Na última terça-feira, 11 de fevereiro, o Fórum Boanerges de Queiroz Facó, localizado em Iguatu, município situado a 364,6 km da capital cearense, recebeu o Tribunal do Júri Popular da Comarca de Iguatu para o julgamento da morte do estudante Jheyenderson de Oliveira Xavier. Em sessão que teve mais de 10h de duração, o júri popular formado por sete jurados foi presidido pelo juiz Eduardo André, e condenaram os réus a mais de 38 anos de prisão.
O caso do estudante cearense, também conhecido apenas como Jhey de Oliveira, faz parte da série de assassinatos conhecidos como “Crimes do Sítio Canto”, ocorridos na zona rural de Iguatu entre 2017 e 2018. O caso ganhou popularidade em maio de 2018, e chamou atenção de toda a população da cidade, do estado e do Brasil. Naquele ano, os responsáveis pelo crime Roberto Alves da Silva e Desiree Dantas (identificado à época como Gleudson Dantas Barros) foram presos e afirmaram à polícia que assassinaram o jovem num ritual de ‘magia negra’..
Jhey foi assassinado com apenas 24 anos de idade, quando era estudante do curso de serviço social no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), e também militante do Levante Popular da Juventude, onde atuava de forma incansável na luta em defesa dos direitos da população LGBTQIA+.
Atualmente professor e na época companheiro de luta dentro do Levante Popular da Juventude, Erik Willer, relembra que conheceu o jovem Jhey ainda nos movimentos de rock em Iguatu, e ressalta que sempre foi conhecido e querido por todos da cena. O professor resgata ainda o momento em que Jhey entrou na universidade e passou a integrar as fileiras de luta do Levante Popular da Juventude. “Quando Jhey entrou no curso de Serviço Social no IFCE, eu já estava na UFPI e de lá, fiquei feliz quando o vi iniciar sua militância no Levante Popular da Juventude. Quando retornei ao Ceará, Jhey deu uma contribuição imensa para o processo de reorganização do movimento na cidade”, afirma. Willer assegura ainda que Jhey era amado por todos os companheiros e companheiras do Levante, e que sua disposição para construir o movimento era um exemplo para todos os companheiros e companheiras.
Durante o ocorrido, o Levante Popular da Juventude construiu uma campanha de justiça pela perda de Jhey, que teve sua vida e seus sonhos interrompidos quando ainda jovem / Levante Ceará
Willer destaca que na época do desaparecimento do jovem, companheiros e companheiras, amigos e familiares de Jhey tiveram de lidar com a notícia com o coração aflito, mas sem poder viver essa aflição. “O Levante Iguatu iniciou a campanha pela sua procura, de maneira imediata, ao notarmos seu sumiço. O Levante foi responsável por conseguir as imagens da rua onde Jhey desapareceu, em companhia com o seu assassino, e foi o Levante que passou essas imagens à polícia. Isso levou a elucidação de sua localização e de todo o caso”, aponta. O corpo de Jhey foi encontrado cinco dias depois do seu desaparecimento, em 23 de maio de 2018.
Membro da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude representando o estado do Ceará, Thalita Vaz afirma que a luta por memória, verdade e justiça forjou uma geração de jovens do Levante Popular da Juventude, inclusive a geração de Jhey, e aponta ser um pilar fundamental no processo de nacionalização da organização. “Nosso papel, depois de 13 anos, continua sendo escrachar os crimes da ditadura militar e seus algozes como forma de cobrar a punição desses crimes e de seus criminosos, sendo esse um aspecto fundamental não só para as vítimas, mas para a nossa juventude”, afirma.
A sentença
Julgados pela prática de homicídio qualificado, ocultação de cadáver, corrupção de menor e posse ilegal de arma de fogo, o júri popular sentenciou os réus Roberto Alves da Silva e Desiree Dantas a mais de 38 anos de prisão em penas somadas. A pena de Roberto Alves da Silva foi fixada em 16 anos, 6 meses e 15 dias de reclusão, além de 1 ano e 15 dias de detenção, com multa correspondente a 20 dias-multa.
Apesar de condenado também por homicídio qualificado, Roberto teve uma diminuição na pena devido à colaboração com a investigação policial, e foi absolvido da acusação de corrupção de menor. O cumprimento da pena iniciará em regime fechado. Já Desiree Dantas foi condenada por todos os crimes pelos já mencionados anteriormente, e teve sua pena definitiva de 21 anos, 7 meses e 17 dias de reclusão, também com início em regime fechado.
Para Erik, a sentença da condenação do júri popular representa muito mais que a justiça sendo feita, mas a continuidade da luta em memória de Jhey. “Individualmente, essa sentença representa justiça, pelo sentimento que é o que se pôde fazer aqui. E para nós da cidade de Iguatu, que tivemos a honra de conhecê-lo e compartilharmos essa terra, sua memória e sua luta seguirá servindo de inspiração em todas as dimensões que houverem”, aponta. Companheiro de luta do jovem que teve os sonhos interrompidos, Willer salienta ainda que todos que conheceram Jhey sabiam que além de uma organização de juventude, o Levante era a identidade e alma de Jhey, onde o mesmo não separava a vida, o estudo e a militância. Era tudo uma coisa só.
Thalita também ressalta o papel fundamental da ferramenta do júri popular, e salienta que ganha outro sentido quando é possível enxergar a justiça sendo feita pelo povo. “No caso de Jhey, ver os seus assassinos serem punidos depois de anos do seu assassinato repara a memória da sua família e do Levante, que se envolveu diretamente na busca por Jhey durante o desaparecimento, e posteriormente com a constatação do seu assassinato”, destaca. Por fim, a coordenadora afirma que a sentença do júri popular deixa uma mensagem clara de que os responsáveis por crimes como esse serão punidos, fazendo com que todos possam olhar para a história do Levante e dos companheiros e companheiras e reforçar que lutar, depois de 13 anos de nacionalização, ainda vale a pena!
“Lidar com tudo isso exigiu tudo de nós – amor, solidariedade, responsabilidade. Tudo que tínhamos foi para Jhey e sua família. Esse momento marcará nossa vida para sempre. Nunca mais fomos os mesmos”. Erik Willer.
Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.