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Como o cineasta Eduardo Coutinho ajudou Elizabeth Teixeira na ‘travessia do exílio para a vida’

Filme 'Cabra Marcado Para Morrer' retrata história da camponesa e de seu marido assassinado às vésperas do golpe de 64

Há exatos 100 anos, nascia uma heroína da luta pela reforma agrária no Brasil. Elizabeth Teixeira celebra seu aniversário nesta quinta-feira (13) com uma festa reunindo lideranças do movimento pela terra ao longo de três dias, em Sapé (PB).

A mulher marcada para viver, como é conhecida em referência ao filme de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado Para Morrer, de 1984, que conta sobre a luta e o assassinato de seu marido João Pedro Teixeira, morto em 1962 por conta da atuação dele nas Ligas Camponesas.

O filme começou a ser rodado logo depois do crime, mas teve que ser interrompido por conta do golpe militar de 1964, que colocou os arquivos como subversivos. Ameaçada, Elizabeth Teixeira teve que “se exilar no próprio país”, conta Alane Lima, presidenta do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (13).

Teixeira se mudou para o interior do Rio Grande do Norte, levando apenas um dos 11 filhos que teve com o marido assassinado. Lá, com o nome alterado, começa a carreira de professora na alfabetização de jovens e adultos em São Rafael (RN).

É apenas na década de 1980 que o cineasta Eduardo Coutinho a reencontra e consegue fazer com que volte para sua cidade e, juntos, concluam o filme. 

"Eduardo Coutinho foi muito importante, foi uma travessia, inclusive. Ele proporcionou essa travessia de Elisabeth Teixeira do exílio para a sua vida, mesmo a vida implicada com tantas violações e violências, mas ela conseguiu retornar a partir dessa relação com Eduardo Coutinho", explica Lima

Elizabeth Teixeira vive em João Pessoa, mas esses dias estará em Sapé durante a programação especial do seu centenário.

Confira a entrevista completa com Alane Lima sobre a história de Elizabeth Teixeira e das Ligas Camponesas.

Qual é história da Elizabeth Teixeira?

Elizabeth Teixeira, como a gente diz, a mulher marcada para viver, é filha de um pequeno proprietário aqui na região de Sapé, que também compunha o grupo da Várzea, que era um grupo de famílias tradicionais, latifundiárias, que mantinha um controle aqui da maioria das terras, das fazendas.

Durante o período da década de 1950 e 1960, acontece um levante dos camponeses contra a precariedade no campo, contra a exploração da força de trabalho no campo. Como resposta, esses latifundiários se organizaram para tentar combater o movimento das Ligas [Camponesas] aqui na região. 

O pai da Elizabeth era um desses proprietários, não era grande proprietário, mas compunha esse grupo.

Elizabeth, filha de um dos proprietários de terra, se apaixona por um trabalhador, negro, que trabalhava também como boia fria, e eles passam a se conhecerem a partir do barracão. 

O barracão é uma estrutura que geralmente tem nas fazendas grandes como se fosse uma mercearia, onde os trabalhadores compram o mínimo para sobreviver. Inclusive, é aí que os trabalhadores acabam sendo endividados pelos próprios patrões.

A Elizabeth cumpria essa função no barracão do pai. Ela conhece João Pedro lá e eles passam a se falar a partir de cartas. Eles acabam se casando e foram morar juntos, e João Pedro sempre nessa luta de despertar os camponeses. 

Um dia, João Pedro saiu de casa e foi até João Pessoa para comprar livros para os filhos estudarem e foi quando ele foi assassinado com três tiros de fuzil, por dois policiais e um capanga, a mando de uma  família proprietária de terras.

Elizabeth Teixeira, quando descobre a morte, jura dar continuidade às ligas. Ela assume o papel de liderança. Depois disso, ela passa por diversas tragédias, tem uma filha que se suicida em decorrência de toda violência. Um filho que sofre um atentado com apenas 12 anos, porque diz que vai jurar a morte do pai. Então é um círculo de muita violência. 

Mesmo com tudo isso, ela segue em frente e dedicou a vida a esse anseio, esse desejo de luta pela terra, de um bem estar e um ideal coletivo.

Quando ela assume isso, ela passa também a ser perseguida. Então, ela tem que se exilar, dentro do próprio país. Ela vai para São Rafael, uma cidade no Rio Grande do Norte, e lá ela passa 17 anos. 

E dos 11 filhos que ela teve com João Pedro Teixeira, ela só pôde levar um. É muito complexo isso, porque para além de todo o cenário de violência, de violação dos direitos dela, ela também perde essa relação com os filhos. 

Ela só consegue voltar e reencontrar esses filhos na década de 1980 aqui na Paraíba, quando ela retoma essa luta junto aos movimentos, aos sindicatos, às escolas e assume um papel importantíssimo na educação. 

Como foi esse processo dela se tornar professora alfabetizadora em São Rafael?

No exílio, ela mudou de identidade. Ela escolheu como nome Marta Maria da Costa, que, inclusive, é o nome de uma de suas filhas. 

Em São Rafael, ela não teve apoio nenhum para sobreviver, de sustento, nada, estava sozinha. Ela teve a vida ceifada em vida.

Nessa situação de crise, ela decide alfabetizar, porque ela sabe que a partir da alfabetização é que a gente consegue transformar. A partir da educação das crianças é que ela conseguiria a transformação que desejava.

Ela passou a alfabetizar as crianças da comunidade e alfabetizar não um formato qualquer, mas de utilizar o seu contexto para poder estar refletindo junto a essas crianças [sobre] a importância de se educarem. 

Só quando ela conhece Eduardo Coutinho, na década de 80, que todo mundo lá em São Rafael passa a saber que ela não é Marta Maria da Costa, que ela é Elizabeth Teixeira e que é uma grande lutadora, né, que estava lá anistiada para poder sobreviver. 

E como foi esse encontro com o cineasta Eduardo Coutinho?

A gravação do filme Cabra Marcado Pra Morrer inicia durante a ditadura militar, mas, com o golpe de 64, todo o material da gravação do filme de Eduardo Coutinho foi colocado como subversivo, porque trazia, inclusive, essa realidade de exploração do campo. 

E quem eram os protagonistas desse filme? Eram exatamente os camponeses que vivenciavam e protagonizavam as Ligas Camponesas.

Com o golpe de 64, Eduardo Coutinho é obrigado a parar a gravação do filme. Elizabeth tem que se refugiar. Outros camponeses também precisam se refugiar em outros lugares. 

E aí fica em stand by e, na retomada, na década de 80, quando Eduardo Coutinho encontra Elizabeth Teixeira em São Rafael, é uma mudança de uma virada de chave.

Elizabeth Teixeira que estava esse tempo todo no exílio, com a chegada de Eduardo Coutinho, tudo muda, então Elizabeth passa novamente a voltar a ser aquela mulher liderança que estimula e que traz esse campesinato a lutar por seus direitos. 

E aí Eduardo Coutinho consegue trazer Elizabeth aqui para a Paraíba e, com a venda dos ingressos do filme Cabra Marcado para Morrer, ele consegue adquirir uma casa e passa para Elizabeth Teixeira, que é a casa onde Elizabeth mora hoje, em João Pessoa.

Então, Eduardo Coutinho foi muito importante, foi uma travessia, inclusive. Ele proporcionou essa travessia de Elisabeth Teixeira do exílio para a sua vida, mesmo a vida implicada com tantas violações e violências, mas ela conseguiu retornar a partir dessa relação com Eduardo Coutinho. 

Como vocês avaliam os avanços da reforma agrária hoje?

Mesmo com seus 100 anos, ela ainda continua nos ensinando que é preciso continuar a luta, a reforma agrária ainda não aconteceu no nosso país. Prestes a completar 100 anos, ela diz que é preciso haver reforma agrária.

A gente não pode permitir que isso se mantenha. Esse centenário é também para dizer que é preciso ainda haver reforma agrária, mesmo tendo passado esse tempo todo a reforma agrária no nosso país ainda não houve.

É uma política que a gente sabe que tem viabilidade, é uma política que a gente sabe que os projetos de assentamentos implantados e as famílias que tiveram acesso à terra apresentam o resultado na produção, apresentam resultado quando têm acesso a crédito, apresenta o resultado quando tem acesso à educação. Então é uma política possível, real e viável.

Que o governo Lula faça a reforma agrária e que traga os créditos para as famílias que já tiveram acesso. A terra só pela terra sem benefícios não resolve. A gente precisa garantir que a gente tenha terra, mas também o crédito para fazer que o alimento possa chegar na mesa dos brasileiros e brasileiras.


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