Enquanto a fumaça cobre os céus brasileiros, no ano que sucede o que uma capital de mais de 1 milhão de pessoas ficou praticamente um mês submersa, as respostas da política nunca parecem adequadas à celeridade das demandas. Muitos que não acompanham o noticiário político talvez não tenha percebido, mas acabamos de ter eleição para as Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. E, nessas eleições, esse descompasso ficou evidente.
Dado o nível faraônico de poderes assumidos por Arthur Lira, o sabotador geral da República, então presidente da Câmara, essas eleições ganharam tons dramáticos. Lira, como foi revelado em podcast recente, ascendeu politicamente ao nível nacional enquanto o aliado que ajudou Eduardo Cunha a vencer a família Calheiros na disputa interna pela liderança do MDB na Câmara. O movimento de Cunha, já presidente da Câmara, de implementar emendas impositivas alterou profundamente a relação Legislativo-Executivo. O Congresso agora tem dinheiro para fazer o que quiser sem precisar ser responsabilizado por isso. Lira é uma espécie de fantasma de Eduardo Cunha, arrastando suas correntes no plenário, ecoando o seu golpismo e o seu gangsterismo.
Dada essa gravidade, era de se esperar que tivéssemos um potente enfrentamento, uma disputa epopeica por quem conseguiria tão valiosa cadeira. “Bem capaz”, diriam os gaúchos. Petistas, bolsonaristas e centrãozistas apoiaram os mesmos candidatos, nas duas casas. E, como infelizmente era esperado, os ungidos são políticos amplamente associados ao que há de mais anti-ambiental nesse país: os interesses das mineradoras, do setor energético e do agronegócio.
Hugo Motta (Republicanos-PB) sempre foi o favorito de Arthur Lira para a sucessão. O governo teve de engoli-lo no partido, que é historicamente ligado à Igreja Universal, na Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Rende favores, enquanto membro, à toda-poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). É proprietário de uma empresa agropecuária na cidade de Serraria (PB), que tem como principal atividade a criação de gado. Em 2022, recebeu doação do senador Raimundo Lira, considerado um dos políticos mais ricos do país, e que em 2016 foi o presidente da Comissão Especial de Impeachment, que legitimou o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. A fortuna de Lira, hoje um dos proprietários da Cyrella, poderosa construtora do nordeste brasileiro, advém de sua família administrar negócios como a armazenagem de grãos. Em 2014 obteve volumosas doações de Sandro Mabel, recém-eleito prefeito de Goiânia, multi-milionário dono de vários empreendimentos, inclusive agropecuários. Mabel foi acusado por ter construído sua mansão de forma ambientalmente irregular na beira do Rio Araguaia.
Fora a aguerrida candidatura de Henrique Vieira (PSOL/RJ), nenhuma outra alternativa que havia se apresentado à presidência da Câmara estava alinhado com interesses ambientais. Elmar Nascimento (UNIÃO-BA), que foi cogitado ao cargo, também está na lista dos parlamentares da FPA. Elmar tem sua base política em Campo Formoso, município baiano conhecido pela mineração de ferro e de gemas preciosas, especialmente esmeraldas. As esmeraldas estão no nome da holding que Elmar possui, a Campo Esmeralda Participações. No ano de 2014, quando podíamos averiguar doações por empresas, não surpreende que Elmar tenha recebido doações diretamente da Ferbasa, principal empresa mineradora de sua região.
O nome que o governo antes desejou era o de Antonio Brito (PSD-BA). Além de membro da FPA, ele faz parte da Frente Parlamentar Mista da Mineração Sustentável (FPMin, cujo “sustentável” do nome é um grande engodo, como denuncia o Observatório da Mineração). Sua relação com a mineração é antiga: em 2014, quando ainda era permitida a doação de empresas a candidaturas, recebeu dinheiro da mineradora Braskem, aquela mesma envolvida com o recente afundamento de Maceió. Por falar em Braskem, Brito também apareceu em delações premiadas por suposto recebimento de recursos paralelos da mineradora. Em nenhum momento se cogitou um candidato que não tivesse comprometimento com esses setores, por nenhum dos lados.
E o Senado? Davi Alcolumbre (UNIÃO-AP), que já foi presidente da casa no passado, com forte alinhamento ao bolsonarismo, foi o nome apoiado por todos os setores da política brasileira representados na câmara alta. Suas relações tipicamente antiambientais foram desveladas em matéria do Intercept, que demonstrou que a família de Alcolumbre enriqueceu às custas da grilagem de terras públicas. O senador possui um perigoso alinhamento com setores do governo: é um forte militante pela exploração de petróleo na margem equatorial, em território de seu estado, que põe em risco a sobrevivência do Rio Amazonas e, consequentemente, da vida humana.
A proximidade de Alcolumbre com o setor de petróleo e combustível não é nova. Na sua primeira candidatura para Deputado Federal, em 2006, recebeu doações de concessionárias de automóveis e de uma grande transportadora fluvial, sediada no Rio de Janeiro. Em 2010, quando enfim consegue ser alçado ao cargo, recebeu R$ 30.000,00 da distribuidora de combustíveis José Moura & Cia. A família Alcolumbre intermediou, em 2023, uma reunião com a prefeitura de Macaé/RJ (município produtor de petróleo) com a presença da José Moura e de outros empresários do Amapá.
Como é possível notar, os nomes alçados aos cargos máximos nas câmaras baixa e alta estão amplamente associados a setores destrutivos quanto ao meio ambiente. É muito difícil imaginar que deles sairão respostas legislativas contundentes para a situação em que vivemos. A resposta de muitos a esse fato, certamente, seria a de invocar certo conformismo (disfarçado de realismo): “Quem vocês queriam? Um ecossocialista radical para presidir a Câmara? Nunca vai acontecer!”. Quando estes interlocutores são confrontados com o fato, cada vez mais inegável, da urgência da questão ambiental, a resposta é cínica “Pois é, é impossível. Vamos todos morrer.”. A retórica do pragmático se converte em retórica do suicida.
A verdade é que o tipo de cálculo político da institucionalidade não está contemplando a continuidade da nossa existência. É isso que está em jogo. É preciso pensar no agora com os olhos ao futuro, para que haja um.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
**Mateus de Albuquerque é doutor em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Representação e Legitimidade Democrática (INCT/ReDem)