmam que o sincretismo foi uma imposição do branco colonizador que fazia com que os africanos adorassem os deuses católicos.
Por outro lado, há uma outra corrente que fala que foi uma estratégia do negro, do homem da mulher negra, para burlar essa fé europeia que era imposta naquele momento.
E aí tem algumas expressões que corroboram e afirmam, por exemplo: todo mundo aqui já deve ter escutado aquela expressão, "santo do pau oco". Há quem defenda que o santo, que era de madeira, estava oco para poder guardar ouro, esconder, jóias…
Outra parte diz que a expressão era usada para explicar como as pessoas faziam para poder colocar a imagem do orixá dentro do santo.
Um outro fato que corrobora com essa teoria é aquele outro ditado: “Está fazendo por debaixo dos panos”, que significa que as imagens católicas estavam em cima da mesa, uma mesa forrada com pano e, embaixo, estavam os objetos de culto africano.
O que é que fica para a gente agora na atualidade? Nós temos uma série de terreiros que hoje não tem mais imagens católicas dentro do seu barracão.
Ontem, inclusive, estive em um terreiro para acompanhar um processo de iniciação que alguns anos atrás havia um altar dentro do barracão que tinha imagens católicas, hoje tem apenas imagens de figuras africanas.
Isso foi uma decisão política de liderança do candomblé ao afirmar: “Olha, hoje nós não precisamos mais nos curvar, não precisamos mais usar esse subterfúgio do sincretismo para afirmar a nossa fé para dizer aquilo que nós acreditamos”
O sincretismo durante algum tempo serviu para manter viva a fé, mas hoje com certeza ele não é mais algo que precisa ser mantido para preservar nossa fé.
Mas isso acaba contrapondo um pouco com com aquela senhorinha de 70, 80, 90 anos, que não consegue abrir mão daquela imagem. E nós compreendemos que isso é geracional.
Quanto mais tempo a gente vai avançando dentro daquilo que é nosso, menos precisamos de elementos de outras religiões para nos afirmar.
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Edição: Martina Medina
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