A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou, nesta terça-feira (18), o Estado brasileiro por impunidade e negligência frente ao assassinato do trabalhador rural sem-terra Manoel Luiz da Silva, em 19 de maio de 1997, na cidade de São Miguel de Taipu (PB).
Para os seis juízes da Corte que votaram pela condenação, o Brasil falhou em garantir justiça e proteção aos direitos dos familiares da vítima, resultando na impunidade do crime. O órgão é a instituição judicial regional autônoma encarregada de aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário.
Na sentença, o Brasil foi condenado a indenizar os parentes da vítima, garantindo ainda suporte psicológico e a realização de um ato público de reconhecimento da responsabilidade do Estado no caso.
A decisão determina ainda a implementação, no prazo de dois anos, de um sistema regional de coleta de dados e estatísticas relativas a casos de violência contra trabalhadores rurais na Paraíba, que devem ser divulgados a toda a população.
O Estado brasileiro deverá apresentar um balanço de suas ações até fevereiro de 2026. O cumprimento da sentença deverá ser acompanhado pela Corte.
Entenda o caso
Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Manoel Luiz da Silva participava da ocupação da Fazenda Amarelo, de propriedade de Alcides Vieira de Azevedo. Ele foi morto a tiros por capangas ao passar por uma estrada dentro da Fazenda Engenho Itaipu, uma propriedade vizinha que estava em processo de expropriação para fins de reforma agrária. Aos 40 anos, deixou a esposa, Edileusa Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos.
Em 2009, 12 anos após o crime, dois acusados foram absolvidos pela Justiça, enquanto um terceiro suspeito nunca foi localizado. O proprietário da fazenda, porém, não foi alvo de investigações, mesmo com o registro de ameaças contra trabalhadores rurais na região.
Em fevereiro de 2024, o governo federal reconheceu que o Estado brasileiro falhou em relação à demora no andamento processual e pediu desculpas públicas aos familiares de Silva perante os juízes da CIDH.
“O Estado brasileiro, assim, reafirma sua plena disposição em honrar os compromissos assumidos internacionalmente quanto à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, informou o governo federal, em nota oficial divulgada na ocasião.
A manifestação governamental, no entanto, não foi suficiente para a CIDH. “Ao analisar o caso, a Corte considerou que era possível identificar vários fatos que refletiam a falta de devida diligência na investigação do caso, tais como: a falta de consideração de outras linhas de investigação, incluindo a relativa à participação de agentes estatais; a ausência de diligências para identificação e busca dos possíveis autores material e intelectual do delito; a ausência de diferentes diligências probatórias; diferentes erros manifestos na tramitação do caso que resultaram em nulidades processuais; e a falta de consideração do contexto de violência contra trabalhadores rurais em que os eventos ocorreram”, explicitou a Corte em um comunicado divulgado nesta terça-feira (18).
Resposta à luta contra a violência no campo
A decisão da Corte atende a denúncia feita em 2003 pelas organizações Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Dignitatis. Tânia Maria, representante da CPT-Nordeste, ressaltou o sentimento de justiça após 30 anos do crime, especialmente pelo benefício que traz à família da vítima e à luta contra a violência no campo.
“O Manoel Luiz [filho] perdeu o pai ainda muito criança e ficou desprotegido porque a mãe ficou doente”, explica. “Para mim, foi a maior satisfação ver a Corte ler uma sentença contra o Estado brasileiro, que nega os direitos humanos, violenta o trabalhador que luta pela terra e não faz a reforma agrária.”
Hugo Belarmino, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e advogado da Dignitatis, celebrou o fato de a decisão histórica ter acontecido poucos dias depois do centenário da liderança camponesa paraibana Elizabeth Teixeira. O especialista também comemorou que a sentença resulte em um “instrumento de monitoramento de políticas públicas efetivas para combater a violência no campo na Paraíba, em outros estados do Nordeste e em todo o Brasil”.
“Em um país em que trabalhadores rurais sem terra e seus movimentos de luta seguem criminalizados, ameaçados e intimidados, esta condenação abre mais um precedente internacional para que mudanças estruturais sejam implementadas”, aposta Daniela Fichino, diretora adjunta da Justiça Global.
*Com informações da Agência Brasil