Voo de galinha?

Indústria tem 3º maior crescimento em 15 anos, mas recua no final de 2024 devido a juros altos

IBGE indica que produção industrial cresceu 3,1% em 2024, mesmo com encolhimento no último trimestre do ano

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Produção de máquinas e equipamentos liderou crescimento da indústria em 2024, mas caiu no final do ano - Agência Estadual de Notícias

A produção industrial brasileira cresceu 3,1% em 2024, a terceira maior expansão registrada nos últimos 15 anos. O resultado positivo só não foi melhor porque, no último trimestre do ano passado, o valor produzido caiu impactado pelo aumento da taxa básica de juros, a Selic, sinalizando uma queda na atividade em 2025.

O desempenho da indústria em 2024 foi divulgado nesta quarta-feira (5) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o órgão, a produção industrial recuou 0,3% em dezembro de 2024. Em novembro, já havia caído 0,7% e, em outubro, 0,2%.

"Essa perda de dinamismo da indústria guarda uma relação com a redução nos níveis de confiança das famílias e dos empresários, explicada, em grande parte, pelo aperto na política monetária, com o aumento das taxas de juros a partir de setembro de 2024", explicou André Macedo, gerente da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE.

Em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (IBGE) elevou a Selic de 10,5% para 10,75% ao ano, após quase dois anos sem aumentos. Hoje, a Selic já está em 13,25% ao ano. Deve chegar a 14,25% ao ano em março.

A Selic mais alta torna empréstimos e financiamentos mais caros. Isso causa adiamentos de decisões de compra ou investimentos, impactando na produção industrial.

Só em dezembro, a produção de máquinas e equipamentos – setor que serve de termômetro para investimentos – recuou 3%.

"É um setor que depende de muito financiamento, porque as máquinas são de alto valor. A alta da Selic tem grande impacto", explicou o gerente de Análise Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, sobre a queda da produção industrial de máquinas.

Ano positivo

Apesar disso, o ano de 2024 foi positivo para a indústria. Desde 2009, a produção industrial só cresceu mais do que no ano passado em 2010 e 2021 – ano pós-pandemia.

A produção de veículos automotores cresceu 12,5%, de eletrônicos, 14,7%, e de máquinas e materiais elétricos, 12,2%. "O crescimento do setor industrial em 2024 pode ser entendido a partir de alguns fatores, como o maior número de pessoas incorporadas pelo mercado de trabalho, a queda na taxa de desocupação, aumento na massa de salários e o incremento no consumo das famílias, beneficiado pelos estímulos fiscais, maior renda e a evolução na concessão do crédito", acrescentou Macedo.

De acordo com Luís Carlos Bresciani, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), as ações do programa federal Nova Indústria Brasil (NIB) ajudaram no desempenho.

Segundo ele, a indústria nacional cresceu mais do que a de outros países e gerou 280 mil postos de trabalho formais no país – 17% do total de vagas com carteira assinada.

Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), destacou o crescimento anual da produção de bens de capital – novamente, de produtos estratégicos para o aumento do crescimento da economia do país – de 13,7%.

"O crescimento de bens de capital é a melhor notícia que uma economia pode ter, afinal de contas é sinal de investimentos. Mas o setor também contraiu em dezembro por conta do aumento dos juros", disse.

"O resultado é bom, sem dúvida nenhuma", ratificou o economista Weslley Cantelmo, presidente do Instituto Economias e Planejamento.

2025 nebuloso

Cantelmo disse que o crescimento de 2024 não tende a se repetir em 2025. Segundo ele, com a alta de juros, o empresário do ramo industrial tende a produzir menos porque sabe que a população tende a consumir menos. Também deve investir menos, já que o rendimento de uma aplicação tende a ser maior do que o investimento real.

"Para que o empresário vai investir sendo que, no curto prazo, pode ganhar investindo em dívida pública? Essa avaliação é sempre feita", explicou Cantelmo. "Por isso o juros é ruim. Ele aumenta para reter a inflação, mas afeta o sistema econômico inteiro."

"A tendência atual é preocupante. A indústria vem desacelerando", acrescentou a economista Juliane Furno, professora de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). "A desaceleração tem um componente cíclico, mas está relacionada a uma desaceleração geral da economia brasileira."

Bresciani, do Dieese, disse que a desaceleração preocupa porque significa perda de empregos e de receita para as cidades e estados.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estima que a produção industrial cresça 1,3% em 2025. Isso é menos da metade do verificado em 2024.

CNI quer pacto

Azevedo, da CNI, disse que o Brasil precisa de um "pacto" para redução dos juros para benefício da indústria e da economia como um todo. Segundo ele, não há política industrial que funcione com a Selic tão alta, e subindo.

Ele afirmou que essa alta está, em parte, ligada a expectativas exageradamente negativas sobre as contas públicas e o dólar. Ele lembrou que o governo cumpriu suas metas fiscais e a cotação do dólar já recuou. Não há, portanto, justificativa para tamanho pessimismo.

"Há espaço para uma queda dos juros. Mas as projeções apontam para mais uma alta", reclamou. "Entendemos que há questões fiscais que o governo precisa endereçar, mas as expectativas dos agentes estão exageradas."

Conforme o Brasil de Fato mostrou, o Copom usou expectativas do mercado sobre inflação para justificar o aumento dos juros. Essas expectativas tiveram uma mudança brusca na semana na reunião do órgão e tiveram uma piora injustificada, segundo economistas.

Edição: Nicolau Soares