Nesta entrevista, partilhamos a experiência de um dos romeiros mais fiéis, que acompanhou o surgimento das romarias em 1978. Padre Arnaldo Afonso Fritzen, sacerdote dedicado e romeiro assíduo, nasceu em 2 de outubro de 1942, no município de Nova Boa Vista (RS).
É filho de um pequeno agricultor, cuja terra foi partilhada pelo avô paterno entre seus 12 filhos (25 ha cada), formando a comunidade conhecida como “Linha Fritzen”. Padre Arnildo estudou no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Tapera (RS); no Seminário Nossa Senhora de Fátima, em Erexim (RS); e no Seminário Imacu, lada Conceição, em Viamão (RS). Foi ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1971, tornando-se padre da Arquidiocese de Passo Fundo.
Desde 1978, acompanha de perto a luta pela terra e teve atuação marcante na origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 19 de janeiro de 1984. Das 47 edições da Romaria, a diocese acolheu os romeiros e sediou o evento em quatro ocasiões: 27 de fevereiro de 1990, em Herveiras; 8 de fevereiro de 2005, em Cruzeiro do Sul; 1º de março de 2022, em Ilópolis; 4 de março de 2025, em Arroio do Meio. No ano de 2021, devido à pandemia, a Romaria não foi realizada.
Confira a entrevista na íntegra:
Revista Integração – Romaria da Terra, como surgiu, o que é e qual o seu objetivo?
Padre Arnildo Fritzen – A Comissão Pastoral da Terra (CPT) celebra “bodas de ouro” neste ano de 2025. São 50 anos de serviço ao povo da terra. Iniciou na Amazônia por uma decisão da igreja do Norte e Nordeste do Brasil e no ano seguinte aqui no Rio Grande do Sul. Na terça feira de carnaval, dia 7 de fevereiro, um grupo de religiosos e agentes pastorais que atuavam no meio popular rural e urbano, em especial os que atuavam com os pequenos agricultores reuniram-se em São Gabriel (RS), para celebrar a memória de Sepé Tiaraju, índio que juntamente com 1.500 índios, defenderam o território gaúcho que o império espanhol – português queria anexar à Colônia do Sacramento no Uruguai.
Celebrar esta memória desencadeou um processo de celebração anual da caminhada dos pequenos agricultores, por terra, vida digna, liberdade e fraternidade. Os objetivos desde a origem foram claros: ir ao encontro dos que estão sofrendo na luta pela terra e pelos seus direitos. Por isso cada ano era escolhido um lugar onde havia lutas concretas.
Como costuma acontecer o processo de preparação e realização da Romaria?
Ao encerrar a romaria em cada ano, inicia-se o processo de avaliação e do aprendizado feito em cada romaria. Em seguida vem o processo de auscultar a realidade dos agricultores no estado, para perceber os clamores e lutas que estão acontecendo no meio dos trabalhadores do campo. Assim se identifica onde devemos realizar a próxima romaria, onde devemos levar solidariedade aos trabalhadores, fortalecendo a sua fé no processo libertador. Este critério foi alterado após as primeiras romarias, quando o Regional Sul-3 da CNBB definiu que a romaria da terra seria realizada uma vez em casa Diocese, estabelecendo um rodizio.
Na romaria do ano de 2025, voltou-se ao critério original: ir ao encontro das pessoas mais sofridas atingidas que foram pelo desastre ecológico ocorrido nos anos de 2023 e 2024. Esta romaria é o momento em que toda a população é convidada para levar pessoalmente a solidariedade aos atingidos e juntos entrarmos na Campanha da Fraternidade de 2025 que é “Ecologia Integral”.
Quais os principais frutos surgidos a partir das 46 Romarias realizadas?
a) A prática solidária e fraterna na busca da dignidade de vida para todas e todas;
b) Sermos povo peregrino e ter consciência de que nos salvaremos juntos ou nos destruiremos todos;
c) A fé e a vida comunitária são fortalecidos quando caminhamos juntos, partilhando dores e alegrias e celebrando nossa caminhada;
d) Os movimentos populares surgem e se fortalecem a partir da compreensão de que o Evangelho nos desafia: curar os doentes, individualistas, expulsar os demônios e realizar a experiência do “Ano da Graça” entre os oprimidos;
e) Formação de agentes de pastoral, agentes políticos e lideranças que a partir da fé e da palavra de Deus, colocam a sua vida a serviço da promoção da vida de todas(os) nas áreas onde atuam, seja na educação, saúde, meio ambiente, na luta pela terra partilhada e pela produção ecológica dos alimentos.
As Romarias celebram a caminhada já feita pela vida em abundância e chamam todas(os) do campo e da cidade a participarem deste processo de transformação da sociedade.
Qual o significado desta 47ª Romaria da Terra, realizada em Arroio do Meio?
Toda a população, gaúcha, brasileira e mundial acompanhou pela mídia o desastre ecológico vivido no Vale do Taquari, grande Porto Alegre e região Sul do estado. Igrejas, prefeituras e entidades, acolheram e ampararam os atingidos. Todos fomos tocados pelos relatos e pelas imagens dessa tragédia. Todos fomos movidos para a partilha de alimentos, roupas, móveis, dias de serviço e doações financeiras.
Nos municípios atingidos, igrejas, prefeitura e outros, colocaram a infra estrutura a disposição para amparar os desalojados. Agora a Paróquia de Arroio do Meio, através do pároco pe. Afonso e do vigário paroquial pe. Décio, além de outras lideranças, em diálogo com o bispo diocesano de Santa Cruz do Sul (RS) e a Coordenação da Pastoral Diocesana colocaram-se a disposição, com o apoio da Prefeitura e entidades do município para acolher a 47ª Romaria: a “Romaria da Solidariedade” com o foco de abraçarmos juntos a Campanha da Fraternidade de 2025, “Ecologia Integral”, cuidar da casa comum.
Qual a importância e relação da Romaria para a vida dos/as agricultores/as e na missão da igreja?
A Romaria da Terra para as(os) agricultoras(es) é como um soro na veia dos enfraquecidos. Celebram sua vida, renovam sua fé e esperança num mundo melhor e ajudam muito na organização dos trabalhadores. Ao voltar da Romaria, com ânimo novo, todos vão ao encontro das(os) demais agricultoras(res) para formar uma unidade maior na conscientização de que o “mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”.
Para a igreja é uma missão que se fortalece na Romaria, cresce e atinge os mais pobres do campo e da cidade.
Neste ano santo jubilar, o que significa ser romeiro e peregrino de esperança?
A Romaria da Terra oportuniza a todos nós para sermos “peregrinos de e”, caminharmos juntos, irmos ao encontro dos irmãos mais sofridos e partilharmos com eles nossa fé, solidariedade e apoio. Recuperarmos juntos o ânimo para construirmos a casa comum e aperfeiçoarmos tudo e a todos aproximando-nos da perfeição – santidade.
Caminhando juntos fazemos a experiência da igualdade e nos motivamos a vencer o individualismo, a idolatria dos bens materiais e demais ídolos que a sociedade materialista nos propõe no dia a dia. “Animados pela fé e bem certos da vitória, fincaremos nosso pé e fazer a nossa história, e fazer a nossa história animados pela fé”.
Qual a importância da Missão Sementes de Solidariedade para os agricultores que perderam suas plantações?
A vida do(a) agricultor(a) inicia com a semente semeada na santa mãe terra. As enchentes não só destruíram as casas, galpões, máquinas e ferramentas de trabalho. Destruiram a origem da vida dos(as) agricultores(as), destruíram as sementes. Como a missão dos cristãos é cuidar e promover a vida, a Comissão Pastoral da Terra, o MPA, a Cáritas e muitas entidades deram um passo muito significativo: foram ao encontro dos agricultores(as) numa missão muito linda. “Missão das Sementes Solidárias”, chegar a todas(os), oferecendo-lhes sementes e mudas de árvores frutíferas e nativas para poderem recomeçar suas atividades, produzindo alimentos sadios.
O que cabe a nós e aos poderes constituídos (públicos…) fazer para evitar ou amenizar os efeitos das tragédias climáticas?
Cabe a nós:
a) A conscientização do povo que o desastre ecológico é resultado da ação predatória humana sobre a natureza;
b) Desencadear na prática de cuidado e prevenção no uso da natureza;
c) Seguir o ensinamento do Papa Francisco que nos convida para uma Economia Solidária de Francisco e Clara;
d) Reconstruir: reflorestar, trabalhar com produtos naturais eliminado venenos de produtos químico que só destroem;
f) Assumir com coragem a Campanha da Fraternidade 2025;
Cabe ao poder público:
a) Zelar pela casa comum, através de uma legislação que garanta a sustentabilidade;
b) Acabar com toda a prática poluente.
Artigo original publicado em Revista Integração.