Por Lucca Ignacio Morais Luiz* e Bruno Vieira Borges**
O São Paulo triunfou diante do Corinthians na disputa pelo título da 55ª edição da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Como de costume, a finalíssima aconteceu no dia 25 de janeiro, em referência ao aniversário da capital paulista, no Estádio do Pacaembu. No decorrer da série de jogos empilhados, um na sequência do outro, uma imagem se repetiu: dezenas de corpos exaustos lançados ao chão ao final de cada partida. Sim, uma imagem comum no universo do futebol, que traduz desde a sensação de vencer a ameaça do rebaixamento até a de conquistar o acesso para uma divisão superior.
A diferença é que, neste caso, todos os corpos eram de jovens atletas que, não raramente, percorreram milhares de quilômetros para ir ao encontro da esperança que move não somente seus corpos, mas também suas almas. Com idades entre 15 e 21 anos, esses garotos olham para os próprios pés e para os de seus companheiros como se toda razão estivesse ali, mas não está.
A maioria dos clubes que disputam a Copinha está muito distante do centro paulista. Distância que não é só física, mas também de capital econômico e simbólico, ambos hiperconcentrados no Sul-Sudeste, embora o futebol, em si, seja praticado e culturalmente relevante em todo o país. Essa desigualdade se expressa em diferentes dimensões: na qualidade dos equipamentos e infraestruturas, na formação técnica e tática, no preparo físico, etc.
Em tais lutas de Davi contra Golias, as frestas que se abrem para Davi se concentram na grandiosidade de seu movimento de sacrifício, que não necessariamente será suficiente. A Copa São Paulo de Futebol Júnior é vista como uma vitrine. E a noção é literal, como se o jogador fosse um produto com vistas a ser objeto de consumo de alguém. Essa leitura da realidade é fruto do entendimento prévio da desigualdade na qual os clubes mais pobres se inserem, competindo com as armas que possuem.
No entanto, para onde vão os jovens atletas que não recebem chances e propostas, que "não vingam"? O processo de modernização das práticas lúdicas trouxe consigo uma separação entre os que dominam as competências exigidas pelo alto nível de performance e aqueles que não. Para o antropólogo brasileiro Arlei Sander Damo, os meninos considerados "portadores de dom" atravessam processos ferozes, muitas vezes injustos e desumanos. Nas últimas edições da Copinha, a taxa de aproveitamento dos jovens atletas na composição do plantel dos clubes profissionais ficou entre 10% e 20%, dentre os quais a maioria não chegou a se firmar no grupo principal.
Sabemos que o futebol é um jogo impiedoso, em que sempre uma parte vai rir daquilo que causa choro na outra. Porém, é difícil pensar, no Brasil, em outro centro de empreendimento juvenil ao qual se dedica tanta energia libidinal para o alcance de um sonho que é sentido e vendido como solução para todos os problemas econômicos de uma família. Deveríamos repensar o papel do futebol e o fato de ele ser um destruidor de sonhos e expectativas.
O sociólogo italiano Alessio Norito publicou uma interessante pesquisa sobre imigrantes advindos do continente africano que chegam à Itália para, igualmente, disputar o sonho de jogar futebol profissionalmente. Como defende Norito, essa dinâmica entre o sonho reservado para poucos e a vontade de muitos formularia um "otimismo cruel", gerador de sujeitos frustrados, pois forjados por uma esperança vertical de enriquecerem com o futebol.
Caberia a nós, que integramos o campo esportivo, lutar por uma esperança horizontal, em que o esporte passe a ser formador de vínculos e laços que ultrapassem as razões primeiras do triunfo esportivo. Isto é, o esporte como meio de acesso a redes de solidariedade que não se esgotem nas lógicas mercadológicas que comandam grande parte das decisões esportivas.
Um caminho que se distancie da máquina de dilaceramento de espíritos em que o esporte se tornou e, mais gravemente, o futebol, por ser ele o esporte de maior alcance global e financeiro. Precisamos disso. Precisamos de um futebol em que caiba também a formação de cidadãos para a vida social, em que exista um refúgio em relação às vitrines, aos jogadores-mercadoria.
*Lucca Ignacio Morais Luiz é formado em História, com Mestrado em Educação, e atualmente faz Doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo e dupla titulação pela Universidade de Innsbruck. Ele está associado ao Observatório do Lazer e do Esporte (OLÉ), ao Grupo de Pesquisa de Sociologia da Educação, Cultura e Conhecimento (GPSECC) e ao Forschungszentrum Social Theory (FZST).
** Bruno Vieira Borges é formado em História pela Universidade de São Paulo, onde atualmente faz Mestrado em Sociologia. Ele está associado ao Observatório do Lazer e do Esporte (OLÉ), ao Mobilidades: Teorias, Temas e Métodos (MTTM) e ao UrbanData-Brasil.
***Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.