VIOLÊNCIA POLICIAL

Organizações farão ato em Brasília durante julgamento da 'ADPF das Favelas'; entenda o que está em jogo

STF vai retornar o julgamento da ação, protocolada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Rio de Janeiro teve 871 mortes em decorrência de ação policial em 2023 - Carl de Souza/AFP

Com a retomada do julgamento da chamada "ADPF das Favelas", na sessão desta quarta-feira (5) no Supremo Tribunal Federal (STF), movimentos sociais e organizações da sociedade civil convocaram uma mobilização em frente à sede da corte. O ato está marcado para as 14h horas, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, mesmo horário do início do julgamento.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, foi movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e questiona as ações policiais realizadas no estado do Rio de Janeiro, sobretudo em áreas próximas a escolas e outros equipamentos públicos.  

Em suas redes sociais, a organização Justiça Global, uma das que convocaram o ato desta quarta, afirmou que a "'ADPF das Favelas' oferece uma oportunidade única para o Brasil confrontar sua histórica herança escravocrata, racista e militarista, que permeia as práticas policiais”.

“Os parâmetros definidos a partir deste julgamento podem se tornar balizas importantes não apenas para a política de segurança implementada pelo estado do Rio de Janeiro, mas também em outras partes do país”, publicou. 

Outra organização envolvida na convocatória do ato, o Instituto Marielle Franco, também usou suas redes sociais para convocar para a mobilização. “Essa decisão pode determinar se seguimos com a lógica de guerra aos territórios periféricos ou avançamos para um modelo que priorize a vida e os direitos humanos”. 

A ADPF das Favelas foi protocolada no Supremo em novembro de 2019 e pede que o STF reconheça que existe um estado de violação de direitos previstos na Constituição durante as ações de segurança pública do estado. A mesma ADPF resultou em decisões individuais do ministro relator, Edson Fachin, proibindo a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia. O magistrado também solicitou informações ao governo do Rio, que nega haver um "estado de violação de direitos". 

Em entrevista ao Brasil de Fato, o advogado criminalista e diretor da plataforma Justa, Cristiano Maronna, esclareceu o que está em jogo no julgamento de hoje. “O que se busca é criar parâmetros compatíveis com a Constituição a respeito de operações policiais realizadas em comunidades pobres e que se caracterizam por altíssima letalidade e com indícios de uso abusivo da força letal por parte do Estado”, afirmou. 

O criminalista afirma que no país, tratou-se de naturalizar a violação de direitos sob o argumento de combate ao crime, criando uma polícia sem controle e autorizada a matar. E criticou os defensores da política de segurança atual.   

“Hoje, no Brasil, a letalidade policial é tratada como uma política pública para enfrentar uma criminalidade. Ou seja, uma polícia sem controle, que tem carta branca para matar, e que tem matado mais que nunca", diz. "Apesar de ser uma polícia que, do ponto de vista das evidências, demonstra um fracasso absoluto dessa política de segurança, esse discurso não apenas ignora esse fracasso como reclama mais intensidade no combate ao crime e mais imunidade aos policiais", destaca o advogado. 

Na sessão desta quarta, os magistrados vão ouvir as partes envolvidas no caso. Tanto o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), como o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PSD), são críticos da medida. A possibilidade de algum ministro apresentar pedido de vista não está descartada. Dessa forma, o julgamento ficaria suspenso por pelo menos 90 dias, segundo o regimento do STF.  

Caso a maioria dos magistrados decida por acolher os argumentos da parte autora da ação, os ministros podem discutir a implementação de uma meta anual para redução da letalidade policial no Rio de Janeiro, além de determinar o acompanhamento psicológico obrigatório para policiais envolvidos em mortes durante operações, estabelecer protocolos específicos para operações próximas a escolas e unidades de saúde, além de garantir autonomia técnica e funcional à polícia científica. 

Também está previsto no relatório da ação a criação de indicadores para avaliar o atendimento pré-hospitalar realizado por policiais, a participação de familiares das vítimas nas investigações criminais, a divulgação de dados sobre mortes decorrentes de intervenções policiais e a criação de uma comissão para monitorar as medidas determinadas pelo STF. 

Letalidade policial 

Um estudo apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em outubro afirma que as mortes decorrentes de intervenção policial no Rio de Janeiro foram de 1.814 em 2019 para 871 em 2023, o que representou uma queda de 52%. Ainda assim, a organização recomenda que o estado crie políticas para a redução da letalidade policial em 66% para chegar a níveis aceitáveis em uma democracia ou pelo menos próximos da média nacional, que é 3,1 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. A taxa de mortalidade nas operações no Rio foi de 5,4 mortes por 100 mil em 2023. 

Sobre o perfil das vítimas, 99,6% eram do sexo masculino, 54,5% tinham entre 12 e 24 anos e o número de pessoas negras mortas foi 6,4 vezes maior ao de pessoas brancas. 

Edição: Nathallia Fonseca