O Festival da Memória Camponesa, que celebra o centenário de Elizabeth Teixeira, ícone das Ligas Camponesas e símbolo da luta pela reforma agrária no Brasil, seguiu com uma programação intensa neste segundo dia, 14 de fevereiro, em Sapé (PB). O evento, que começou no dia 13 e vai até o dia 15, reúne atividades culturais, exposições e debates que resgatam a trajetória de resistência de Elizabeth e reforçam a importância da luta pela terra.
LUTA CAMPESINA | Elizabeth Teixeira faz 100 anos: festival celebra trajetória de resistência e
Marcha da Memória Camponesa marca o segundo dia
O ponto alto do dia foi a Marcha da Memória Camponesa, que percorreu o trajeto da Capelinha João Pedro Teixeira até o Memorial. A marcha, que contou com a participação de centenas de pessoas, simbolizou a resistência e a luta camponesa, temas centrais da vida de Elizabeth Teixeira.
Reprodução / Foto: Carol Borges
Além da marcha, o segundo dia do festival foi marcado por uma série de lançamentos e apresentações culturais. Logo pela manhã, o Coletivo Casaca de Couro abriu a programação com uma apresentação que emocionou o público.
Lançamentos e homenagens
Reprodução / Foto: Carol Borges
Um dos momentos mais esperados foi o lançamento da reedição do livro "Eu marcharei na sua Luta", que narra a trajetória de Elizabeth Teixeira e sua luta incansável pela reforma agrária. Em seguida, foi lançado o livro "Memória Camponesa", que resgata histórias de resistência no campo.
Reprodução / Foto: Carol Borges
Outro destaque foi o lançamento da Plataforma do Acervo Digital do MLLC (Memorial das Ligas Camponesas), que promete ser uma ferramenta importante para preservar a memória da luta camponesa no Brasil. O cordel "Elizabeth Teixeira" também foi apresentado ao público, celebrando a vida e a luta da homenageada em versos e rimas.
Reprodução / Foto: Diego Rezende
Exposição e apresentações culturais
À tarde, a Marcha da Memória Camponesa tomou as ruas da comunidade tradicional de Barra de Antas, em Sapé, reunindo militantes, familiares e companheiros da causa camponesa. Após a marcha, o público pôde conferir a abertura da exposição "100 Faces de uma Mulher Marcada para Viver", que retrata a vida e a resistência de Elizabeth Teixeira através de fotografias e documentos históricos.
Reprodução / Foto: Carol Borges
As apresentações culturais continuaram com shows de Manegrafia e Zilma e Naldinho Freire, que animaram o público com músicas e ritmos que celebram a cultura e a luta do povo nordestino.
Reprodução / Foto: Carol Borges
Encerramento com tradição
O dia foi encerrado com o Coco Caiana dos Crioulos, grupo cultural que mantém viva a tradição do coco de roda, sob a liderança da Mestra Cida. A apresentação foi um momento de celebração e resistência, encerrando o segundo dia do festival com muita energia e emoção.
Reprodução / Foto: Diego Rezende
Sobre Elizabeth Teixeira
Elizabeth Teixeira é um dos símbolos mais emblemáticos da luta pela reforma agrária no Brasil. Viúva de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas assassinado em 1962, Elizabeth enfrentou perseguições, perdas e exílio, mas nunca abandonou a luta pela terra e pela justiça social. Seu centenário é celebrado não apenas como uma homenagem à sua trajetória, mas também como um chamado para que a luta pela reforma agrária continue viva.
Reprodução / Foto: Carol Borges
O Festival da Memória Camponesa segue até o dia 15 de fevereiro, com uma programação que inclui debates, oficinas e mais apresentações culturais.
Reprodução / Foto: Diego Rezende
Veja alguns depoimentos de personalidades, autoridades e lideranças presentes no evento
Josilene da Silva Oliveira
Reprodução / Foto: Cida Alves
"Eu sou daqui da comunidade, e esses 100 anos de Elizabeth Teixeira, que é uma guerreira, uma pessoa de luta e resistência, principalmente por ter passado por todo esse processo de luta e resistência. Assim, como uma mulher forte, vamos continuar fortalecendo nossa luta. Eu vejo que este é um momento histórico, de levantar a história e a luta, de levar um abraço e uma palavra de apoio. Já estamos trazendo essa renovação, e neste momento, estamos mais unidos. Mas sabemos que não é fácil. A vitória vem com o esforço coletivo, e é assim que conseguimos avançar. Porque também temos os exemplos da luta de ontem. Já vamos completar 28 anos de lutas, e até agora não conseguimos tudo o que queríamos, mas seguimos firmes. E Elizabeth traz essa luz, essa força para continuarmos na luta pela reforma agrária. Isso nos fortalece cada vez mais. Já são 28 anos, mas não podemos deixar essa chama se apagar. Temos que mantê-la sempre acesa."
Cecília Gomes – Coordenação Nacional da CPT
Reprodução / Foto: Cida Alves
"Elizabeth Teixeira é uma inspiração em vida. Aqui, neste sítio de Barra de Antas, em Sapé, temos um símbolo maior da resistência e da luta camponesa, da luta pela reforma agrária. Elizabeth Teixeira, essa mulher que todo dia se supera e todo dia supera a morte, foi realmente marcada para viver. Ela traz na alma, no sangue, essa força que a mantém firme na luta por justiça e por justiça social. Não apenas justiça pelo retorno ou pelo reconhecimento do seu esposo, ou por tudo o que ela vivenciou, mas ela se mantém viva para lutar por justiça, para que nenhuma mulher, nenhuma família, passe pelo que ela passou. Elizabeth foi uma mulher que viveu de forma cruel neste país, e isso dói na nossa alma, enquanto mulheres, enquanto lutadoras, enquanto resistência camponesa. O que mais nos dói é saber que não foi possível fazer mais por ela no momento em que ela mais precisou. Hoje, ela é um grande exemplo de resiliência e resistência. Ela é uma pessoa verdadeiramente marcada para viver. E não é justo que, em um país como o nosso, tantas famílias ainda não tenham uma vida digna, que tantos camponeses ainda não tenham acesso à terra".
Eva Vilma – Coordenação do MST Estadual
Reprodução / Foto: Carol Borges
"O sonho da reforma agrária, a esperança de que a terra seja dividida e esteja nas mãos de quem nela trabalha, vive dentro de nós. E esse centenário significa justamente isso: que não fique só na memória, mas que saia daqui com o compromisso de continuar a luta, nossas ocupações e fazer com que o sangue derramado de todos os companheiros e companheiras, inclusive de João Pedro Teixeira, se transforme em semente. E que essa semente se transforme em assentamento. Estar aqui no centenário de Elizabeth Teixeira, como mulher e militante, é uma emoção gigante. Vê-la viva, com muita saúde, continuando sua história, nos dá a tarefa revolucionária de seguir adiante. Os desafios são enormes, mas temos que aprender com o passado, agir no presente e entender que o futuro ainda reserva muitos obstáculos. Continuamos enfrentando latifúndios improdutivos, a grilagem de terras se modernizou, a violência no campo aumentou e está se reinventando. Nós também precisamos reinventar a luta. Elizabeth está presente nas marchas, nas ocupações, nas escolas do campo, e está presente no sonho e na esperança de todos e todas nós. Por isso, esse centenário tem um significado imenso. Queremos dizer às autoridades, e gritar, como João Pedro Teixeira disse: a reforma agrária terá que ser na lei ou na marra. E já que não é na lei, terá que ser na marra. Todo latifúndio improdutivo deve ser nossa bandeira. Essa terra terá que ser dividida. Elizabeth Teixeira tem sua história de vida marcada por muita dor e muitas perdas. Mesmo tendo sido exilada em seu próprio país, enfrentando uma ditadura, ela nunca deixou de lutar e nunca perdeu a esperança. Da mesma forma que estamos acompanhando o Oscar com o filme ‘Ainda Estou Aqui’, nós do MST torcemos para que a história de Elizabeth também se transforme em filme. Na realidade, essa história já é o nosso cotidiano, de quem está na luta. Acreditamos que as pessoas, para além dos movimentos e partidos políticos, precisam conhecer a vida de Elizabeth Teixeira, essa camponesa da resistência. Sua história tem que estar presente nas escolas e nas universidades. Ela ainda está viva, e temos que continuar escrevendo sua história".
Marcia Lucena
"Eu fico emocionada porque, como cidadã e mulher, a gente sabe das dificuldades de colocar em prática nossas ideias. São tantos empecilhos! Agora, imagine isso na época da morte de João Pedro Teixeira. Essa mulher, com 11 filhos, teve que se separar deles, ganhar um novo nome, uma nova identidade e uma nova vida. Sobreviver a tudo isso… Quando a gente olha para a história passada, até se emociona. Mas uma coisa é ler sobre a história, outra é viver essa história a cada minuto, a cada dia, a cada momento. É preciso ser uma mulher muito especial e muito forte para enfrentar tudo isso. É isso que está acontecendo aqui hoje. É isso que nos emociona. Ela, com 100 anos de idade, trazendo essa força, essa alegria e essa beleza. Então, eu estou muito feliz, não só como mulher, mas também como diretora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), porque estamos aqui, nesse evento, acolhendo o desejo da comunidade e das pessoas camponesas. Queremos transformar esse espaço tombado em um lugar especial, e isso tem muito a ver com o que o Iphan pretende hoje: essa proximidade não só com as comunidades e as pessoas, mas com a sociedade de maneira geral. É também um compromisso com a retomada da nossa história, da nossa identidade e do nosso patrimônio histórico e social".
Marta Teixeira – Neta de Elizabeth Teixeira
Reprodução / Foto: Carol Borges
"É uma emoção muito grande estar participando desse momento com todos os companheiros e ver tanta gente de luta. Para a família, reviver tudo isso aqui, nesse lugar onde minha avó, minha mãe e minha família viveram, é uma emoção e uma felicidade imensa. Ao mesmo tempo, bate uma tristeza por sabermos da história e de todo o sofrimento que passaram. Mas há também uma alegria e uma emoção muito grande por ver a resistência da minha avó. Estamos aqui por ela, e a luta continua. Fico muito feliz de estar aqui reunida com a minha família, inclusive os pequeninos, que estão aprendendo a história da minha avó. Estamos vivendo esse momento com eles e com ela. Tantas formas de morrer, digamos assim, e tantas formas de viver. Ela está aqui, com 100 anos, até hoje falando sobre reforma agrária. Ou seja, o sonho não morreu para ela. Apesar dos 100 anos, ela carrega isso como uma bandeira. Isso é hereditário. A luta está aqui, está no sangue. Eu tatuei minha avó no braço para todo dia olhar para ela, lembrar da luta dela e saber que a luta continua. É uma forma de nunca esquecer e de ter força para lutar e viver todos os dias".
Rosmeri Witcel – Coordenação Nacional do MST
Reprodução / Foto: Cida Alves
"O sonho da reforma agrária está muito vivo. Este momento é uma celebração linda e emocionante para nós, que somos militantes da luta pela reforma agrária, sobretudo para nós, mulheres. Sabemos o quanto deve ter sido doloroso para ela, e a gente fica buscando entender de onde ela tirou tanta força. Ao olhar a história de vida da Elizabeth aqui dentro do memorial e conhecendo um pouco da sua trajetória, a gente tenta compreender: de onde ela tirou tanta força diante de tanta dor, tantas perdas e mortes? Aquele olhar sereno e carinhoso que ela tinha com todo mundo parece mostrar que ela encontrou essa força justamente na luta e na esperança por justiça. Desde o início, ela sempre falava: "Cadê a reforma agrária?" Essa falta da reforma agrária a incomodava profundamente. Uma vez, ela me disse: "Cadê a reforma agrária, minha filha? Tem que ter reforma agrária para a gente poder plantar mandioca, abóbora, colocar comida na mesa e matar a fome do povo." Parece que foi aí que Elizabeth buscou essa força. Falar dessa mulher, que abriu caminho para nós, trabalhadoras rurais, é pensar na luta que ela travou contra o latifúndio. Ao olhar para a casa dela, a gente percebe — não sei se você notou — que ela abriu uma janelinha na cozinha. Parece que era para vigiar os pistoleiros que a rodeavam. Ela, com a casa cheia de filhos, passou por tudo isso e não desistiu. Continuou firme. Ela lutou a vida inteira, completou 100 anos de vida, e durante todo esse tempo, enfrentou a violência do latifúndio, que ainda hoje mata trabalhadores, assim como matou seu companheiro e provocou a morte de dois filhos — na verdade, um filho e uma filha que se suicidou. Olhar para as perdas de Elizabeth, para tudo o que ela perdeu na vida, é também olhar para a escolha que ela fez: a escolha pela luta. Ela decidiu lutar, e essa decisão nos inspira até hoje".
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