Negócios à parte

Acordo entre EUA e Venezuela indica reconhecimento sobre eleição de Maduro, dizem analistas

Mas eles ressaltam que Trump é imprevisível; Caracas receberá deportados venezuelanos e liberou 6 estadunidenses

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Richard Grenell é recebido por Nicolás Maduro durante visita à Venezuela, marcando a retomada de conversas formais entre os dois países - Divulgação/Patricia Villegas/X

Na última semana, o governo de Donald Trump enviou Richard Grenell para uma reunião privada com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. A conversa teve como objetivo discutir uma saída para os deportados venezuelanos que estão nos Estados Unidos. Em entrevista nesta terça-feira (4) à TV estadunidense, o enviado especial disse que, além de aceitar receber os deportados, Caracas concordou em enviar aviões comerciais para buscar os venezuelanos.

O acordo entre as partes ainda envolveu a liberação de 6 estadunidenses presos em território venezuelano por participarem de planos para matar tanto o presidente quanto a vice, Delcy Rodriguez. Em comunicado, o governo venezuelano afirmou que os dois estabeleceram o compromisso de fazer uma “agenda zero” para as relações bilaterais entre os dois países. 

Para analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a retomada das relações entre Washington e Caracas é possível, mas depende de uma predisposição principalmente dos estadunidenses para isso. A ex-embaixadora e deputada da Assembleia Nacional, Ilenia Medina, afirma que há a possibilidade de que essa “agenda zero” envolva um recrudescimento das sanções, principalmente aquelas que estão ligadas ao setor petroleiro. 

Para ela, esse movimento não significa que a Casa Branca vai propor a retomada das relações diplomáticas entre os dois países. 

“É possível porque Trump envia sinais trocados e sabe que tem uma grande dificuldade que é o tema energético. Ele vai ter que se desdobrar para resolver a questão envolvendo o petróleo. Ele quis mostrar uma liderança com ameaças, mas enfrenta uma oposição dos latinos, o próprio Petro já demarcou terreno nesse sentido”, disse ao Brasil de Fato

Durante seu primeiro mandato, Trump foi responsável por aumentar as sanções contra a economia venezuelana. Em 2017, o republicano começou a aplicar um bloqueio mais duro contra o setor petroleiro e impediu que Caracas vendesse petróleo no mercado internacional. 

Dois anos depois, a Casa Branca não reconheceu a eleição de Maduro para o segundo mandato e passou a administração dos bens venezuelanos nos EUA para o ex-deputado Juan Guaidó, que havia se autoproclamado presidente venezuelano, mesmo sem ter participado das eleições presidenciais. Para Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, a atual negociação indica uma mudança na postura da Casa Branca para a Venezuela, já que é uma forma de reconhecer o governo de Maduro. 

“A política norte-americana sempre foi caracterizada pela pressão, tanto diplomática como midiática. Isto faz parte do legado de Henry Kissinger [ex-Secretário de Estado dos EUA] e se baseia no pragmatismo estadunidense. Trump sempre desempenhará seu papel de vilão para aparecer na opinião pública como aquele que força os outros. No entanto, eles podem dizer que não reconhecem Maduro, mas as ações dizem o contrário”, afirmou.

Medina concorda com essa leitura. Para ela, o primeiro movimento de Trump é de reconhecimento do governo de Maduro, mas as medidas de Washington a partir disso são imprevisíveis. 

“Trump reconheceu um personagem como Guaidó que não poderia sequer ser eleito deputado. Com base nisso, ele tomou medidas ilegais e o governo venezuelano conseguiu superar as dificuldades econômicas dessa pressão. Depois de construir uma série de ferramentas para seguir resistindo, Maduro pode atuar nesse mesmo sentido, o que por si só coloca outras condições para a Casa Branca. Mas Trump é difícil de prever e vai estudar outros fatores, como a dependência do petróleo venezuelano”, disse.

Negociação e ataques

Richard Grenell disse que, além dos 6 que foram liberados pelo governo venezuelano, ainda há outros 6 estadunidenses presos na Venezuela. Segundo o enviado especial da Casa Branca, se Caracas tem provas de que os planos seriam executados, é preciso investigar e abrir um processo em todos os casos. Ele disse, no entanto, que as informações que a inteligência dos EUA indicam que não há qualquer participação em planos terroristas.

Nove dias depois de assumir o mandato, o presidente dos Estados Unidos derrubou o Status de Proteção Temporal (TPS, na sigla em inglês) para venezuelanos. A medida garantia que os migrantes venezuelanos poderiam morar e trabalhar no país até outubro de 2026. A decisão do republicano deve atingir mais de 600 mil pessoas, que poderão ser deportadas.

Mesmo que veículos internacionais tratem a volta de venezuelanos deportados como uma imposição dos EUA, Medina afirma que o governo venezuelano já tem feito um esforço de acolher venezuelanos que querem voltar ao país. Em 2023, Maduro lançou o programa Retorno à Pátria, que tem como objetivo oferecer apoio logístico aos venezuelanos que estão fora do país em situação de vulnerabilidade e desejam voltar. 

Para ter acesso ao programa, os venezuelanos só precisam se inscrever para receber orientações de como proceder. A ideia é disponibilizar inclusive passagens aereas para os venezuelanos, além de apoio diplomático para esse retorno. 

Segundo Maduro, mais de 1 milhão de venezuelanos voltaram ao país nos últimos anos, em uma onda de retorno que reflete não só o esforço do governo para acolher os migrantes, como também a melhora das condições do próprio país. Medina afirma que, mesmo que grande parte dos venezuelanos que vivem fora sejam opositores, isso não tem impactos políticos significativos. No entanto, haverá um esforço econômico para isso. 

“O governo fez esforço para buscar os venezuelanos que não eram chavistas. Mesmo assim, eles precisam respeitar as instituições e não embarcar em planos de desestabilização. Os que cometeram crimes fora do país voltam e se aplicam às normas daqui. Um desafio são os salários e o uso dos recursos, dos serviços públicos. Vai precisar de um investimento maior, mas é parte da nossa realidade, das medidas coercitivas. O governo terá que lidar com essa situação”, afirmou. 

Para Tamaris, há uma grande dificuldade que as negociações sejam retomadas de uma “agenda zero”, já que as relações entre o governo Trump e Maduro estão sendo iniciadas já com uma pauta importante para os EUA: a migração.

“Uma agenda zero tentaria iniciar uma negociação sem pontos previamente estabelecidos. Neste caso, houve um ponto em cima da mesa que é resultado da retórica de Trump sobre os migrantes. Consequentemente, é óbvio que os EUA, cada vez que negociarem com a Venezuela, terão uma agenda diferente e a Venezuela responderá de acordo com os interesses nacionais. A agenda já está demarcada e é a migração e o petróleo”, afirmou.

Para Medina, no entanto, há uma postura diferente em relação ao governo de Joe Biden e da própria relação que Trump tem adotado com países parceiros, como México, Canadá e o bloco da União Europeia. Enquanto ameaça impor tarifas mais altas para produtos desses países, os EUA estão negociando com os venezuelanos. 

A decisão inclusive movimentou a oposição do país. Se o grupo de extrema direita venezuelano contou com o apoio estadunidense antes, agora, as lideranças publicaram uma carta criticando a decisão de enviar venezuelanos de volta para a Venezuela. Em nota, a coalizão Plataforma Unitária chegou a afirmar que apoia o governo de Donald Trump, mas pede que sejam mantidos o Status de Proteção Temporal (TPS, na sigla em inglês) para os venezuelanos que precisam estar nos EUA em “caráter temporário”.

Os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que essa postura da extrema direita já demonstra, por si só, uma conduta diferente da Casa Branca para a oposição. Para tentar manter a narrativa de que ainda tem apoio internacional, o ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, disse que acompanhou a reunião entre Grenell e Maduro e que mantém comunicação com o enviado especial e o secretário de Estado, Marco Rubio. 

Sinais trocados

Enquanto afirmam construir uma relação nova com os venezuelanos, o próprio governo de Trump mantém um discurso de ataque ao governo de Nicolás Maduro. Nesta terça-feira (4), Rubio disse que Venezuela, Nicarágua e Cuba são “regimes inimigos da humanidade”. A declaração foi dada em uma entrevista coletiva ao lado do presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves. A agenda foi a primeira viagem internacional do secretário de Estado dos EUA, que incluiu visitas ao Panamá e El Salvador. 

Segundo ele, se não fossem esses três países, “não haveria uma crise migratória” no continente. 

O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yván Gil, respondeu. Em nota, disse que Rubio “não consegue dormir sem pensar em Nicarágua, Cuba e Venezuela” e que ele alimenta um “ódio e ressentimento de um burocrata frustrado”. Ele reforçou que os EUA impõem “caos e miséria” no mundo. 

“Os únicos inimigos da humanidade são aqueles que, com a sua máquina de guerra e de abuso, têm semeado o caos e a miséria em meio mundo durante décadas. Mas Cuba, Nicarágua e Venezuela mostraram que não cedem, que não se vendem, que não desistem. E isso é algo que o porta-voz dos fracassados ​​e dos lacaios não pode suportar, porque eles se chocam continuamente contra a dignidade do povo. Você pode continuar com sua obsessão doentia, Sr. Rubio. Continuem latindo, continuaremos aqui, de pé, derrotando suas fantasias como sempre”, disse.

Edição: Rodrigo Durão Coelho