O aumento da população mundial não é acompanhado pelo aumento suficiente da produção de alimentos. O efeito negativo disso é inflação e diminuição da quantidade de comida na mesa das pessoas. E a falta de um ingrediente precisa ser rapidamente reposto: a produção de engenheiros agrônomos para prestar assistência técnica no campo. A avaliação é da FAO, agência da ONU que trabalha para acabar com a fome no mundo. O Brasil de Fato – Paraná conversou com especialistas que discutiram a escassez de profissionais, uma política voltada para o agronegócio e o baixo estímulo para a produção vinda da agricultura familiar, principal responsável pela produção de alimentos.
De acordo com a FAO, os agrônomos desempenham um papel fundamental na produção de alimentos, sendo responsáveis por otimizar o uso dos recursos naturais, implementar técnicas agrícolas sustentáveis e garantir a qualidade dos cultivos. No entanto, a crescente complexidade das práticas agrícolas e a necessidade de adaptação às mudanças climáticas estão criando um desafio adicional para a formação e capacitação desses profissionais.
Por outro lado, para a engenheira agrônoma Maria Wanda de Alencar Ramos, não é a falta de engenheiros agrônomos "capacitados" responsável pela queda de produção de alimentos. Ela vê uma questão social e comercial por trás da questão. “Nós temos produção, o que não há é distribuição de riquezas/rendas. Tem muita gente produzindo alimentos e tentando comercializar, porém, com mercados que não estão voltados para atender às necessidades básicas do ser humano, mas em monopolizar a produção, a circulação e o consumo”, contextualiza a engenheira.
Maria Wanda de Alencar Ramos, engenheira agrônoma, vê uma orientação errada na formação profissional. / Foto: Arquivo Pessoal
Formação e quantidade de profissionais está em queda
A profissional destaca que no mercado de trabalho há muitos engenheiros agrônomos desempregados ou exercendo outras atividades por falta de espaço na área de atuação profissional.
“Eles poderiam estar trabalhando nesta área tão maravilhosa, que é a agricultura, desenvolvendo agroecologia, que é uma relação sustentável com os recursos naturais, sendo fundamental à produção de alimentos e no enfrentamento às mudanças climáticas. Mas isso requer uma nova forma de relação humana, de equidade, de diversidade, em uma sociedade realmente inclusiva”, analisa Maria.
O relatório “O Futuro das Engenharias no Brasil”, divulgado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) em 2023, constata uma redução na procura por formação superior. Este relatório mostra que a pirâmide demográfica dos associados ao Sistema Confea existe uma concentração de profissionais entre 30 e 39 anos, sem uma reposição equivalente na base, indicando problemas futuros.
“As áreas mais afetadas pelo déficit são engenharia elétrica, com redução de 29,77% nos últimos cinco anos, agronômica com menos 22,35% e mecânica, com diminuição de 14,93% no mesmo período”, constata o estudo.
Os dados revelam que houve crescimento de 6,3%, em 2010, para 11,2%, em 2017, na relação entre o número de desistências e de ingressos nos cursos de Ensino Superior de Engenharia, Agronomia, Tecnologia, Geografia, Geologia e Meteorologia.
“Ainda há muito espaço para melhoria na qualidade da educação brasileira em Engenharia e Tecnologia, principalmente no que diz respeito às IES privadas, e contribui para o aumento da quantidade percentual de desistências nos cursos de Ensino Superior”, diz o relatório.
Agricultura familiar paranaense tem apoio de profissionais do IDR-PR, Codapar, entre outros. / Foto: Manoel Ramires / BdF
É preciso de profissionais técnicos, de financiamento e de incentivo público
A constatação da falta de profissionais é observada em um projeto de lei apresentado pela deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), que é líder do bloco da Agricultura Familiar na Assembleia Legislativa do Paraná. Segundo ela, há a necessidade de iniciativas de assistência técnica e extensão rural especializada para o atendimento de áreas em processo de transição agroecológica e orgânica a partir de metodologias desenvolvidas pelos grupos de representação de agricultores familiares.
Para Rafagnin, o estado deve promover e incentivar a assistência técnica por meio “da criação de linhas de crédito especial, de subsídio e de fomento, estímulo tributário diferenciado e favorecido para empreendimentos, celebração de convênios e acordos de cooperação técnica entre o Poder Público, inclusão dos agricultores familiares em processo de transição agroecológica e orgânica no Programa de
Alimentação Escolar”, entre outros.
Projeto de deputada dispõe sobre incentivos para a produção de mudas e sementes orgânicas, e à transição agroecológica e orgânica dos agricultores familiares. / Foto: Assessoria de imprensa / Luciana Rafagnin
Portanto, para a deputada, além da assistência técnica, se tem que implementar uma política mais forte na produção de alimentos. “Com tantos incentivos para o ramo dos agrotóxicos, o que tem se observado é o consumo extensivo e, consequentemente, prejuízos ao meio ambiente, a contaminação da água e dos resíduos. Os incentivos propostos para a agricultura familiar buscam contribuir para o equilíbrio dos benefícios fiscais e econômicos destinados aos produtores convencionais que utilizam agrotóxicos”, compara no PL nº 656/2023.
Agricultores familiares reconhecem falta de apoio financeiro e crédito
Segundo a FAO, é papel dos governos e instituições educacionais tomarem medidas para resolver essa lacuna, incluindo a criação de programas de incentivo para a formação de agrônomos e a atualização dos currículos acadêmicos para refletir as necessidades atuais do setor.
“Investir na capacitação desses profissionais é visto como uma estratégia crítica para garantir que o mundo possa atender à crescente demanda por alimentos de forma eficiente e sustentável”, diz a agência.
“A assistência técnica é importantíssima, mas sem esse conjunto de medidas não vamos avançar na produção de alimentos”, diz Marli Brambilla. / Foto: Brito Junior / Agência PT
Já para Marli Brambilla, integrante da direção do setor de produção do MST e da cooperativa Coana, “na verdade o que tá acabando com a produção de alimento e o avanço descontrolado do agronegócio e das commodities. E a falta de apoio e subsídio para produção de alimento é outro fator”. Ela argumenta que a falta de assistência técnica é apenas um dos fatores para a diminuição da produção de alimentos.
“O apoio financeiro tanto para os agricultores como as pequenas cooperativas têm enfraquecido o acompanhamento dos pequenos agricultores. Hoje temos mais de 4 milhões de pequenos agricultores que não têm acesso nem ao crédito e muito menos à assistência técnica”, esclarece Marli, indo de encontro ao projeto da deputada.
O último Censo Agropecuário (2017) aponta que no Brasil a agricultura familiar ainda produz 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café e 21% do trigo. O setor também é responsável por 60% da produção de leite e 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. Por sua vez, o sistema agroindustrial entrega apenas 30% dos alimentos, mas usa 80% da terra arável e 70% da água para o uso agrícola.