O cenário foi invertido e, agora, os alimentos saudáveis são mais caros que os não saudáveis
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta queda no consumo de frutas e hortaliças no Brasil e relaciona a mudança de comportamento na dieta da população a fatores econômicos e políticos.
De acordo com a pesquisa, houve um período de crescimento da presença desses alimentos na mesa das famílias brasileiras entre 2008 e 2014. No entanto, a partir de 2015 e até 2023, os hábitos alimentares nacionais demonstraram mudanças.
O levantamento observa que os anos em que foi notado aumento no consumo desses itens coincidem com um período de políticas econômicas, sociais e de saúde mais favoráveis.
Entre os fatores positivos estão, além do crescimento econômico, a criação e o fortalecimento de programas sociais de transferência de renda e ações de apoio à agricultura familiar e à atenção nutricional na saúde básica.
Na lista de políticas citadas pela pesquisa como potencializadoras de uma dieta mais saudável aparecem o Bolsa Família, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
Por outro lado, uma complexa interação de mudanças em anos mais recentes parece ser a responsável pela mudança do cenário, notada entre 2015 e 2023. Isso inclui o enfraquecimento de políticas, a crise econômica e a diminuição da participação social.
“Os anos recentes têm sido caracterizados por instabilidade política e o agravamento da crise econômica, exacerbados por ajustes fiscais que diminuíram os gastos do Estado, especialmente nos setores de saúde e social”, alerta o estudo.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, a pesquisadora em nutrição e saúde e principal autora do estudo, Izabella Veiga, afirma que o cenário prejudica principalmente a população de baixa renda, levada cada vez mais deixar de consumir alimentos in natura por causa do preço.
"Começamos a ligar com o cenário econômico e a pensar em crise e instabilidade política e econômica. Tudo isso se reflete na saúde da população, se reflete no poder de compra da população. O cenário foi invertido e, agora, os alimentos saudáveis são mais caros do que os alimentos não saudáveis."
Perfil da mudança
A redução no consumo de frutas e hortaliças foi observada em praticamente todas as faixas etárias, tanto para o público feminino quanto para o masculino, mas esse movimento não foi uniforme.
Segundo a pesquisa, queda mais consistente foi observada na dieta de homens com idades entre 25 e 34 anos. Nessa população, houve uma diminuição tanto no consumo regular (cinco ou mais dias da semana), quanto no consumo recomendado (cinco ou mais porções por dia em cinco ou mais dias da semana).
No geral, as mulheres mantiveram uma prevalência maior de inclusão de frutas e hortaliças na dieta, mas também apresentaram queda de 2015 a 2023. Pessoas com mais de 65 anos foram as que mais apresentaram estabilidade no consumo dos produtos in natura entre os dois períodos.
Ainda de acordo com o estudo, grupos com maior escolaridade tiveram o maior impacto negativo na inclusão desses itens no prato. No grupo com mais de 12 anos de estudo, o declínio no consumo regular e recomendado foi acentuado. A queda foi menos expressiva para quem tem até oito anos de educação formal.
Soluções
Levando em consideração que as políticas sociais parecem ter impacto considerável no consumo de alimentos saudáveis, a pesquisa considera essencial o fortalecimento dessas ações para a manutenção da saúde da população.
Na conversa com o Repórter SUS, Izabela Veiga comemora a inclusão da cesta básica - majoritariamente formada por produtos in natura e minimamente processados – na lista de itens que terão isenção fiscal, previstos na reforma tributária.
“Temos que pontuar que é algo que para nós da nutrição em saúde pública foi bastante celebrado. A aprovação da cesta básica com incentivo fiscal leva a uma redução do preço desses alimentos. Também a inclusão das bebidas açucaradas no imposto seletivo. O que queremos é diminuir o consumo de ultraprocessados e aumentar o consumo de alimentos in natura.”
Ela destaca que a reversão do cenário de baixa inclusão de frutas e hortaliças na dieta cotidiana passa pelo aprimoramento dessas ações, pelo incentivo à produção, e por medidas que tornem os preços de utraprocessados menos atraentes. Nesse cenário, o Sistema Único de Saúde (SUS) também tem papel essencial desde a porta de entrada até os tratamentos a longo prazo.
“Quando falamos do SUS estamos falando de tratamentos e mudanças de hábito a longo prazo e também da atenção primária. As Unidades Básicas que estão nos bairros e são referência. Ali temos que ter uma equipe preparada para receber e atender, seja para prevenir a ocorrência das doenças por meio da mudança de hábitos ou lidar com isso de uma forma a melhorar o prognóstico e termos uma vida mais saudável.”
Edição: Martina Medina
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