A proposta de Donald Trump para a reconstrução da Faixa de Gaza, apresentada há dez dias em uma coletiva em conjunto com o premiê israelense Benjamin Netanyahu, foi um dos temas mais destacados da entrevista exclusiva que Osama Hamdan, um dos principais dirigentes do movimento de resistência palestino Hamas, concedeu ao jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman.
Durante a conversa, Hamdan foi questionado sobre qual é a sua opinião sobre a proposta de Trump. Segundo ele, se trata de “um perigo para todo o mundo”.
O projeto do presidente norte-americano consiste em fazer uma limpeza étnica no território, expulsando os cerca de 2,5 milhões de palestinos residentes e iniciando a construção de um ressorte de luxo, ao qual o mandatário se referiu como “Riviera do Oriente Médio”.
Hamdan separou sua resposta em três pontos. “O primeiro tema sobre esse projeto é que ele mostra como o presidente Trump não entende o significado de ‘Pátria’. Ele é um corretor de imóveis. O corretor acredita que o Estado é um imóvel, que os palestinos podem vender sua terra natal, o que é uma ideia muito boba”.
“A Palestina é a nossa Pátria. Estamos lutando há 100 anos para recuperá-la, desde a ocupação britânica até a ocupação israelense. Nós não desistiremos. Vamos continuar. Estamos falando de quatro gerações de resistência que não desistiram”, acrescentou.
O segundo ponto destacado por ele foi que “este princípio (defendido por Trump) irá destruir todas as relações internacionais”. No terceiro e último, Hamdan ressaltou que “Trump não fala sobre o povo da Palestina como os verdadeiros donos da terra, e sim como pessoas que devem ser simplesmente evacuadas”.
“Se você quiser evacuar alguém, você tem que evacuar pessoas que vieram de fora da Palestina, ocupando a Palestina. Você tem que evacuar os ocupantes que vieram de diferentes lugares em todo o mundo, ocupando as terras palestinas. Você pode, inclusive, dar a eles parte dos Estados Unidos, que é um Estado muito grande, um país muito grande, alguns estados da América, devem ser dez vezes maiores que a Palestina”, declarou o líder palestino.
Hamdan concluiu sua resposta defendendo “o direito do povo palestino de determinar seu futuro, para decidir como ele quer viver, respeitar as escolhas e opções palestinas. Não se pode simplesmente forçar os palestinos a aceitar uma imposição, isso é tentar resolver o problema a partir das necessidades dos ocupantes, ou seja, dos israelenses”.
Veja trechos da entrevista de Breno Altman com Osama Hamdan:
Breno Alrman: Sr. Hamdan, desde o dia 19 de janeiro, ataques militares na Faixa de Gaza foram suspenso graças ao acordo de cessar-fogo assinado entre o Hamas e Israel. Como você avalia a implementação do cessar-fogo até o momento?
Osama Hamdan: Bem, obrigado por me receber. Eu acredito nisso, até agora, no nível da troca de prisioneiros, as coisas estão indo bem, quase sempre sem problemas. Mas, em nível humanitário, Israel ainda está colocando obstáculos para impedir a implementação completa para essas providências dos acordos de cessar-fogo. Israel deveria permitir todos os materiais necessários para ambos os problemas, a ajuda humanitária e a assistência médica. E também tendas e caravanas para as pessoas que suas casa foram demolidas pelos israelenses. Até agora estão colocando alguns obstáculos. Conversamos várias vezes com os mediadores.
As coisas estão indo melhor agora, mas não é de acordo com os limites que foram assentidos. Infelizmente, este é a maneira israelense usual de lidar com qualquer tipo de acordos ou arranjos. Continuaremos pressionando para conseguir uma implementação completa para esse acordo. Mas, em geral, posso dizer que é melhor do que a situação em novembro de 2023. Se você se lembra, quando houve alguma troca de prisioneiros e os israelenses minaram todo o processo naquela ocasião. Desta vez, a situação é melhor do que a situação naquele momento.
A maioria dos reféns, especialmente as mulheres, parecem estar em boas condições de saúde. Como o Hamas conseguiu escondê-los, protegê-los e alimentá-los? Como você responde às alegações de maus-tratos e até mesmo estupro feito por Israel?
Bem, acho que as alegações de Israel foram desvendadas como grandes mentiras no início do dia 7 de outubro de 2023, quando afirmaram que as mulheres foram estupradas, que crianças foram decapitadas, que os corpos foram queimados em fornos. Eles tentaram trazer de volta imagens do Holocausto. Mas isso foi refutado depois de um tempo. Até mesmo as pessoas que falaram sobre essas histórias ou mentiras conversaram em público após 40 ou 50 dias que eles disseram aquilo de propósito para dar suporte à operação do Exército israelense contra os palestinos em Gaza. Eles disseram isso em público. Todo mundo sabe que isso é mentira agora.
Quando eles falaram sobre os prisioneiros israelenses em Gaza, eles também tentaram criar uma falsa história de que foram maltratados. Todos perceberam como foram bem tratados, como eles conversaram de forma positiva sobre os palestinos.
Acredito que todos sabem que Israel está mentindo. As imagens dessas prisioneiras israelenses em Gaza, isso mostra o fato.
Mas, infelizmente, está claro apenas para as pessoas que se sentem livres. Não está claro para o governo dos Estados Unidos, infelizmente, porque eles não tratam a comunidade internacional com base na liberdade. Eles ainda pensam na ideia de escravidão. Eles acreditam que são os proprietários do planeta e todas as pessoas são suas escravas. Portanto, eles não acreditam que as pessoas que estão buscando sua liberdade. Eles acreditam que as pessoas estão buscando ter os palestinos como escravos em sua própria terra natal.
O Hamas sempre rejeitou a solução dos “dois Estados” proposta pelas Nações Unidas desde 1947 e agora abertamente rejeitada por Israel. Talvez os Estados Unidos também estejam rejeitando a solução dos “dois Estados” após a posse de Trump. O senhor ainda recusa este caminho ou poderia aceitar um tratado de paz que garanta a criação de um Estado palestino dentro dos territórios definidos pelos Acordos de Oslo em 1993?
Bem, tenho que começar com uma ideia simples. Não é a ideia de rejeição. É a ideia de… Como você define seus direitos? Qual é a definição real da terra palestina? Está claro. Essa terra foi ocupada pelo Império Britânico após a Primeira Guerra Mundial. As fronteiras foram determinadas. Todos os documentos do governo britânico falaram sobre a Palestina. Ele não falou sobre nenhum outro Estado nesta terra. Ele falava sobre os palestinos. Ele não falou sobre nenhuma outra nação nesta terra. Um homem, Arthur Balfour, ele falou sobre a vontade de seu governo para construir um Estado nacional para o povo judeu em solo palestino. Esta é sua declaração. Um judeu, nacionalmente judaico, disse: ‘Para o povo judeu em solo palestino’. Na mesma mensagem, ele diz: É uma terra palestina, mas ele quer criar outro Estado para outras pessoas.
Portanto, temos uma posição muito clara como Hamas. Esta é uma terra para os palestinos. Não temos nenhum problema se alguém quer morar conosco, mas sob o governo do Hamas, dos palestinos. Ele tem que admitir isso: é uma terra palestina. Ele pode ser um palestino de acordo com a lei palestina, como qualquer outro país livre, como qualquer outro país democrático.
Você pode ser um cidadão, mas é um Estado palestino. Esta é a nossa posição. Essa é a nossa crença. Não vamos jogar qualquer um no mar. Não vamos jogar qualquer um aos peixes para ser comido por eles. Não, estamos falando sobre os fatos.
Você não tem nenhum problema em falar com um jornalista judeu como eu.
Não temos nenhum problema em falar com qualquer judeu. Não temos nenhum problema com os israelenses porque eles são judeus. Não temos esse problema. De fato, temos o problema com os ocupantes, mesmo que fossem de nossa própria religião, porque simplesmente você não pode aceitar ser ocupado. Você não pode aceitar assistir seus direitos serem tomados por outros sem fazer nada.
Mas se você quiser falar sobre a religião das pessoas, todos sabem que respeitamos isso. Como palestinos, nós respeitamos os cristãos, o povo judeu por sua religião. (…) Mas, quando eles decidiram ocupar a terra, esse foi o início da ocupação. Essa é a ideia sobre nossos direitos. Então, algumas pessoas começaram a dizer que o Hamas vai minar qualquer processo de criar um Estado palestino. Dissemos claramente que se havia um Estado palestino soberano independente na linha do dia 4 de junho de 1967, incluindo Jerusalém como um Estado como capital do Estado, permitindo que o povo palestino, os refugiados voltarem para casa, de volta para suas próprias terras, sua terra natal, seus vilarejos e cidades, mesmo que estivesse ocupado em 1948, não vamos nos opor a isso.
Mas isso não quer dizer, isso não significa, que a outra parte da Palestina não se torne Palestina. Sempre será Palestina.
Sr. Hamdan, o principal objetivo estabelecido pelo governo israelense desde o dia 7 de outubro foi destruir o Hamas. Muitos líderes da organização foram mortos. Como você avalia a situação atual do Hamas após esses 15 meses de combate intenso? Quem está ou quem estava ganhando a guerra?
Após 15 meses, devo dizer que é claro para todos que Israel não ganhou a guerra contra os palestinos. Bem, eles mataram 50 mil e até mais palestinos, 52 mil palestinos. Eles feriram mais de 110 mil palestinos. Eles destruíram 70% das casas na Faixa de Gaza. Eles destruíram a maior parte da infraestrutura em Gaza. Eles são assassinos, eles são terroristas e são matadores. Esse Exército pode matar e pode destruir, mas não conseguem vencer uma luta quando se trata de pessoas livres que querem ser libertas da ocupação.
Pela primeira vez, os israelenses são procurados pela Corte Internacional de Justiça. Isso não acontecia antes. Isso significa que seus rostos e sua verdadeira face foram revelados. Eles tentaram se mostrar ao mundo como um Estado democrático. Eles tentaram falar sobre a vontade de ter paz na região.
Mas, de fato, durante os últimos 15 meses, sua verdadeira face foi revelada. Todos viram seu pior lado, o verdadeiro pior lado de Israel. Um Exército que está matando as pessoas sem nenhum arrependimento, destruindo suas vidas sem nenhum arrependimento.
Se você quiser falar sobre os objetivos do ataque israelense, para derrubar a resistência, para destruir a presença do Hamas em Gaza, para ter os prisioneiros israelenses de volta e para evacuar Gaza dos palestinos, esse era um dos objetivos. E é por isso que Trump continua dizendo que ainda não perceberam que a guerra terminou. E estamos falando de cessar-fogo. Então, ele pensou que há uma chance para que essa meta seja alcançada. Após 15 meses, descobriram que não conseguem atingir esses objetivos.
Artigo original publicado em Opera Mundi.