A ideia expressa pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tomar o controle da Faixa de Gaza, "não vai acontecer", enfatizou ao Brasil de Fato a advogada palestina Rula Shadeed, presidente do Instituto Palestino de Diplomacia Pública (PIPD na sigla em inglês), instituição da sociedade civil palestina com sede em Ramallah. As declarações foram feitas nesta quarta-feira (5), um dia após o pronunciamento de Trump.
"Os EUA e Israel estão muito enganados em pensar que os palestinos não reivindicarão seus direitos, em pensar que podemos ser marginalizados. É muito importante continuar lembrando que, apesar da arrogância que esses estados estão mostrando em relação à existência dessas pessoas que lutam por suas terras, a proposta que Trump anunciou em sua coletiva de imprensa não vai acontecer", disse ela.
Mesmo que Trump consiga passar pela legislação vigente em seu país para aprovar uma intervenção estadunidense na Faixa de Gaza, Shadeed ressalta que essa medida não terá amparo no sistema jurídico internacional.
"A lei internacional é muito clara sobre a agressão e a manutenção de território por meio da ocupação ilegal, e é exatamente a isso que o presidente Trump estava se referindo. Portanto, independentemente das leis internas, as leis internacionais sempre prevalecem. É claro que os tribunais internacionais aplicarão o direito internacional, especificamente o direito internacional consuetudinário, que é definitivamente uma jurisdição superior e deve prevalecer."
A proposta de interferência dos EUA na Faixa de Gaza enfrenta forte resistência no Oriente Médio. Antes do anúncio de terça-feira, Trump já havia sugerido o deslocamento em massa de palestinos e citou o Egito e a Jordânia como possíveis destinos.
Mas ambos os países árabes rejeitaram qualquer reassentamento da população de Gaza, com o ministro das Relações Exteriores do Egito, Badr Abdelatty, pedindo nesta quarta-feira uma rápida reconstrução “sem que os palestinos saiam”. O Ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, também se manifestou dizendo que deslocar os palestinos era algo que “nem nós, nem a região, podemos aceitar”.
"O Egito e a Jordânia não aceitarão isso. A atrocidade não se deve apenas aos direitos do povo palestino e ao direito à autodeterminação, mas também por causa de interesses locais e nacionais. Nenhum outro país gostaria de ser responsável por receber milhões de pessoas que precisam de serviços e precisam de todo tipo de cuidados, e isso é algo com o qual os próprios palestinos não concordariam", aponta Shadeed.
Para os palestinos, qualquer tentativa de forçá-los a sair de Gaza evoca lembranças sombrias do que o mundo árabe chama de “Nakba”, ou catástrofe - o deslocamento em massa dos palestinos durante a criação de Israel em 1948.
Mesmo que os Estados Unidos tenham influência e domínio entre os países, a advogada do PIPD destaca que a autodeterminação e a luta pela libertação da Palestina são princípios muito importantes para a população da Faixa de Gaza, que resistirá a qualquer iniciativa nesse sentido.
"É por isso que o dia 7 de outubro realmente aconteceu, é um exercício do direito à autodeterminação e à libertação exercido pelo povo palestino, das atrocidades que eles têm enfrentado nos últimos 76 anos. E isso não se aplica apenas a Gaza, mas também à toda Palestina histórica, ocupada em 1948, com o apoio dos Estados Unidos."
Para que Gaza seja reconstruída pelos palestinos, sem a intervenção dos EUA ou de Israel, Shadeed aponta como fundamental o apoio internacional contra "tentativas de sequestro" do direito da população palestina "construir seu próprio país que foi e continua a ser destruído pelos israelenses".
"Ouvimos o discurso de Trump, onde ele disse que Gaza é inabitável, mas ele não menciona por que ela foi destruída da forma que nós vimos e experimentamos. Este é o problema, quando deixamos de abordar as causas profundas da situação na Palestina, que é um projeto colonial, é quando sempre falharemos."
Edição: Leandro Melito