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Em Belém, ocupação de indígenas e professores segue até que revogação de lei que institui ensino à distância saia no Diário Oficial

Liderança presente desde o início das ações celebra vitória que atribui a pressão popular e ajuda do governo federal

Há 24 dias ativa, a ocupação de indígenas e professores na Secretaria de Educação do Pará (Seduc), em Belém (PA), vai continuar até que a revogação da lei 10.820/24, que institui o ensino à distância em comunidades indígenas, seja publicada no Diário Oficial do Estado, o que só deve acontecer no dia 18, depois de passar pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).

Nesta semana, um acordo foi firmado e uma minuta foi assinada na presença do governador Helder Barbalho (MDB), lideranças indígenas, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp) e de deputados.

"Decidimos que a ocupação vai seguir até que de fato a lei seja revogada e publicada no Diário Oficial. A gente conhece os não indígenas e conhece as artimanhas, sabemos do risco de sairmos antes da hora", explica a liderança Auricélia Arapiuns, presente desde o início da ocupação, em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (7).

Nascida na aldeia São Pedro do Muruci, na Terra Indígena Preta, dentro da Resex Tapajós Arapiuns, localizada no município de Santarém, região oeste do Pará, Auricélia Arapiuns se deslocou por 25 horas de carro para chegar em Belém.

"São 24 dias de muita resistência, muita luta, numa guerra, a gente venceu a primeira batalha, estamos agora com muita expectativa da revogação pela Assembleia Legislativa", explica a liderança sobre o próximo passo para a suspensão da lei.

Auricélia Arapiuns é também presidenta do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Na entrevista ela fala da participação do governo federal, na figura da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em todo o processo e também sobre a dificuldade no diálogo com o governo paraense, que ela descreve como "cenário de guerra".

Confira a entrevista na íntegra

Qual é a sensação após o anúncio do acordo?

Estamos aqui há mais de 20 dias, são 24 dias de muita resistência, muita luta, numa guerra, e a gente venceu a primeira batalha, estamos agora com muita expectativa da revogação pela Assembleia Legislativa e, posterior, a publicação no Diário Oficial

Nós chegamos nessa negociação por conta da atuação da deputada [estadual] Lívia Duarte (Psol), que esteve desde o primeiro momento aqui com a gente, articulando com o governo para tentar receber as lideranças indígenas.

Nós fomos recebidos na segunda semana pelo governador, a partir de uma articulação do Ministério dos Povos Indígenas, a ministra Sonia [Guajajara].

Mas nós fomos recebidos no cenário de guerra pelo governador. A nossa proposta era que ele viesse à ocupação conversar conosco. E nós fomos recebidos com um aparato de guerra policial. Belém parou para nos receber, eram 500 policiais, mais ou menos, para receber 40 lideranças, como se nós fossemos terroristas. 

Afinal, quais seriam os prejuízos se a lei se mantivesse aprovada?

O governo do Pará sempre disse que não era a intenção fazer o ensino a distância, ele tem colocado isso na mídia. Mas na própria Seduc está sendo construído o espaço de mídia, que é para essas aulas virtuais.

As aldeias não têm estrutura nenhuma, então ele faz uma lei, sem consultar os povos indígenas, assim como ele tem feito a todos acordos bilionários, como é no caso da venda de crédito de carbono, sem consultar os povos indígenas e populações tradicionais. 

Então ele não consulta ninguém e dá um golpe da educação, tenta dar esse golpe.
A nossa educação indígena ela tem uma legislação específica, inclusive da Constituição Federal traz que é uma educação diferenciada, bilíngue.

E como a gente vai ter uma educação de qualidade estudando por televisão? Na lei, ele tirava a gratificação dos professores, que é uma gratificação muito importante para que os professores possam chegar nas regiões mais distantes da Amazônia, que é uma logística.

Para quem não conhece a realidade, como é o Rossieli, que não é da região, vai fazer o que nem entende, vai tentar colocar outras realidades numa realidade que não se aplica à Amazônia, que não se aplica às escolas indígenas.

Quais são os próximos passos da lei e também da ocupação?

A gente recebeu uma notificação da Justiça sobre a mobilização, porque o governo do estado tinha entrado com um pedido de reintegração de posse. E nós recebemos uma decisão favorável, inclusive a juíza veio aqui fazer uma expedição, em um fato histórico da Justiça paraense.

O que vai acontecer agora? Vão ser criadas as devidas comissões responsáveis na Alepa, isso até o dia 11, e está previsto ir ao plenário dia 18. Então só lá teremos uma oficialização, mas estamos tentando adiantar essa decisão.

Por isso decidimos que a ocupação vai seguir até que de fato a lei seja revogada e publicada no Diário Oficial.

A gente conhece os não indígenas e a gente conhece as artimanhas e sabemos do risco de sairmos antes da hora.

Nós estamos fazendo adequações para que os servidores possam voltar a trabalhar sem prejuízos. Na verdade, em momento nenhum os servidores foram impedidos de trabalhar.

Como você avalia a participação do governo federal neste embate?

A decisão do Helder foi uma decisão de muita pressão popular, mas não tenho dúvida que o próprio governo federal fez incidências. A gente está num ano de COP, ele sabe que se não revogar as manifestações vão continuar com mais intensidade.

A Sonia esteve em contato com a gente desde o início, ela mandou primeiro um representante, mas nem eles conseguiram conversar com o governador. Então ela veio, fez tudo que podia, mas ela chegou a falar pra gente "olha, ele não vai revogar".

Mas nós falávamos, se ele não revogar não vai ter COP, e se tiver COP vai ser muito ruim para o governo.

Essa é uma vitória dos indígenas, dos professores, mas ela é uma vitória da população paraense, da educação do Pará, do próprio governador que assumiu o erro. E vai ser da Alepa se ela votar pela revogação, porque eles tão cumprindo um papel fundamental da educação.

Como foi seu deslocamento para chegar em Belém?

Eu vim de carro, num carro pequeno, numa estrada terrível, passando situações bem perigosas, inclusive. Foram 25 horas de viagem direto, mas tem gente vindo de barco, que aí são três dias

É muita logística, é difícil chegar em Belém. O pessoal fala que o Pará tá na moda, mas não é isso, é Belém, o resto tá esquecido. A gente cobra isso do governo inclusive, tem que sair do discurso. A nossa região tem sofrido muito com o impacto das mudanças climáticas, cheia, seca.

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