Mesmo após 17 dias depois da derrubada do espaço em construção da cozinha-escola Favela Gastronômica, um projeto de cozinha comunitária, nenhuma medida foi tomada por parte do Governo do Distrito Federal (GDF), segundo a coordenação da iniciativa. A ação aconteceu no dia 24 de janeiro, quando o DF Legal e a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) derrubaram instalações dentro do perímetro de segurança da Unidade de Internação de Planaltina (UIP), no Bairro de Fátima.
Cleide Morais, coordenadora e idealizadora do projeto, conta que, até o momento, nenhuma medida foi tomada pelos órgãos do GDF depois da derrubada do espaço em construção. Ela afirma que a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Sejus-DF) disse, por meio de uma nota à imprensa, que a ação foi realizada para limpar um quilômetro de cercamento da Unidade de Internação.
“A Polícia Militar respondeu que eles estavam ali para fazer a segurança. O DF Legal, a gente fez um requerimento de informação na administração da Arapoanga, e eles disseram que não era aquele setor, que eles iam encaminhar para o setor responsável. Mas também colocou que esse tipo de ação foi respaldado pela lei”, conta a coordenadora.
A ação foi realizada sem mandado, conta os integrantes do projeto que estavam presentes na ocasião. De acordo com informado, a PMDF e o DF Legal foram “só para derrubar a escola e nada mais. Não apresentaram a denúncia do SEI, que alegaram ser o motivo da derrubada”.
A coordenadora da iniciativa também questiona a derrubada do projeto, pois, segundo ela, todo o Bairro de Fátima é uma ocupação. A coordenadora relata que uma das justificativas dadas foi o respaldo legal, que permite a derrubada de edificações em fase inicial de construção. “Só que a nossa edificação – que era apenas uma cozinha, um cômodo – já estava na fase final, com piso e reboco prontos, faltando apenas a janela, a porta e o telhado."
"Além disso, eles não nos deixaram retirar nem o material da obra. Mesmo os que ainda não haviam sido instalados, disseram que deixariam para retirarmos depois e passarmos pelo sistema, mas não foi o que aconteceu", lembra Cleide.
Procurados pelo Brasil de Fato DF, a Sejus informou, por nota, que realizou a operação na sexta-feira (24) do mês passado, em um parcelamento irregular instalado dentro do perímetro de segurança da UIP. "Tendo em vista a necessidade de manter o perímetro de um quilômetro sem construções em torno da Unidade para garantir a segurança dos servidores e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, a ação se fez necessária, conforme recomendação da Sejus", mostra.
"Foram desconstituídos cerca de dois quilômetros de cercamento e sete edificações. Não há registro da demolição de uma cozinha comunitária. Vale destacar que parcelamentos irregulares não passíveis de regularização em fase inicial não precisam de notificação prévia para desconstituição, conforme legislação vigente", completa a pasta.
Também em nota, o DF Legal, utilizou o mesmo argumento da Sejus sobre a proximidade com a UIP e apontou que obra foi iniciada em local irregular, sem projeto aprovado, alvará ou qualquer outra documentação que pudesse dar algum respaldo à construção.
A coordenadora do projeto Favela Gastronômica questiona o argumento dado pelas secretarias, uma vez que existem moradias próximas à UPI. "A distância sempre gira em torno de 300 metros. A gente fica a 358 metros da unidade. Tem casas muito mais perto, mas que eles não vão e nem devem derrubar, uma vez que possuem mais de 50 anos", diz Cleide.
"Essa resposta não colou, porque, para limpar o quilômetro, eles teriam que remover o Bairro de Fatima inteiro, os 21 condomínios, inclusive a administração que fica dentro do polígono, que eles estão dizendo de 1 km. Então, foi uma resposta totalmente sem cabimento", ressalta.
Festival Favela Gastronômica foi lançado em 2024. / Foto: Flavio Marzadro
De acordo com a coordenação do Favela Gastronômica, o projeto, que atua há mais de cinco anos, visa promover mudanças estruturais, e estabelecer processos democráticos, com a participação plena da comunidade. Para isso, coletam e distribuem alimentos que seriam descartados, promovem cursos de aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes, implantam hortas comunitárias, conhecimentos ancestrais para uso de plantas e remédios da natureza.
“Trabalhamos com o socioeducativo. Então, desse ciclo de oficinas que a gente está fazendo agora, a primeira foi dentro da unidade de socioeducativo. A gente teve a oficina de panificação e técnica de confeitaria para os adolescentes que já estavam completando a maioridade. Caminhamos junto com essa juventude para dar um outro caminho para esses meninos”, conta Cleide.
Apoio do Consea
No dia 31 de janeiro, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Distrito Federal (Consea-DF) emitiu uma declaração de funcionamento reconhecendo a importância do trabalho do Instituto Favela Gastronômica na promoção da segurança alimentar e do desenvolvimento comunitário. O documento estabelece que o Favela Gastronômica “encontra-se em pleno funcionamento, realizando suas atividades de forma regular e de acordo com legislações vigentes.”
“A Organização da Sociedade Civil — Favela Gastronômica está em funcionamento desde os últimos 6 (seis) meses e desenvolve projetos que visam promover mudanças estruturais, e estabelecer processos democráticos, com a participação plena da comunidade. Para isso, coletam em distribuem alimentos que seriam descartados, promovem cursos de aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes, e implantam hortas comunitárias, conhecimentos ancestrais para o uso de plantas e remédios da natureza”, mostra a declaração.
Membro do Consea-DF, Eduardo Torres, destaca que iniciativas como o Favela Gastronômica são essenciais no combate à fome, pois promovem o acesso à alimentação digna, evitando o desperdício por meio do aproveitamento integral dos alimentos e da redistribuição de excedentes. “Além disso, fortalecem a geração de renda ao impulsionar cozinheiras, agricultoras e empreendedoras locais, fomentando a economia criativa dentro das periferias”, diz.
O conselheiro também afirma que esses territórios, muitas vezes autogestionados, desenvolvem soluções sustentáveis, como o uso de ingredientes locais e técnicas tradicionais, resistindo ao nutricídio — processo que nega à população preta e periférica uma alimentação saudável e acessível. “Assim, o projeto não apenas reduz o descarte de alimentos, mas transforma o sistema alimentar das favelas em um modelo de soberania e justiça alimentar”, lembra.
Ele conta que o projeto foi abraçado pelo conselho no final de 2024. “Enquanto a gente estava fazendo doações de cestas básicas a Cleide nos abordou para apresentar o projeto e claro que a gente abraçou e estamos fazendo tudo que nos cabe para fortalecer e assistir o Favela.
Entenda o caso
No dia 24 de janeiro, moradores e integrantes da cozinha-escola foram surpreendidos pela derrubada do espaço em construção do projeto. A ação foi realizada pelo D Legal, que estava sendo acompanhada pela Polícia Militar do DF. Segundo informações dos integrantes do Favela Gastronômica, a operação foi realizada sem mandato ou trâmite administrativo e jurídico correto.
A ação iniciou por volta das 10h, quando a PM chegou à ocupação. O episódio, de acordo com integrantes do projeto, teria sido motivado por uma perseguição à liderança comunitária Cleide Morais e ao desenvolvimento cultural e soberano da comunidade de ocupação Bairro de Fátima em Planaltina.
:: Após destruição de espaço, Favela Gastronômica inicia vaquinha para recuperar projeto no DF ::
Após a derrubada, a organização iniciou uma vaquinha para auxiliar na reconstruir o espaço. “A Favela Gastronômica precisa da sua ajuda para reerguer nossa cozinha-escola! Após a destruição de nosso espaço, que transformava vidas com educação e gastronomia, estamos lutando para reconstruir este local tão essencial para a comunidade”, mostra postagem anunciando a campanha.
O projeto informa que é possível contribuir por meio de doações financeiras via Pix (997.170.341-68, Adriana da Conceição de Moraes, contadora do projeto), além de materiais de construção, hidráulica, elétrica e acabamento para cozinha e banheiro. O projeto também aceita móveis e eletrodomésticos para equipar a cozinha-escola.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::