O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) informou que não foi procurado pela Prefeitura de São Paulo antes da demolição do Teatro Vento Forte e da Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, que ficavam nas dependências do Parque do Povo, no Itaim Bibi, na zona oeste da cidade, na semana passada. A informação é do próprio órgão, após ser questionado pela imprensa.
“Intervenções em imóveis tombados necessitam de deliberação, autorização e disponibilização dos documentos necessários para posterior execução pelo autor do pedido”, explicou o Condephaat, órgão subordinado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo responsável por autorizar modificações em imóveis tombados.
Em 2006, o então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab concedeu legalmente a área para o Teatro e, em 2016, durante a gestão de Fernando Haddad, a Secretaria Municipal de Cultura da cidade fez o tombamento do espaço, reconhecendo e protegendo os bens culturais, históricos, artísticos, arquitetônicos, ambientais e afetivos do local.
Ao longo desse processo, o espaço do parque também foi tombado em 1995. O local virou oficialmente um parque em 2008. Na resolução de tombamento do espaço, ficou determinado que “as entidades que tradicionalmente organizam as atividades esportivas e culturais deverão ser de natureza pública e poderão continuar a desenvolvê-las livremente”.
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O Teatro Vento Forte foi fundado, em 1974 no Rio de Janeiro, pelo dramaturgo, ator e diretor argentino Elias Kruglianski, conhecido como Ilo Krugli, e foi transferido para São Paulo uma década depois.
Na década de 1980, então, o Teatro Vento Forte se fixou no Parque do Povo e cria três galpões-teatro: teatro dos pés (dança): teatro das mãos (bonecos), teatro dos olhos (teatro). Anos depois, um deles foi cedido à Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul.
“O nosso projeto para o parque é desenvolver um projeto social aqui, desenvolver um trabalho cultural que dê uma puxada para um espaço profissionalizante… há muitas coisas que podem ser feitas aqui”, disse Ilo Krugli, então diretor do Vento Forte.
Manifestação
No último domingo (16), artistas e políticos como o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e o cantor Chico César participaram da manifestação. Em seu perfil no Instagram, Chico César afirmou que “a destruição da cultura na maior cidade do país faz parte de um projeto, atende a um propósito: a ascensão do fascismo e a gentrificação dos espaços”.
A escola de capoeira pertencia ao Mestre Meinha Santos, um dos mais antigos mestres de capoeira angola do estado de São Paulo. “É uma história de 58 anos da minha vida que foi jogada no lixo, as coisas do meu pai Mestre Leopoldina, do meu Mestre Gato Preto. Muitas coisas destruídas, além da intolerância religiosa”, disse. “Soube só no outro dia de manhã que demoliram o espaço com minhas coisas dentro, não falaram nada antes.”
André Lima, integrante da escola, disse que “não há justificativa para o que aconteceu. Objetos, imagens e documentos que contam a história da capoeira na cidade de São Paulo destruídos. Os danos não podem ser mensurados”, em vídeo publicado também no Instagram.
Cássia Caneco, diretora do Instituto Pólis, afirma que a demolição do espaço representa um apagamento da cultura negra na cidade de São Paulo. “Ações como essas listram como as pessoas desses espaços vão sendo desterritorializadas. Vai se criando uma segregação racial. O apagamento durante esse processo de destruição houve um apagamento de documentos. Esse movimento é recorrente e não é um caso isolado”, diz.
Em suas palavras, “a destruição desses espaços é uma forma de marginalizar essas populações, e é feito para que esses espaços sejam comercializados, não é associado a um valor cultural, mas a um preço”.
“O Itaim Bibi é um dos bairros mais caros da cidade de São Paulo, uma das regiões com mais investimentos, mais cobiçadas. Um dos metros quadrados mais caros de cidade, aproximadamente 17 mil reais. Isso pode ser também uma das intenções dessa prefeitura que busca apartar os espaços. É um padrão que vem obedecendo a essa questão da racialidade”.
A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) classificou a demolição como um “ataque direto à cultura, à memória e à diversidade artística e religiosa do país”. “A ação da prefeitura de São Paulo através da subprefeitura de Pinheiros foi truculenta, desrespeitosa e ilegal. A falta de transparência e a ausência de documentação adequada demonstram um completo desprezo pelos direitos culturais e religiosos da comunidade. A intolerância religiosa e a destruição de patrimônios culturais são crimes que devem ser investigados e punidos com rigor”, diz a entidade em nota.
Outro lado
Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que a demolição e a reintegração de posse ocorreram em conformidade com a lei e que o Condephaat foi comunicado “acerca das diversas irregularidades encontradas no local para as devidas providências”.
A gestão afirmou ainda que os responsáveis foram notificados em 31 de julho de 2023 e que não houve apresentação de documentação que comprovasse o direito de uso do imóvel público.
Veja a nota na íntegra
A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) informa que uma área de aproximadamente 7 mil metros quadrados, que era destinada ao Parque Municipal do Povo – Mario Pimenta Camargo, vinha sendo utilizada de forma irregular e, por isso, um processo de desfazimento foi iniciado com a ciência do responsável.
No local, não foram constatadas atividades culturais e a construção o imóvel apresentava sinais de abandono, com edifícios em ruínas ou mal-conservados.
Além disso, alguns espaços livres vinham sendo utilizados como estacionamento pago, e havia uma banca precária na entrada que vendia bebidas.
A SVMA notificou os responsáveis por essas atividades em 31 de julho de 2023 e não houve apresentação de documentação que comprovasse o direito de uso do imóvel público.
Diante disso, uma ação de desfazimento foi realizada nesta quinta-feira (13). O objetivo é garantir a desapropriação e reintegração de posse.
A prática de capoeira pode ser realizada em parques municipais, desde que em espaços devidamente autorizados pela administração pública. Vale ressaltar que todos os instrumentos, quadros e objetos que estavam no local foram retirados pelo responsável da atividade, com ajuda da equipe operacional da Prefeitura de São Paulo.