Genocídio Palestino

Países do Sul Global lançam Grupo de Haia contra os crimes de Israel na Palestina

África do Sul, Malásia, Colômbia, Honduras, Bolívia, Cuba, Senegal, Belize e Namíbia querem atrair outros países

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Menino com uma bandeira palestina sobre escombros em um acampamento para pessoas deslocadas pelo conflito em Bureij, no centro da Faixa de Gaza
Menino com uma bandeira palestina sobre escombros em um acampamento para pessoas deslocadas pelo conflito em Bureij, no centro da Faixa de Gaza - Eyad Baba / AFP

O direito internacional atravessa uma das mais graves crises enfrentadas desde a Segunda Guerra Mundial. Os crimes contra a humanidade que Israel vem cometendo contra o povo palestino, beneficiando-se de enorme impunidade, demonstram os perigos que o mundo inteiro enfrenta na defesa dos direitos humanos.

A avaliação é sustentada por um grupo de nove países que anunciou a criação do Grupo de Haia, uma coalizão internacional de solidariedade cujo objetivo é deter o genocídio do povo palestino, como premissa fundamental para a defesa dos direitos humanos e do direito internacional.

Composto por Belize, Bolívia, Colômbia, Cuba, Honduras, Malásia, Namíbia, Senegal e África do Sul, o Grupo de Haia leva o nome da cidade onde estão localizados o Tribunal Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas encarregado de julgar ações judiciais contra Estados, e o Tribunal Penal Internacional (TPI), um tribunal que julga pessoas acusadas de cometer crimes de genocídio, guerra, agressão e crimes contra a humanidade.

A iniciativa é promovida pela Internacional Progressista, uma organização que reúne organizações, ativistas e intelectuais progressistas e de esquerda, que foi criada em 2020 com o objetivo de resistir ao ressurgimento do nacionalismo autoritário.

Ao anunciar a formação do grupo, os representantes dos nove países enfatizaram sua recusa em “permanecer passivos” diante do que descreveram como “ações genocidas de Israel, a potência ocupante da Palestina”.

Um apelo à ação internacional

David Adler, co-coordenador geral da Internacional Progressista, conversou com Brasil de Fato sobre a iniciativa, dizendo que a criação do Grupo de Haia pretende ser uma contribuição para a defesa básica dos direitos humanos e do direito internacional. 

Com um tom de preocupação, ele garante que “a iniciativa surge da observação das ruínas do sistema de direito internacional. Nos últimos 500 dias, todos nós vimos como Israel, junto com seus aliados ocidentais, se envolveu em um comportamento totalmente criminoso, perpetrando genocídio contra a população palestina”.

Ele ressalta que a coordenação do grupo trata simplesmente de “fazer valer a lei internacional”. Isso inclui as resoluções da própria ONU e as decisões de tribunais internacionais. 

“Existe um sistema multilateral cujos princípios fundamentais estão consagrados na Carta da ONU. No entanto, apoiados pelos repetidos vetos dos EUA no Conselho de Segurança, que lhe deram impunidade, vimos esses princípios serem repetidamente pisoteados pelo comportamento totalmente criminoso de Israel".

Primeiras iniciativas do Grupo de Haia 

Com uma convocação aberta convidando outros países a participarem, os nove países apresentaram uma declaração na qual se comprometeram a cumprir os mandados de prisão emitidos pelo TPI em novembro passado contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, sob acusações que incluem crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

Também se comprometeram a impedir o fornecimento ou a transferência para Israel de armas, munições e equipamentos relacionados em todos os casos em que houver um risco claro de que eles possam ser usados para cometer ou facilitar violações da lei internacional ou do princípio da proibição de genocídio. 

Ao fazer isso, os membros do grupo se referem ao parecer consultivo da CIJ, emitido em julho passado, em resposta a perguntas feitas pela Assembleia Geral da ONU. Nesse documento, a CIJ concluiu que as políticas de assentamento de Israel na Palestina “violam o direito internacional” e descreveu a ocupação israelense da Palestina como ilegal, exigindo a devolução da terra aos seus residentes originais deslocados desde 1967.

Além disso, os membros do grupo condenaram as sanções com as quais o governo Trump ameaçou o TPI por causa dos mandados de prisão.

Durante a coletiva de imprensa, o grupo disse que tomará “outras medidas efetivas para acabar com a ocupação israelense do Estado da Palestina e para remover os obstáculos à realização do direito do povo palestino à autodeterminação, incluindo o direito a um Estado da Palestina independente”. Pediram também a todos os Estados que “adotem todas as ações e políticas possíveis para acabar com a ocupação israelense do Estado da Palestina”.

Um movimento renovado de países não alinhados

Diante das repetidas violações da lei internacional, o Grupo enfatiza a necessidade de os Estados coordenarem ações coletivas contra a ocupação israelense. 

“Trata-se de nada mais e nada menos do que construir um bloco que defenda a justiça”, explica Adler em resumo. Com esse lançamento, os nove países buscam não apenas responsabilizar os líderes israelenses por suas ações, mas também estabelecer um precedente para a defesa dos direitos humanos e da justiça internacional em um mundo cada vez mais fragmentado.

A chegada de Trump à Casa Branca colocou o já enfraquecido direito internacional em uma posição ainda mais delicada. Seus repetidos ataques ao Tribunal Penal Internacional, bem como seu anúncio de que os EUA estavam se retirando do Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual nem sequer eram membros, foram apenas uma demonstração de seu desprezo pelos direitos humanos e pela cooperação internacional.

Adler observa que “Trump intensificou seu ataque ao sistema de direito internacional. Ele se comporta como se fosse um completo estranho à justiça, como se pudesse fazer qualquer coisa sem ser responsabilizado por isso. É por isso que cabe a nós reconstruir, renovar e fortalecer a estrutura do sistema multilateral”.

É nesse contexto, diz ele, que “a partir da Internacional Progressista, estamos tentando coordenar um grupo de países não alinhados comprometidos com os valores da justiça e do direito internacional”, ao mesmo tempo em que enfatiza que a iniciativa não é um ataque ao Estado de Israel, mas um esforço para salvar o que resta do sistema multilateral.

“É de se esperar que aqueles que defendem as atrocidades que estão sendo cometidas queiram rotular essa iniciativa como um ataque direto ao Estado de Israel. Mas não é disso que se trata. Trata-se de tentar salvar o que resta do sistema multilateral. É um convite a todos os países do Sul Global, em especial os três continentes do Sul que estão presentes no Grupo de Haia, para que se juntem a essa iniciativa. Trata-se de renovar, recriar, um movimento de países não alinhados para o século 21”.

O coordenador da Internacional Progressista ressalta que há uma estreita ligação entre a crise do direito internacional e a atual crise da democracia. Um exemplo disso foram os protestos em massa contra o genocídio em Gaza. Apesar das intensas mobilizações de milhões de pessoas em todo o mundo, por algo tão básico como exigir o fim das atrocidades cometidas contra o povo palestino, não só houve poucas ações concretas por parte dos governos para acabar com as mortes, como também os governos aliados a Israel se dedicaram a reprimir e perseguir esses protestos.

“Tudo o que vimos nos últimos 500 dias de genocídio reflete uma verdadeira crise global de democracia. Milhões de pessoas em todo o mundo saíram às ruas para protestar contra o genocídio, inclusive em países aliados ao Estado de Israel. No entanto, também vimos como essas demandas não se refletem nas ações de seus próprios governos, apesar de seus autodenominados sistemas democráticos”.

Dessa forma, a criação do Grupo de Haia representa uma esperança para a reconstrução do sistema de direito internacional no século XXI. “Não queremos ver o mundo em chamas ou reduzido a cinzas. O Grupo de Haia representa a possibilidade de reconstruir o sistema de direito internacional no século XXI, para que possamos proteger o mundo”.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho