As recentes medidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação a produtos importados de outros países acendem um alerta para o Brasil. Isso porque o país pode sentir impactos futuros positivos ou negativos diante da guerra comercial imposta pelo republicano.
Inicialmente, Trump ameaçou impor tarifas em produtos vindos de Canadá, México e China, mas depois adiou o tarifaço contra os países vizinhos, mantendo a guerra comercial, por enquanto, apenas com a China. Trump impôs tarifa de 10% ao país asiático por supostamente não conter o fluxo ilegal de migrantes e drogas aos Estados Unidos. Houve reação, com a China impondo taxação de 15% para carvão e Gás Natural Liquefeito (GNL) e 10% para petróleo bruto, equipamentos agrícolas e alguns automóveis importados do país norte-americano.
Segundo Fernando Brancoli, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Trump tem consciência de que a guerra tarifária pode prejudicar os próprios Estados Unidos, mas há algo maior por trás.
"Me parece que o grande ponto do Trump diz respeito a movimentações mais performáticas. O que eu quero dizer com isso? Apesar dessas tarifas poderem, sim, gerar a médio prazo aumento de inflação ou mesmo a queda do total emprego nos Estados Unidos, ele está argumentando que essas tarifas servem para punir, por exemplo, países que estariam se beneficiando em demasia dos Estados Unidos - [aí] estaria garantindo que empresas voltem a construir fábricas nos EUA, então tem uma jogada um pouco dupla aqui", argumenta o professor.
"Pode, sim, prejudicar os Estados Unidos, mas de uma maneira se articula e se coloca dentro de movimentações mais explícitas de proteção a esse tipo de ponto. Agora, a médio prazo também, quem vai mais sofrer obviamente são países mais fracos, países que têm menos capacidade de atuação. Então, dentro dessa escala aqui, o México, ou mesmo o Canadá e países pelo globo podem sofrer com essas tarifas de maneira mais potente."
Brasil no meio da guerra tarifária
Dentro desse contexto, Brancoli explica que Trump ainda tem sido "até tranquilo" com as tarifas impostas aos chineses. E mais ameaçador com nações mais próximas. Ele conta também que o Brasil pode ganhar ou perder muito no meio dessa nova política de tarifas.
"Por incrível que pareça, Trump tem sido muito mais agressivo com países e regiões a princípio que seriam aliados norte-americanos, como a União Europeia, o México e o Canadá, apesar de ele ter voltado atrás nas promessas de tarifa contra o México e o Canadá. Mas a China, a princípio, foram aumentos de 10% de tarifa e a resposta chinesa também foi um pouco localizada. Me parece que ele está testando, tentando entender mais ou menos até que ponto ele pode se movimentar", explica o especialista.
No caso brasileiro, o professor da UFRJ observa duas maneiras de olhar esse tipo de movimento. "Por um lado, há o argumento de que o Brasil pode se beneficiar em alguma medida dessa guerra tarifária, quando, por exemplo, o petróleo norte-americano ficar mais caro para os chineses, e eles, de alguma maneira, tentem se circunvir a esse tipo de lógica com o petróleo brasileiro ou com produtos brasileiros."
"Mas tem uma outra linha que diz que o Brasil normalmente se beneficia com o cenário internacional mais tranquilo, com cenário sem guerras tarifárias, sem grandes questões, porque o Brasil pode sofrer, como a gente bem acompanha, ao longo dos últimos meses, por exemplo, com o aumento de preço de commodities fazendo com que alimentos aumentem no mundo inteiro. Inclusive o Brasil, de alguma maneira, pode se ver num fogo cruzado dessas disputas. A gente vai precisar acompanhar ao longo dos próximos meses. Um mundo muito mais caótico, muito mais complicado [pode] acabar nos arrastando aí, aumentando taxas de juros, aumentando a inflação e, obviamente, impactando a vida da população", diz, sobre as possibilidades.
Ideias e declarações estapafúrdias de propósito
Brancoli pontua que é preciso entender, baseando-se inclusive nos livros escritos pelo presidente dos Estados Unidos, que as declarações mais absurdas dele normalmente são propositais e que não devem ser levadas tão a sério. Haveria outras estratégias.
"Durante muito tempo, a gente, para entender relações internacionais, ganha manuais de relações internacionais. Hoje em dia a gente tem que ler os livros que o Trump escreveu sobre negócios e coisas parecidas. E ele dizia que a melhor maneira de fazer negócio é você tacar ou lançar os seus objetivos para estratosfera, fazendo pedidos esquisitos, bizarros, que ninguém aceitaria de maneira clara, para depois tentar reduzir e colocar num patamar mais específico. É o que a gente no Brasil chamaria de colocar o bode na sala e depois que você tira ele para negociação, as coisas, os antigos problemas ficam um pouco menos complicadas."
"Dentro dessa lógica, a gente imagina que essas declarações, que muitas vezes soam estapafúrdias por parte do Trump, como invadir o canal do Panamá, comprar a Groenlândia da Dinamarca, servem muito mais para colocar um parâmetro de debate, de negociação, do que efetivamente imaginar o que ele pode fazer. Então, a princípio, a gente imagina que ele não vai comprar a Groenlândia ou invadir a Groenlândia, mas ele vai criando parâmetros tão esquisitos e tão peculiares que quando ele, por exemplo, tentar negociar, que é o que se indica hoje em dia, um acordo militar com a Dinamarca, os termos vão ser outros", esclarece.
"Mas é claro que, em meio a essa questão, a gente está falando do presidente da maior potência militar do mundo. E dentro dessa lógica, pode, sim, gerar uma repercussão gigante. A gente acompanha o mercado, os países pelo mundo reagindo de maneira bastante preocupada nesse tipo de movimentação."
Ele também comentou a declaração do estadunidense sobre os Estados Unidos tomarem o controle da Faixa de Gaza. "De novo, a gente tem que acompanhar que Trump é especialista em fazer declarações estapafúrdias e muitas vezes voltar atrás."
A entrevista completa está disponível na edição desta quarta-feira (5) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.
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Edição: Martina Medina
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