A visão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) sobre a taxa básica de juros da economia nacional não mudou depois que o bolsonarista Roberto Campos Neto deixou a presidência do órgão, dando lugar ao economista Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Isso é o que mostra a ata da primeira reunião do Copom presidida por Galípolo entre os dias 28 e 29 de janeiro.
Na reunião, os nove membros do Copom, incluindo Galípolo, votaram para aumentar a chamada Selic de 12,25% para 13,25% ao ano. Em ata divulgada nesta terça-feira (4), membros do comitê repetiram argumentos usados na gestão de Campos Neto para justificar a alta.
Eles reafirmaram que o atual governo, o qual indicou cinco dos atuais membros do Copom, é em parte culpado pela alta dos juros. A elevação de 1 ponto percentual da Selic tende a tornar os financiamentos e empréstimos mais caros, reduzindo decisões de compra e investimento e, por fim, freando o ritmo de crescimento da economia.
“O comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia”, descreveu o Copom, indicando alguns dos motivos para a alta da Selic.
A tal “taxa de juros neutra da economia” citada pelo comitê é o patamar da Selic em que ela nem estimula a economia, barateando empréstimos e financiamento, nem a desestimula. Quanto mais alta a “taxa neutra” está, mais alta precisa ser a Selic para desacelerar a economia, reduzindo a inflação – objetivo imediato do Copom.
Segundo o órgão, houve um “esmorecimento do esforço por reformas e disciplina fiscal”, as quais poderiam baixar os juros. Apesar de não criticar nominalmente o governo, fica claro que o comitê vê falta de ação governamental sobre o corte de gastos, apesar de a própria gestão federal ter anunciado um pacote de corte de gastos no final do ano passado.
“O debate do comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas”, afirmou o Copom, repetindo recomendação feita diversas vezes durante a gestão Campos Neto acerca do corte de gastos.
Dólar
Na mesma ata, o Copom ainda liga notícias sobre a política fiscal do governo à alta do dólar, o que também afeta a inflação e pressiona a Selic. “O comitê acompanhou com atenção os movimentos do câmbio, que tem reagido, notadamente, às notícias fiscais domésticas, às notícias da política econômica norte-americana e ao diferencial de juros.”
Economistas ouvidos pelo Brasil de Fato já apontaram que a mudança na cotação do dólar no Brasil está mais ligada à especulação do que ao gasto efetivo do governo.
A cotação da moeda dos EUA subiu no final do ano passado por conta de um suposto temor sobre o descontrole das contas públicas. Na semana passada, o governo federal anunciou que cumpriu com folga a meta de controle de gastos prevista no Orçamento de 2024.
Bancos
Assim como já acontecia na gestão de Campos Neto, o Copom, já sob a presidência de Galípolo, decidiu manter o peso das expectativas dos bancos sobre a inflação para definir a Selic. Essas expectativas são questionadas por economistas porque podem estar sendo calculadas justamente para influenciar os juros no país.
No início da semana passada, antes do início da reunião do Copom, o BdF mostrou que as projeções de economistas ligadas ao mercado financeiro sobre a inflação no Brasil subiram de forma abrupta e sem justificativa plausível. A mediana das previsões saltou de 5,08% para 5,5 % em sete dias, pressionando uma alta da Selic.
Foi essa projeção elevada de forma brusca e questionável que baseou o aumento dos juros. “As expectativas de inflação, medidas por diferentes instrumentos e obtidas de diferentes grupos de agentes, elevaram-se de forma significativa em todos os prazos, indicando desancoragem adicional e tornando assim o cenário de inflação mais adverso”, descreveu o Copom. “A desancoragem das expectativas de inflação é um fator de desconforto comum a todos os membros do comitê e deve ser combatida.”
Críticas
José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), vê problemas na argumentação do Copom para o aumento dos juros. Segundo sua análise, Galípolo repetiu Campos Neto na primeira reunião do comitê que ele presidiu.
“O comportamento do Gabriel Galípolo é exatamente igual ao de Campos Neto. Falou que a economia está sobreaquecida, que o governo não está fazendo o dever de casa na parte fiscal, que existe desancoragem de expectativas”, reclamou, ressaltando que Galípolo foi indicado ao BC com a expectativa de que fizesse uma gestão diferente.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reforçou que o comportamento do Copom sob gestão Galípolo é decepcionante até aqui. Também viu um pessimismo exagerado do Copom sobre a economia.
“Não vejo esse risco fiscal, as regras fiscais estão bem ancoradas, as despesas estão super controladas”, disse Weiss, rebatendo argumentos do Copom. “O BC não adotou nenhuma mudança perceptível em relação à linha de Campos Neto. Até agora, a gestão Galípolo é, de fato, bem decepcionante.”
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, pondera que Galípolo pode estar adotando uma postura mais comedida no início de sua gestão para evitar crises no mercado. No entanto, essa postura conservadora tende a trazer um desaquecimento da economia brasileira, o que prejudica a população.
“A mudança de postura do Copom até poderia ser gradual, mas a verdade é que, até agora, não há nenhum elemento de mudança”, observou Cantelmo. “Com o aumento dos juros, o BC está contratando uma recessão para a economia nacional.”
Defesa
Lula, que indicou Galípolo para a presidência do BC, por ora, tem elogiado o trabalho do economista. Após o anúncio do aumento dos juros, o presidente disse que “não esperava milagres” no início de uma nova gestão.
“O presidente do Banco Central não pode dar 'cavalo de pau' num mar revolto de uma hora para outra”, ilustrou. Segundo ele, a alta “já estava demarcada pela gestão anterior do BC”, e o indicado do governo fez o que era preciso fazer.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foi perguntado nesta terça-feira (4) sobre a suposta falta de esforço do governo em controlar gastos. Respondeu que, no final do ano passado, o governo propôs e conseguiu aprovar no Congresso um corte de despesas de R$ 30 bilhões.
Disse que espera que o BC, na gestão Galípolo, consiga definir um plano para redução da taxa básica de juros com “racionalidade”. Lembrou que o dólar recuou nos últimos dias, o que tende a facilitar a queda da inflação.
Edição: Martina Medina