Livro

Pedagogia anticapitalista para uma prática ecorrevolucionária

Nova obra do educador Henrique Tahan Novaes apresenta ideias sobre agroecologia, ecossocialismo e pedagogia socialista

São Paulo (SP) |
Novas formas de produção agrícola que reconciliem a humanidade com a terra são vistas como necessárias, com base na autogestão e na cooperação humana - Foto: Divulgação/MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o maior movimento de massa do mundo em prol da reforma agrária. Ele tem sua base na ocupação de milhares de latifúndios e tornou-se famoso em todo o mundo por sua luta contra a injustiça social e a destruição ecológica. Os movimentos de massa históricos que visam à mudança revolucionária, se tiverem algum grau de sucesso, inevitavelmente se tornam foco de novas ideias revolucionárias. No caso do MST, ele combinou a luta por justiça social e reforma do meio rural no Brasil com uma crítica à destruição capitalista do meio ambiente, tornando-se um laboratório de agroecologia e ecossocialismo, confrontando diretamente a era da crise ecológica no Brasil e no mundo em geral.

A educação ambiental anticapitalista: produção destrutiva, trabalho associado e agroecologia (Boitempo,2025) foi escrito por Henrique Tahan Novaes, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, que realizou estudos sobre ciência e tecnologia, agroecologia, pedagogia socialista e ecossocialismo. É autor, também, do importante estudo Mundo do trabalho associado e embriões de educação para além do capital (Lutas Anticapital, 2018), traduzido para o inglês em 2024 pela Palgrave.

O extraordinário poder deste novo livro deriva de sua capacidade de combinar as ideias mais importantes sobre agroecologia, ecossocialismo e pedagogia socialista no Brasil e no mundo, juntamente com as práticas de movimentos sociais concretos voltados para a constituição da sociedade em geral, em especial do MST. Trata-se, portanto, uma tentativa de explorar tanto a teoria quanto a prática ecorrevolucionárias. A síntese resultante é única em sua fundamentação na luta pela própria terra, combinada com uma visão ampla da mudança ecológica e social revolucionária.

Um ponto forte é seu foco nas novas formas revolucionárias de cooperação e autogestão dos trabalhadores introduzidas no meio rural pelo MST, adaptadas em parte da experiência cubana. O MST combina uma estratégia de base socialista com uma perspectiva anti-imperialista dirigida contra o modelo ecológico e social destrutivo promovido pelo agronegócio multinacional. Novas formas de produção agrícola que reconciliem a humanidade com a terra são vistas como necessárias, com base na autogestão e na cooperação humana. Isso existe no trabalho das escolas agroecológicas, inspiradas em pensadores como Miguel Altieri.

O legado do educador brasileiro Paulo Freire é reconhecido em todo o mundo como base para a pedagogia socialista. O reconhecimento da necessidade de expansão contínua da pedagogia socialista como parte do processo ecológico revolucionário levou à tradução do trabalho dos primeiros intelectuais soviéticos pela editora do MST, Expressão Popular, com foco na “construção da pedagogia socialista”, particularmente as investigações sobre educação de Nadiéjda Krúpskaia.

“O rio que divide as pedagogias do capital e as pedagogias do trabalho”, escreve o autor, é a chave para travar a luta de classes ecológica. Em um lado do rio estão as pedagogias de deseducação utilizadas atualmente pelo capital. Em oposição a elas estão as pedagogias de emancipação promovidas pelo trabalho social.

Uma parte importante deste livro é o foco nas contribuições de Michael Löwy e István Mészáros para a transição ecossocialista. O compromisso profundo e inspirador de Löwy com o ecossocialismo é discutido aqui, juntamente com o tratamento dado por Mészáros à alienação da natureza, com base em Marx. Mészáros vê a ênfase na produção planejada pelos produtores associados como a única resposta à destruição da reprodução sociometabólica pelo capitalismo.

Novaes escreve no capítulo 9 que “O sociometabolismo do capital só está produzindo barbárie. Estamos vivendo a era da barbárie, era de destruição caracterizada por uma regressão histórica profunda. Nunca antes na história da humanidade a precarização do trabalho, a multiplicação de desastres ambientais, a fome, a miséria e o analfabetismo funcional atingiram o nível atual”.

Um elemento fundamental para combater isso, argumenta, é o desenvolvimento da “teoria revolucionária”, já que “os trabalhadores sabem o que não querem, mas ainda não sabem muito bem para onde ir”. O principal mérito do livro é reunir uma compreensão da atual crise social, econômica e, acima de tudo, ecológica, com um reconhecimento agudo do que pode ser feito em termos concretos, incluindo algumas das principais formas de organização com as quais isso pode se realizar. É aqui, no projeto anti-imperialista e ecorrevolucionário, que a humanidade deve dar seu salto. Hic Rhodus, hic saltus! (Aqui está Rhodes, saltem aqui!)

A educação ambiental anticapitalista: produção destrutiva, trabalho associativo e agroecologia, nova obra do educador Henrique Tahan Novaes, apresenta as ideias mais importantes sobre agroecologia, produção associada, ecossocialismo e pedagogia socialista no Brasil e no mundo, juntamente com práticas de movimentos sociais, enfatizando o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

Com uma visão abrangente, Novaes explora diferentes práticas ecorrevolucionárias, aborda os cercamentos de terra ocorridos ao longo do século XX e XXI, traz como referência autores importantes como Karl Marx e István Mészáros e entrelaça a importância da educação agroecológica em um processo de transformação da sociedade: “A síntese resultante é única em sua fundamentação na luta pela própria terra, combinada com uma visão ampla da mudança ecológica e social revolucionária”, escreve John Bellamy Foster no prefácio da obra.

“A partir dos ensinamentos de István Mészáros, temos tentado teorizar uma alternativa radical e abrangente, para além do capital, baseada na democracia dos conselhos e na educação revolucionária, que ele chama de ‘educação para além do capital’. Essa teoria emerge de experiências históricas clássicas e mais recentes, como parte da compreensão do mundo do trabalho associado e das experiências educativas dos movimentos sociais recentes e históricos: suas conquistas, contradições e limites, tendo em vista a construção de uma sociedade dos produtores livremente associados”, aponta Novaes.

“A ‘industrialização da agricultura’ (Karl Marx) no século XX, além de criar um vasto negócio para o capital financeiro, coloca o Estado a serviço da criação das condições gerais de produção e reprodução do agronegócio, dá origem a um grande mercado de agrotóxicos, adubos sintéticos, tratores, implementos agrícolas e sementes transgênicas, bases da revolução verde e da monocultura de exportação de commodities em grandes propriedades. Além disso, subordina os camponeses, que são tragados pelo canto da sereia da revolução verde e acabam endividados, trabalhando para o banco. Por sua vez, o domínio quase absoluto do campo pelo grande capital impossibilita ou dificulta a manutenção ou florescimento de alternativas anticapitalistas no campo e certamente também na cidade. Quando estas tentam se autonomizar, logo são obrigadas a se adaptar ao sociometabolismo do capital, caindo em algo próximo àquilo que Antonio Gramsci conceituou como ‘transformismo’.”
John Bellamy Foster

 

*Este texto foi publicado originalmente no site da Boitempo e trata-se do prefácio do livro A educação ambiental anticapitalista: produção destrutiva, trabalho associado e agroecologia, de Henrique Tahan Novaes.

**John Bellamy Foster é professor de sociologia na Universidade de Oregon e editor da Monthly Review. Um dos mais importantes intelectuais marxistas em atividade, em especial por suas intervenções no debate ecológico, Foster foi entrevistado pela revista Margem Esquerda, n. 42.

 

Edição: Rodrigo Chagas