O governo da Venezuela anunciou que o montante de US$ 10 mil (R$ 61 mil aproximadamente) para os projetos escolhidos nas consultas populares das comunas será liberado a partir desta quarta-feira (5). Em discurso, o presidente Nicolás Maduro disse também que, em Caracas, os projetos que ficaram em segundo lugar nas votações também serão contemplados.
As comunas são uma forma de organização social baseada na autogestão e diálogo permanente com o Estado. Elas têm prioridade na transferência de recursos e não precisam ficar restritas a um Estado ou município, ou seja: uma mesma comuna pode abranger mais de uma cidade.
Maduro usou o discurso nesta quarta para propor uma data para a segunda consulta comunal. A ideia é que a votação seja realizada junto com a eleição de governadores, prefeitos e deputados, em 27 de abril. A consulta realizada no último domingo (2) teve uma participação que surpreendeu o governo.
Um dos exemplos foi a Comuna 5 de Março. Desde às 8h, comuneros formavam longas filas ao redor da escola José Avalos, no bairro de El Valle, para escolher um projeto que melhoraria as condições da comuna. Com 15 anos de organização, o espaço reúne uma das maiores comunas do país e foi palco para um centro de votação lotado de pessoas que participaram da quarta consulta popular de comunas na Venezuela.
Os comuneros dessa zona votaram para escolher um dos 7 projetos: compra de caixas d'água, de cilindro de gás, reparação de casas com infiltração, substituição de tetos para moradias, construção de uma casa comunal multifuncional, de uma casa de albergue para animais abandonados ou de muros de contenção. Ao todo, 3.706 pessoas eram esperadas para votar somente nessa comuna.
A participação massiva na primeira consulta do ano ocoreu também em outras comunas. Em todo o país, a votação envolveu 5.334 circuitos comunais que escolheram projetos que receberão US$ 10 mil cada para serem finalizados. O objetivo do governo é que sejam projetos de rápida execução e o sucesso das últimas consultas mobilizou ainda mais a participação nesta primeira votação do ano.
Segundo a comissão eleitoral das comunas, a participação superou as expectativas nas províncias de Zulia, Mérida, Caracas e Anzoátegui. O governo atribui isso aos resultados conquistados nas últimas consultas, que tiveram a maior parte dos projetos finalizados.
Os comuneros também avaliam dessa forma. Mesmo com problemas estruturais que ainda precisam de solução, os projetos que foram escolhidos nas últimas consultas já mostraram resultado e mudaram o cenário do pleito deste domingo. Eudi Messias é inspetor escolar e morador da comuna 5 de março. Para ele, os resultados das últimas consultas são perceptíveis. As comunas já estão tendo uma experiência da transferência direta de recursos e Messias afirma que, agora, é preciso melhorar a administração do dinheiro usado para os projetos.
“É preciso fazer uma boa administração dos projetos. Não se pode fazer um orçamento e ver se está de acordo com os 10 mil dólares, se passa, se está menor. É preciso administrar esse orçamento com base no que dará. Mas eu vejo que construíram bastante, arrumaram as calçadas. Eu vivo em um prédio aqui atrás e se ajustou tudo, desde a calçada até uma reparação nas escolas”, disse ao Brasil de Fato.
O montante de US$ 10 mil para os projetos, no entanto, foi um dos pontos indicados pelos comuneros que, entendem que ainda é insuficiente para a resolução da maioria das questões que as comunas demandam.
Gloria Valderrama é comerciante e afirma que o valor para investimentos “é muito baixo”, mas que a participação popular é importante porque coloca “um grão de areia” na construção de um novo modelo de gestão. Ela reforça que os resultados das últimas edições das consultas motivou os comuneros que começaram a ver possibilidades concretas para a solução dos problemas.
“O valor é muito baixo, mas precisamos estar aqui e colocar esse grão de areia. Os resultados das últimas consultas são nítidos. Agora, o trabalho que estamos fazendo juntos, unidos, está ficando muito bom. Haviam muitos buracos nas ruas, era terrível. Depois da última consulta, conseguimos ajustar isso, por exemplo”, afirmou ao Brasil de Fato.
A expectativa dos comuneros é de que esse valor aumente para as próximas edições. Franklin Britto Cabello é educador social e espera que esses investimentos aumentem à medida que o governo tenha um aumento de receitas, principalmente da venda do petróleo com licitações. Ele afirma também que é fundamental pensar em projetos que não sejam só voltados à infraestrutura.
“Esperamos que seja algo que começa como uma semente e a ideia é que esse valor suba, não que abaixe. Amanhã vai passar a ser 20 mil, 50 mil, tudo isso proporcional a capacidade de receitas que o país tem. Há alguns projetos grandes que estão focados em que a comunidade se empodere e se capacite. Porque não são só projetos de infraestrutura, reparar um teto, por exemplo, estamos trabalhando para que se criem unidades de produção locais que empoderem com esses recursos e sejam capazes de multiplicar esses mesmos 10 mil dólares”, afirmou ao Brasil de Fato.
Aprofundar a democracia
O governo venezuelano entende que a consulta em torno da definição de prioridades de cada território é uma forma de reforçar a democracia venezuelana. O movimento é entendido como não só uma alocação eficiente dos recursos, mas também transferência de poder para a população.
Além das 4 consultas, a meta do governo é realizar outras 6 eleições só neste ano, incluindo escolha de governadores, deputados e prefeitos. Todo esse contexto de mobilização também é indicado pelos comuneros como um ponto de inflexão para a política venezuelana, que passa a ter uma participação ativa da população para a tomada de decisões.
Jose Villa é integrante da comuna 5 de março e indica que essa mudança de rumos na política venezuelana coloca uma contranarrativa para governos que constroem a ideia de que a Venezuela não tem uma democracia.
“A nível mundial se constrói a ideia de que a Venezuela é um país que não tem democracia, que vive na ditadura. Este ato que estamos realizando e que vem posteriormente demonstra que esse é um país plenamente democrático, no qual as instituições e o povo que escolhem e decidem. E isso fortalece a democracia porque tem uma participação massiva. Essa consulta não é algo de cima pra baixo, é de baixo pra cima. Esse é o empoderamento do poder popular”, afirmou ao Brasil de Fato.
Nessa consulta, foram inscritos 36.685 projetos, que têm como temáticas principais a questão da água, meio ambiente, infraestrutura viária, eletricidade, educação, saúde e esporte. No entanto, os comuneros afirmam também que é importante que sejam discutidos projetos de capacitação.
Franklin Britto Cabello também entende que o bloqueio imposto pelos Estados Unidos prejudica a capacidade de investimento do governo que, mesmo com um PIB muito abaixo do ideal, tem conseguido se reinventar e criar programas para a população.
“Há alguns projetos grandes e alguns deles estão focados em que a comunidade se empodere e se capacite. Estamos trabalhando para que se criem unidades de produção locais que empoderem com esses recursos e sejam capazes de multiplicar os recursos. Isso é importante, mas também passa pela capacitação. Se com as mãos atadas estamos fazendo, imagine com as mãos abertas e com o pensamento e a capacidade do coração”, disse.
Edição: Rodrigo Durão Coelho