As bravatas utilizadas pelo presidente da Argentina, Javier Milei, como as declarações de que o país deixaria o Mercosul e as ofensas contra populações LGBTQIA+ feitas durante o Fórum Econômico Mundial, ao final de janeiro, funcionam como "cortina de fumaça" para medidas impopulares de seu governo.
Para além disso, servem também para consolidar os setores da extrema direita em torno de inimigos comuns e manter sua base coesa. Essa é a análise de Bárbara Motta, da Universidade Federal de Sergipe, no episódio desta quinta-feira (13) de O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato.
"Podem servir como cortina de fumaça para que a gente não se atente a medidas concretas que estão sendo elaboradas para tirar direitos sociais, ao mesmo tempo que servem para conglomerar essas lideranças da extrema direita. A fala em Davos e outros movimentos recentes do Javier Milei estão interligados a um movimento mais amplo de retirada dos países de arranjos multilaterais, de identificação de um inimigo claro, digamos assim, na política. Essas falas nesses ambientes como o Fórum Econômico de Davos são importantes de ficarmos atentos, porque elas são também um movimento de comunicação com a própria base nacional, de lealdade cívica, de lealdade aos valores sociais tradicionais."
Quando Milei ameaça deixar o Mercosul, ou acena com a construção de uma cerca na fronteira com a Bolívia, Milei traz "uma característica dos líderes de extrema direita, que é a construção e identificação constante de inimigos a combater", aponta Motta.
"Com isso eu consigo canalizar o ressentimento social, consigo canalizar o ódio, principalmente em um contexto de agravamento da desigualdade social, da fome na Argentina. Mas se os indicadores macroeconômicos melhoraram, então o problema não é o governo, o problema é outro. E aí eu consigo encontrar um inimigo contra o qual eu preciso combater. Então eu consigo dar a direção, eu consigo dar sentido para essa política de hostilidade, mais uma vez, da qual extrema direita se alimenta. E eu consigo também criar um sentimento de povo, pelo menos de uma parcela desse povo, da população que enxerga esse inimigo e que tá disposto a combater esse inimigo."
Em relação à política externa da Argentina, o inimigo apontado por Milei são as lideranças progressistas da região, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais defensores do Mercosul e Luís Arce, presidente da Bolívia. Bárbara Motta aponta que, diante desse cenário, a relação da Argentina com outros países da região "provavelmente vai ser uma relação marcada por contratempos" e exigirá dos presidentes progressistas deve ser a de "gerar o menor atrito possível, evitar responder essas pequenas desavenças, essas pequenas implicâncias".
"É importante lidar com a Argentina a partir dessa tentativa de redução de conflitos, para que a gente consiga não ruir totalmente as bases que foram fundamentais para esse processo de integração regional e para que a gente possa estabelecer essas bases para retomada dessa relação no momento mais oportuno", aponta Bárbara Motta.
"Por exemplo, no caso da saída do Mercosul, só reagir no caso em que essa saída for colocada como concreta e não reagir a essas falas, simplesmente, de bravata, porque senão a gente faz com que a Argentina coloque a pauta das discussões do que será falado na região.
Essa postura do governo Milei contra os países vizinhos marca uma tentativa de aproximação com os Estados Unidos, em um alinhamento ideológico com o trumpismo. O jornalista argentino Gabriel Vera Lopes, correspondente do Brasil de Fato em Cuba, aponta que há nesse movimento de Milei um componente "emotivo" relacionado ao orgulho argentino e outro econômico, da dependência que o país tem da ajuda financeira dos EUA para lidar com a atual crise econômica.
"Argentina sempre foi um país com uma cultura muito orgulhosa dos seus triunfos no exterior. Então, nós sempre estamos falando de Maradona, do papa, Charlie Garcia, o que seja. E que Trump, o presidente dos Estados Unidos, fale do presidente da Argentina para um setor da Argentina, isso também é um motivo de orgulho. Mas tem uma coisa que é mais importante que tudo isto, que é a questão econômica. A Argentina necessita estabilizar a sua moeda e para estabilizar a sua moeda precisa de dinheiro", aponta Lopes.
"Do mesmo jeito que o o Macri conseguiu o acordo com o FMI para ter uma sobrevida e chegar até as eleições do 2019, eu acho que para que Milei consiga fazer isto direitinho, ele vai precisar de muito dinheiro. A Argentina está sem dólares e sua economia é muito dependente dos dólares por muitos motivos, mas um dos principais é que o problema da inflação tem uma relação muito direta com a falta de dólares. Então, se ele não conseguir com os Estados Unidos outro empréstimo, outro tipo de acordo deste estilo, vai ser bem difícil para a Argentina não ter um plano econômico não seja inflacionário."
O podcast O Estrangeiro é apresentado por Lucas Estanislau e Rodrigo Durão ao vivo toda quinta-feira às 10 horas.