“Uma democracia que não se protege não resiste às pulsões
de violência que a insatisfação com os seus métodos,
finalidades e modo de ser podem gerar nos seus descontentes.”
(Introdução à Petição nº 12.100 assinada pelo PGR Paulo Gonet, que denunciou Jair Bolsonaro e outros)
A notícia está no mundo, nos jornais, portais e redes sociais. A denúncia tão esperada por todos os defensores da democracia no Brasil finalmente saiu. Com atraso para alguns, sem açodamento para outros tantos, o fato é que essa etapa de nossa História começa a ser passada a limpo.
Contudo, atentemos, é apenas um começo, uma nova etapa de embates e disputas de narrativas. Não significa, nem mesmo simbolicamente, o fim de nada ou o ocaso de um fenômeno que subverte o que entendemos por política.
Com base em uma investigação da Polícia Federal encerrada em 2024, que detectou a existência de uma organização criminosa que teria atuado em 2022, de forma coordenada, para praticar um golpe contra o resultado eleitoral da eleição presidencial, em uma contundente peça com 272 páginas, o procurador-geral da República Paulo Gonet denunciou nesta terça (18) Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas, muitas delas autoridades de seu ex-governo.
Além de Bolsonaro e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, apontados como líderes da organização criminosa, estão na lista Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa; e Almir Garnier Santos, almirante de esquadra.
Importante consignar que o inquérito da Polícia Federal que indiciou Bolsonaro no ano passado, base da denúncia, resultou da obtenção de provas por meio de diversas diligências ao longo de dois anos em quebras de sigilo telemático, telefônico, bancário e fiscal, colaborações premiadas, buscas e apreensões, entre outras.
Os indícios de autoria e materialidade são evidentes.
Os cinco crimes apontados na denúncia são ligados à trama golpista após o resultado eleitoral de 2022: golpe de Estado, organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado.
O documento afirma que as investigações revelaram que a operação foi arquitetada e estruturada dentro do Palácio do Planalto e se desdobrava em “minuciosas atividades”, em uma operação de execução do golpe, em que se admitia até mesmo a morte do presidente da República e de ministro do Supremo Tribunal Federal.
O dia 8 de janeiro de 2023 foi o ápice, o ato final dos atos progressivos e coordenados da organização criminosa, voltados à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas. Aquela ação social violenta de depredação dos prédios dos Três Poderes foi pensada com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e justificar um estado de exceção.
O passo seguinte à denúncia será a análise da peça feita pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que é composta pelos ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino, para decidir se a recebem e transformam em ação penal, quando os denunciados viram réus.
Feita a descrição do que temos até aqui, importa pontuar que a ação da Procuradoria Geral da República é uma etapa muito significativa, mas está longe de significar uma vitória contra as forças da ideologia de perfil totalitário que está consolidada em nosso país em diversos nichos, sejam institucionais ou nas bases da sociedade. O papel maior nessa guerra ideológica não cabe aos órgãos do Sistema de Justiça, ele se apresenta nos espaços todos onde é preciso atuar para ajudar a nação na compreensão do que efetivamente estamos vivendo.
Após uma campanha eleitoral marcada, como nunca, pela violência, retórica e física, com grupos de extrema direita fazendo intimidação e criando um clima difuso de insegurança, ameaça e caos político, a estratégia de disputa com base na mentira alcançou novo patamar. A tática operada por Bolsonaro de deslegitimação do pleito que lhe assegurasse a justificativa pública para o golpe sempre foi evidente. No núcleo duro do bolsonarismo a disposição de extermínio dos adversários políticos tampouco era novidade.
Mesmo assim bolsonaristas entoarão o canto da perseguição política e buscarão, como já o fazem, a inversão dos fatos e coisas, onde aqueles que planejaram e ousaram tentar executar um golpe contra a democracia é que são as vítimas da ausência de liberdade de expressão.
É nesse campo que a batalha de convencimento ocorre. O essencial é o desmonte da farsa de que há uma perseguição contra Bolsonaro e seu asseclas. Sem o que qualquer condenação não terá o efeito saneador.