A esquerda equatoriana comemorou o resultado do primeiro turno das eleições do país neste domingo (9). A candidata da Revolução Cidadã, Luisa González, recebeu 43.8% dos votos e ficou apenas 0,5 ponto percentual atrás do atual presidente Daniel Noboa. Os dois disputarão o segundo turno em 13 de abril, mas a sensação no final do primeiro turno foi de uma vitória parcial da candidata progressista.
Mesmo com um cenário indefinido, a esquerda vê algumas vantagens para a campanha durante os próximos dois meses. Primeiro porque o terceiro lugar na votação foi Leonidas Iza, do Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik (MUPP). Ele recebeu 5.26% dos votos e poderá ser o fiel da balança na disputa a partir de agora. Mesmo afirmando que “não dará votos a ninguém”, ele é uma liderança indigena de um movimento de esquerda e a tendência é que seus apoiadores concentrem seus votos em Luisa.
Para Franklin Ramírez, professor de sociologia da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Equador, houve uma concentração da campanha em torno de González e Noboa. Por isso, os votos que foram para outros candidatos, além dos brancos e nulos, terão um papel fundamental nessa disputa. Os resultados totais não foram divulgados de maneira definitiva. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), 92,49% foram apurados.
“A eleição do primeiro turno concentra quase 90% dos votos em dois candidatos, ou seja, o que se pode distribuir é muito pouco. O terceiro tem uma orientação mais à esquerda, o que dá uma margem de manobra para Luisa. Noboa teve o janeiro mais violento da história, com mais de 700 assassinatos, além de uma crise energética e recessão econômica. Faltam dois meses de campanha e ele tem que governar. Então é mais provável um todos contra Noboa que todos contra Correa”, disse ao Brasil de Fato.
O artista equatoriano e ex-diplomata no Brasil e na Venezuela Pavel Égüez também concorda com a percepção de que foi uma vitória da esquerda. Ele afirma que isso se reforça não só pelo discurso de Noboa, mas também porque ele usou o governo para distribuir auxílios na reta final de campanha, como o auxílio para grávidas e para imigrantes equatorianos que querem retornar ao país.
“É uma vitória para Luisa já que o governo instalou a narrativa de que venceria no primeiro turno. Noboa violou a Constituição e as leis eleitorais e distribuiu bónus e auxílios no valor de mais de US$ 200 milhões (R$ 1,15 milhão), uma vez que não existe nenhuma autoridade eleitoral que o impeça e coloque todos os candidatos em igualdade de condições. A sua derrota foi tal que não saiu ao encontro dos seus seguidores e refugiou-se no Palácio no fim do dia”, disse ao Brasil de Fato.
O tema que permeou a campanha eleitoral foi a segurança pública. Durante seu governo, Daniel Noboa implantou políticas severas em nome do combate à organizações ligadas a cartéis internacionais e gangues, violando regras de direitos humanos ao promover encarceramentos em massa. Na véspera do pleito, Noboa dobrou a aposta repressiva e anunciou o fechamento dos portos e aeroportos do país, sob a justificativa de prevenir "as tentativas de desestabilização por parte de grupos armados".
As medidas repressivas empregadas por Noboa são denunciadas por violar direitos humanos. Na terça-feira (4), o Comitê Permanente de Defesa dos Direitos Humanos (CDH) disse que 27 pessoas estão desaparecidas e mais um assassinato teria sido cometido por militares no Equador.
Ramírez afirma que González conseguiu trabalhar bem a questão da segurança em sua campanha por ter explorado a complexidade do tema sem cair no mesmo discurso de seu adversário. Para ele, no entanto, a violência passa também pelo uso da força pelo gvoerno desde que Noboa assumiu, em novembro de 2023.
“A Revolução Cidadã apostou na questão da segurança focando em uma perspectiva ampliada, sem reduzir ao tema da militarização e punitivismo como fez Noboa, mas falando de oportunidades de trabalho, espaços públicos, educação, e investimento social, mas sem abandonar a questão da modernização da polícia e das forças armadas. O Equador não passa só por uma insegurança, mas tem também a militarização e os crimes extrajudiciais das Forças Armadas, desaparições forçadas e desrespeito dos direitos humanos no marco da guerra interna que Noboa declarou em janeiro de 2024”, afirmou.
Durante a campanha, Luisa González também focou em um programa de reativação do emprego e da segurança, resgatando o que foi feito na gestão do ex-presidente Rafael Correa. Na área de segurança pública, o governo de Correa foi marcado pelo fortalecimento de instituições públicas como o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e o investimento no sistema prisional do país.
Ela integrou o governo ex-presidente socialista e prometeu seguir suas políticas, mas insistiu que o ex-presidente não passará de um conselheiro em seu governo.
A professora de Relações Internacionais da Positivo e Vice Bárbara Neves reforça que esse resgate de Correa foi fundamental na campanha de González. Ela aforma que a candidata também enfatizou temas que hoje são latentes para a população equatoriana, que é a questão energética.
“Luisa coloca a importância de recuperar e restituir o Ministério da Segurança e da Justiça, além dos Direitos Humanos. Também pretende restabelecer o controle estatal na produção energética. A população tem enfrentado apagões e ela propõe transição energética a partir de uma sustentabilidade ambiental. Além disso, superar a dependência da economia petroleira”, afirmou.
Olhar para o segundo turno
Em seu discurso depois da divulgação dos resultados, Luisa González disse que buscará uma maior unidade nacional. Para isso, ela ressaltou que é preciso “deixar para trás a polarização” e afirmou sentará com os outros candidatos para construir uma proposta nacional para o país, aglutinando outros movimentos.
Ela também disse que desconfia dos resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), principalmente nos estados de Manabí e Guayas. Ela não apresentou provas, mas afirma que houve muito atraso na contagem e cerca de 2.614 atas apresentaram “inconsistências”. Ainda de acordo com González, a impressão das atas travou em alguns lugares, o que prejudicou a contagem dos votos.
Já Noboa usou o discurso de que “já venceu o correismo”, movimento encabeçado por Rafael Correa. Para Ramírez, o atual presidente continuará apostando na sua própria imagem e na ideia de que é preciso de mais tempo para governar.
“Os resultados de Noboa tentou impor a imagem de um homem forte, decidido, ligado à militarização, praticamente dissolveu a velha direita. Tem sido hábil nas redes sociais para construir uma narrativa contrária ao correismo, mas, sobretudo, mostrar a imagem de um homem forte, decidido. Mas são só 15 meses governando, não é um governo completo, então ele coloca como algo incompleto, que precisa de mais tempo”, afirmou.
Enquanto Luisa González usou a pauta ambiental e de transição energética para superar os desafios do fornecimento de eletricidade no país, Noboa adotou uma postura de manter um programa de privatizações e de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) para mais empréstimos.
“O Noboa até fala de uma transição energética, fala em energia mais amigáveis, mas adotou uma proposta econômica com desenvolvimento econômico a partir do FMI, que é uma instituição que impõe uma agenda política que coloca constrangimentos à capacidade estatal em ter uma autonomia política e social”, disse Bárbara Neves.
Para os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, Luisa González ainda tem uma margem de crescimento que ficou escancarada depois dos resultados do primeiro turno. As pesquisas indicavam que ela tinha, em média, 33% das intenções de voto antes da eleição. Com os resultados divulgados neste domingo, houve uma diferença de mais de 10 pontos percentuais, o que coloca uma vantagem para ela.
“Suas primeiras palavras foram buscar a unidade do povo para servir a toda a população sem diferenças, ouvir e ampliar seu apoio a todas as organizações, inclusive ao movimento indígena que ficou em terceiro lugar nas eleições. Também constitui o maior bloco de membros da assembleia. Ganhar estas eleições é essencial para o projeto de esquerda e para que os empresários deixem de privilegiar os seus negócios em detrimento do povo equatoriano”, afirmou Pavel Égüez.