Com o início do ano legislativo, voltou à tona o debate em torno da proposta que permite a concessão de anistia para todos os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. De interesse da ala bolsonarista, a pauta está no centro de uma queda de braço que envolve o Projeto de Lei (PL) 2858/2022, de autoria do ex-deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara. As atenções agora se voltam para o novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que, em entrevista à CNN na última terça (4), disse não haver decisão sobre pautar ou não a proposta. A declaração atiçou a base reacionária, interessada em levar o tema adiante.
Apesar disso, nos bastidores do Congresso, é comum entre parlamentares a leitura de que a situação em torno do PL 2858 ficou mais dificultosa depois do atentado causado pelo homem-bomba Francisco Wanderley Luiz, que morreu em novembro do ano passado, após lançar explosivos em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). O episódio deixou as autoridades dos três Poderes em alerta e foi sucedido por uma onda de comentários sobre o possível naufrágio político do projeto, que antes já era visto por lideranças partidárias como uma proposta com baixas chances de êxito.
Nas tratativas ocorridas entre os líderes das siglas nesta semana, a primeira após o recesso parlamentar e também a primeira da gestão de Hugo Motta à frente da Câmara, os parlamentares teriam acordado, para este momento, a colocação em pauta somente de matérias que sejam marcadas por algum grau de consenso. Na paralela, com a rejeição pessoal de Motta à pauta, bolsonaristas trabalham com a ideia de alterar o projeto de lei no sentido de tentar negociar ao menos uma redução das penas para os condenados pelo 8 de janeiro.
Para o deputado Rogério Correia (PT-MG), um dos vice-líderes do governo na Câmara, a movimentação seria uma espécie de “cortina de fumaça” no jogo político. “Não vejo condição de esse projeto prosperar na Câmara nem no Senado. O bolsonarismo faz isso para deixar a base ultrarradicalizada deles e a extrema direita toda com uma expectativa de mobilização em torno do Bolsonaro [no sentido de] que ele poderia vir a ser candidato [em 2026] e até de mobilizá-los em torno do que eles estão sempre fazendo – foi assim durante o golpe –, com uma expectativa de que possa haver no Brasil uma desestabilização democrática grande e eles possam surgir como uma alternativa que não necessariamente seja pela via do voto ou da democracia”.
Na mesma linha, o líder da bancada do PSB, Pedro Campos (PE), acredita que a pauta não tende a avançar no jogo legislativo. “Vejo ainda uma pressão de uma parte de setores da direita para que isso avance. É uma pressão pública, mas não vejo isso como um entendimento da maioria da Câmara dos Deputados, inclusive considerando a composição de forças que elegeu Hugo Motta, de que essa seja uma pauta central para o Brasil”. Campos afirma que a bancada do PSB é contrária à proposta de anistia porque “não vê sentido”.
“Anistia é um instrumento que existe desde a Grécia Antiga, mas que é usado quando se tem uma agressão de dois lados por um tempo prolongado, e que se usa para reconstruir uma sociedade. A própria anistia que foi feita depois da ditadura militar, apesar de ser bastante questionada até hoje, é uma anistia que só aconteceu porque, além das torturas, das prisões ilegais e de uma série de coisas por parte do regime militar, houve também luta armada, movimentos de sequestro, que fizeram com que ocorresse uma anistia. Agora, neste momento não tem o que anistiar dos dois lados, então, acho que não faz sentido, até porque o único efeito positivo de uma anistia deve ser a pacificação, e claramente quem defende a anistia hoje não defende a pacificação. Sendo assim, não tem coisa boa que saia disso aí”, diz Campos.
Para Rogerio Correia, a tentativa de emplacar a pauta seria uma aventura para o próprio centrão, segmento majoritário na Câmara e que engloba parlamentares do campo da direita liberal. “Não acho que o próprio centrão vá encarar esse desgaste. Bolsonaro deve ser denunciado agora em fevereiro, por isso não vejo condição de isso prosperar”, diz o petista, em referência às notícias vidas à tona nesta semana de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve apresentar denúncia contra o ex-presidente até o final deste mês.
O psolista Chico Alencar, que atuou em 2024 na Comissão de Constituição & Justiça (CCJ), colegiado convertido em trincheira pelos bolsonaristas para tentar emplacar a pauta, acredita que o oxigênio da proposta tende a reduzir conforme seja confirmada a denúncia da PGR contra Bolsonaro. “Na era Lira, na CCJ, eles estavam muito animados. Imagino que os graúdos, afinal, serão tornados réus, a começar pelo Jair Bolsonaro. Isso inibe um pouco o propósito de anistia", diz. "E já tem o relatório da Polícia Federal, que é muito circunstanciado, muito detalhado, inclusive a partir de informações de um participante da trama, que provavelmente vai ser réu também, espero eu, que é o tenente-coronel Mauro Cid. Então, é um relatório substantivo. É claro que, num contexto como esse, o projeto de lei de anistia fica ainda mais dissonante, além de não estar de acordo com o pensamento dominante na sociedade brasileira e nos poderes da República", destaca Alencar.
Uma pesquisa publicada em dezembro pelo Datafolha mostrou que 62% dos brasileiros se mostram contrários à ideia de anistia para os participantes do 8 de janeiro, enquanto 33% se dizem a favor, 5% não sabem opinar e 1% se considera indiferente. Já com relação especificamente ao PL 2858/2022, uma enquete virtual realizada pelo site da Câmara dos Deputados recebeu 200.125 votos contrários ao PL, computados por internautas que disseram “discordar totalmente” da proposta. Outros 9%, o equivalente a 19.029 votos, disseram “concordar totalmente” com o texto. Os que disseram “concordar na maior parte”, “discordar na maior parte” ou se consideram “indecisos” representam menos de 1% e não pontuaram na pesquisa.
Edição: Nathallia Fonseca
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