O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar se a Lei da Anistia deve excluir os acusados de crimes de ocultação de cadáver cometidos durante a ditadura militar e que permanecem sem solução.
Em plenário virtual realizado na última sexta-feira (14), os ministros reconheceram a repercussão geral de um caso apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2015 contra os tenentes-coronéis do exército Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, por crimes cometidos na década de 70 contra três opositores do regime militar. Maciel é acusado de matar as vítimas “mediante emboscada e por motivo torpe” e ocultar seus restos mortais. Moura é acusado atuar na ocultação dos cadáveres entre 1974 e 1976.
Quando o STF discute um tema de repercussão geral, a decisão que valer para o caso apresentado no debate será aplicada para os demais processos com o mesmo assunto, ou seja, a ocultação de cadáver durante a ditadura. O entendimento fixado pelo Supremo deverá ser seguido pelas demais instâncias do judiciário em ações semelhantes.
O ministro Flávio Dino, relator do processo, argumenta que a ocultação de cadáver não está abarcada pela Lei de Anistia, pois representa um crime contínuo para as famílias que ainda buscam informações sobre seus entes desaparecidos durante a ditadura militar. Para ele, trata-se de um crime permanente, cujos efeitos se prolongam até que os corpos sejam encontrados. “A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à lei”, alega o ministro.
Ao final da ditadura militar, o governo de exceção concedeu perdão aos presos políticos, mas estendeu a anistia a torturadores e demais agentes do Estado responsáveis por violações de direitos. A Lei de Anistia, assinada em 1979, é considerada até hoje a principal barreira para responsabilizar juridicamente os autores dos crimes cometidos durante a ditadura.
Vítimas faziam parte da Guerrilha do Araguaia
As vítimas da denúncia do MPF teriam relação com a Guerrilha do Araguaia, movimento organizado por militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) nas proximidades do rio Araguaia, entre os estados do Pará e Tocantins.
A guerrilha durou cerca de dois anos. Estima-se que foram mortos 67 guerrilheiros e 31 camponeses. Até hoje, apenas 2 corpos foram identificados, o da estudante Maria Lúcia Petit, assassinada aos 22 anos; e do ativista Bergson Gurjão Farias, morto aos 25. Os restos mortais de Petit foram os primeiros a serem encontrados, mais de 20 anos depois da morte, no cemitério de Xambioá, no interior do Tocantins. Em 1996, a família da jovem realizou o enterro, em um cemitério em Bauru (SP).
Após o fim da Guerrilha, em 1975, foi realizada a Operação Limpeza, que buscava apagar quaisquer rastros e vestígios dos cadáveres.