Sem mordaça

Lei da Escola Sem Partido em Porto Alegre será questionada na Justiça, afirmam entidades

Entidades e partidos querem barrar lei promulgada nesta quarta (5) pela Câmara após silêncio do Executivo municipal

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
De autoria do então vereador Valter Nagelstein, projeto foi aprovado em 2016, derrubado na Justiça, mas desarquivado em 2024 e novamente aprovado - Foto: Johan de Carvalho/CMPA

A lei que instituiu a Escola sem Partido em Porto Alegre será questionada na Justiça. Apresentado pelo então vereador Valter Nagelstein em 2016, o projeto foi aprovado pelos parlamentares em dezembro do ano passado e enviado ao prefeito Sebastião Melo (MDB), que não sancionou e nem vetou o texto, voltando então para Câmara Municipal, onde foi promulgado pela presidente da mesa, a vereadora Comandante Nádia (PL).

O Psol de Porto Alegre, o Movimento Mães e Pais pela Democracia e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) anunciaram que entrarão com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Os vereadores Juliana de Souza e Jonas Reis, ambos do PT, também acionaram o Ministério Público Estadual contra a lei.

Conforme resgata reportagem do Sul 21, em 2017 um parecer da procuradoria da própria Câmara de Porto Alegre, assinado pelo então procurador-geral Claudio Roberto Velasquez, afirmou que o projeto violava três artigos da Constituição Federal, que estabelecem as competências da União, estados e municípios.

Em 2019, o projeto chegou a ser aprovado pelo plenário, mas foi derrubado pelo Judiciário, que acatou uma ação do Simpa. A proposta foi desarquivada em 2024, por solicitação da vereadora Fernanda Barth (PL). Em julho, a Câmara realizou uma Audiência Pública virtual para debater o projeto que foi parar na pauta e acabou aprovado.

Segundo a nova lei, cabe à Administração Pública Municipal "proibir, nos estabelecimentos de ensino público municipal, toda e qualquer doutrinação política ou ideológica por parte de seus corpos docentes, administradores, funcionários e representantes, em que haja prevalência do ensino dogmático e ideológico de determinada corrente político-partidária".

Também determina que o professor, o administrador escolar e o representante de estabelecimentos de ensino público municipal "devem abster-se de toda e qualquer prática que, valendo-se de sua audiência cativa e rotineira com os alunos, vise a cooptá-los, convencê-los ou arregimentá-los para qualquer prática, ideologia ou partido político". 

'Não à mordaça'

O vereador Roberto Robaina, presidente municipal do Psol, afirmou que o partido vai entrar na Justiça para derrubar a lei "que foi promulgada pela presidente da Câmara, a lei da mordaça, que é uma lei inconstitucional". Segundo ele, a ação visa "defender a educação pública sem obstrução da liberdade de ensinar dos professores". Ele diz que "a direita só defende a 'liberdade' quando é pra atacar as liberdades democráticas".

Para a vereadora Juliana de Souza, a lei objetiva censurar professoras e educadores nas escolas de Porto Alegre, além de ferir a constituição. “Educação é para formar para a cidadania, não para silenciar vozes! Não há democracia sem educação democrática”, afirma.

O vereador Jonas Reis disse ser inadmissível que a lei fira os artigos 5, 22 e 206 da Constituição, nem que atinja a liberdade dos brasileiros de ter um ensino e aprendizagem. "Não se pode interferir no currículo escolar. Já tivemos casos semelhantes, daqueles que querem amordaçar os professores das escolas públicas e o STF provou sua inconstitucionalidade. Queremos o mesmo para Porto Alegre, que o povo mantenha sua liberdade e aguardamos o posicionamento do MPF”, ressaltou. 

A Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), em nota divulgada nesta quinta-feira (6), denuncia a inconstitucionalidade da medida e afirma que a iniciativa da direita tem fins meramente eleitorais e desperdiça dinheiro público com propostas que já foram declaradas ilegais pelo STF.

“O STF já decidiu que esse tipo de lei é inconstitucional. Em 2020, ao julgar a ADI 5537, referente a uma legislação semelhante em Alagoas, o Supremo reafirmou que qualquer tentativa de censurar professores e restringir o pluralismo de ideias nas escolas fere a Constituição”, afirma o presidente da AMPD, Júlio Sá.

A entidade reforça que não se trata de uma questão nova ou controversa no meio jurídico. “A própria direita sabe que essa lei é flagrantemente inconstitucional, mas insiste nessa pauta unicamente para obter dividendos eleitorais junto à sua bolha. É um jogo cínico, que desvia a atenção dos verdadeiros problemas da educação pública e desperdiça dinheiro público com leis que seus próprios autores sabem que serão derrubadas na Justiça”, pontua a associação. 

Na avaliação do Simpa, a flagrante inconstitucionalidade da referida lei se verifica na ofensa direta à liberdade de cátedra, ao pretender implementar ARTIGO. Aos defensores da “Escola sem partido”, do Homeschooling e militarização das escolas sobre temas sensíveis e necessários ao debate público, como reiteradamente vêm decidindo os Tribunais no país. “O Simpa luta contra a medida desde que o PL foi apresentado, pelo então vereador Valter Nagelstein, e também quando foi desarquivado, em julho de 2024, a pedido da vereadora Fernanda Barth (PL). Em 2019, o Sindicato conquistou a anulação da votação do mesmo projeto, de autoria do ex-vereador Valter Nagelstein, intitulado 'Escola Sem Partido'", diz a entidade.

Em 2016, quando foi apresentado o projeto de lei, o Conselho Municipal de Educação lançou um manifesto afirmando que a gestão democrática é respaldada no Artigo 206 da Constituição e no Artigo 3º da Lei de Diretrizes e. Bases da Educação Nacional (LDBEN), que trata dos princípios pelos quais o ensino será ministrado. “Essa modalidade de gestão deve ser orientada pelos princípios: da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pelo pluralismo de ideias e por concepções pedagógicas e de gestão democrática do ensino público, na forma da lei, entre outros”, diz trecho do manifesto.

Em 2020 o STF considerou inconstitucional uma lei estadual de Alagoas semelhante ao projeto  Escola sem Partido. Foram nove votos contra a lei e somente um a favor. 

* Com informações do Sul 21 e Extraclasse.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira