Na última semana, esteve em alta o tema do adiamento das aulas por conta do calor extremo. Enquanto o termômetro bate recordes no Rio Grande do Sul, as escolas públicas enfrentam uma crise estrutural que coloca em risco a saúde e o aprendizado de milhares de estudantes. No fim, as aulas foram adiadas por apenas três dias, mas essa discussão levanta uma questão crucial: que estrutura as nossas escolas têm para receber os alunos em eventos climáticos extremos?
Um levantamento realizado pelo Observatório da Educação da Comissão da Educação da Assembleia Legislativa do RS constatou que, em 2023, das 2.311 escolas estaduais, apenas 99 não necessitavam de reparos ou auxílios, enquanto 176 estavam em situação de urgência. E, com a crise climática das enchentes de maio de 2024, o número de escolas que precisam de manutenção urgente só cresceu.
Nessa realidade, muitas escolas não possuem sistema de fiação elétrica adequado, banheiros funcionando, água gelada e, em muitos casos, nem mesmo salas de aula apropriadas. Diante disso, a pergunta que fica é: o problema é realmente o retorno das aulas ou são as escolas precárias?
As escolas gaúchas estão cada vez mais degradadas e sem manutenção adequada. Mas qual será a posição do governo diante das dificuldades que as mudanças climáticas estão impondo? A escola do passado não nos serve mais, no sentido mais literal possível. As mudanças climáticas não são uma ameaça distante; elas já estão transformando o nosso cotidiano. Escolas com telhados que retêm calor, sem ventilação ou sistemas de captação de água da chuva, mostram-se completamente inadequadas para enfrentar esses desafios. Precisamos de um plano de adaptação que inclua a instalação de paineis solares, sistemas de ventilação natural e outras soluções sustentáveis. Além disso, o currículo escolar deve incorporar debates sobre meio ambiente e aquecimento global, preparando os estudantes para serem agentes de transformação.
Precisamos de reformas não apenas para lidar com o calor, mas também para enfrentar o frio intenso, as fortes chuvas e as enchentes, que se tornam cada vez mais frequentes no estado. Mesmo com essa situação alarmante, o repasse de recursos para as escolas não aumentou. Na prática, o Governo do RS não tem investido o mínimo constitucional de 25% para educação.
Não podemos pensar na escola apenas como um prédio com um amontoado de cadeiras onde passamos quatro horas por dia. A escola não é um depósito de crianças; ela é uma parte fundamental para a formação cidadã e do desenvolvimento social, além do papel para a redução das desigualdades. A precariedade das escolas afeta especialmente os estudantes mais vulneráveis, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão. Investir em educação é investir no futuro do estado, garantindo que todos tenham acesso a um ambiente digno e propício ao aprendizado.
Portanto, pensar em melhorias para as questões climáticas também envolve repensar o currículo escolar, o papel da educação e a importância da escola pública.
Trazer os estudantes para vivenciar o cotidiano da escola, promover debates sobre meio ambiente e aquecimento global são exemplos de iniciativas que os grêmios estudantis e o movimento estudantil já estão fomentando. É essencial que os alunos reconheçam seus direitos, entendam que nem o calor excessivo nem as chuvas intensas são normais e reflitam sobre esses temas. Além disso, de serem agentes ativos para transformação da realidade através da educação. Através da organização coletiva junto às entidades estudantis podemos pressionar os governos por políticas públicas de impacto social e transformação da realidade vivida.
Somos uma geração que está sentindo de forma tão cruel os impactos das mudanças climáticas. Com o incentivo adequado, somos também os mais aptos a desenvolver novos pensamentos e soluções para esses desafios. No entanto, com a evasão escolar e uma estrutura escolar hostil, que não quer e nem consegue nos receber adequadamente, esse potencial é desperdiçado. Enquanto isso, pesquisas sobre o nosso estado são compradas do exterior, em vez de serem desenvolvidas nos institutos federais locais.
Até quando isso vai continuar? Até quando o governo do estado nos enxergará como números, e não como indivíduos que pensam, sentem calor, sede e frio? Enxergar os estudantes como seres humanos de fato passa por querer que estejamos na escola, e não nas ruas, e por trabalhar para construir uma escola que nos acolha não apenas fisicamente, mas que também incentive nossas ideias e nosso desenvolvimento integral.
* Secretária-geral do Grêmio estudantil da EEEM Padre Réus e Vice-presidente Sul da UBES
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.