O ano letivo na rede municipal começou com o anúncio de duas medidas que nos deixam, mães de escola pública, extremamente preocupadas. O prefeito Ricardo Nunes, seguindo os passos do governador do estado, Tarcísio de Freitas, busca seguir com o projeto político de privatização dos serviços públicos e de naturalização da presença de agentes da segurança pública no ambiente escolar.
Em entrevistas a jornais, tanto o prefeito quanto seus secretários, deram declarações de que farão "projetos pilotos" em algumas escolas, sem no entanto apresentar a publicação de legislação que dêem a publicidade devida e o amparo legal a essas medidas.
Nunes e o secretário de educação do município, Fernando Padula, declararam em entrevistas que as 50 escolas mais vulneráveis de São Paulo terão gestão privada, buscando replicar o modelo do convênio com o Liceu Coração de Jesus, única escola de ensino fundamental com gestão terceirizada na rede municipal.
Justificada pela pretensão de buscar uma melhoria no aprendizado frente aos resultados do Ideb de 2024, defende que redes educacionais privadas apresentarão o desempenho que a rede municipal não estaria conseguindo atingir.
A política ainda não foi apresentada formalmente, mas já conseguimos apontar algumas questões importantes. Como será possível um Conselho de Escola exercer a gestão democrática com plenitude e independência frente a uma gestão que irá implementar a sua concepção de escola? Como os professores terão garantida a sua liberdade de ensinar em uma relação privada de trabalho, sem estabilidade? Como a escola desenvolverá seu projeto político pedagógico, em permanente relação com o território, com a participação de toda a sua comunidade, se as concepções de valorização do desempenho privilegiam as plataformas, a uniformização dos saberes e a intervenção de cima para baixo? Qual a autonomia que essas escolas têm de aderir ou não a essa política?
Em outra frente, a prefeitura implementou em 20 unidades, no dia 5 de fevereiro, um "reforço à segurança escolar", onde os agentes vão permanecer no ambiente escolar em todos os dias do ano letivo e durante o período de funcionamento. Novamente as unidades foram escolhidas segundo "critérios de vulnerabilidade" que não estão evidentes. Sem uma regulamentação e uma justificativa formal disponíveis, algumas preocupações surgem: os agentes estarão armados? Quais os protocolos que os guardas seguirão em casos de conflitos envolvendo estudantes? Quais as evidências científicas que amparam essa decisão, nos aspectos pedagógicos e sócio emocionais dos estudantes? Essa é uma decisão imposta, ou o conselho de escola tem agência para decidir sobre as questões importantes que afetam a unidade, seguindo os princípios da gestão democrática?
Chama a atenção que ambos anúncios falam das escolas e dos territórios mais vulneráveis. Baixo desempenho escolar, vulnerabilidade e maior número de "ocorrências" acontecem em locais carentes de política pública, não à toa. Por isso, acreditamos que cabe questionar: os entornos dessas escolas são dotados de equipamentos de cultura? Bibliotecas? Hospitais? Essas escolas têm saneamento básico e fornecimento de água com regularidade? A comunidade dispõe de moradia de qualidade e emprego formal? Há espaços de lazer e esportes?
Além disso, qual o investimento que a prefeitura tem realizado para que esses sejam territórios educadores, e suas comunidades tenham seus direitos garantidos? A educação não consegue dar conta de todo esse contexto de violação de direitos. Tampouco a privatização e a presença de guardas civis dentro das escolas são soluções que enfrentam as verdadeiras causas da desigualdade que permeia a sociedade e, consequentemente, as escolas.
Em 2023, o Plano Municipal de Educação foi revisado com ampla participação popular, onde foram diagnosticados muitos problemas e elencadas diretrizes para enfrentá-los. Em nenhum dos eixos do Plano foram levantados convênios com a iniciativa privada ou a Guarda Municipal dentro das escolas como ações necessárias.
A Secretaria Municipal de Educação e o prefeito de São Paulo, mais uma vez, escolhem relegar uma política estrutural de médio e longo prazo, elaborada por quem de fato faz a educação na cidade, para recorrer a medidas pontuais e populistas. Dessa forma, abre mão de sua responsabilidade de implementar e aprimorar as políticas públicas, de prestar um serviço de qualidade que enfrente as desigualdades sociais e atenda às reais necessidades da população.
*Ciça Teixeira é mãe de dois adolescentes que estudam na rede municipal de São Paulo e milita pelos direitos de mães, crianças e adolescentes com o Coletivo Rema.
**Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato.