O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reacendeu o debate sobre a possibilidade de a Petrobras realizar buscas por poços de petróleo na região da Foz do Rio Amazonas ao criticar uma suposta demora do Instituto Nacional do Meio Ambiente (Ibama) para autorizar tal trabalho. A fala do presidente aconteceu há uma semana. O presidente disse que o Ibama faz “lenga-lenga” e parece agir contra seu governo.
O Ibama tem como obrigação verificar os riscos ambientais das eventuais atividades da Petrobras para autorizar ou não o trabalho da estatal no local. Em outubro, o órgão negou a licença à Petrobras. A estatal recorreu e espera uma nova resposta. Foi durante este período de espera que Lula resolveu criticar o órgão do próprio Executivo.
O episódio, porém, não é a primeira controvérsia envolvendo a ideia de explorar petróleo na Amazônia em meio a mudanças climáticas causadas, em grande parte, pelo uso de combustíveis fósseis. A discussão sobre o tema ocorre há anos, gera divisões até entre aliados políticos e vai muito além das questões ambientais.
A favor
Mahatma dos Santos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), que foi criado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), diz ser favorável às atividades da Petrobras na região. Ele ressaltou que o Ineep reconhece a região do Foz do Amazonas é muito sensível ambientalmente por todos os recursos naturais ali presentes. Destacou que a região também tem sensibilidade social, econômica e geopolítica, que precisam ser consideradas.
Santos disse que o Norte do país é historicamente uma região mais pobre e que há indícios claros que existem grandes reservas de petróleo na Foz do Amazonas que podem mudar o panorama daquele território. Países vizinhos à localidade, como a Guiana e Suriname, já decidiram explorar petróleo por ali e têm sido bem sucedidos.
Por conta disso, ele acha que, sim, a Petrobras deveria ser autorizada a verificar se há mesmo petróleo que pode ser explorado na Foz do Amazonas.
Marcelo Simas, economista e professor de Geopolítica das Energias na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fundação Getúlio Vargas (FGV), também é favorável à pesquisa na área. Ele escreveu um artigo sobre as polêmicas envolvidas na exploração da chamada Margem Equatorial.
No texto, ele apontou que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já reforçou que as reservas brasileiras de petróleo entrarão em declínio a partir de 2030 caso não haja novas descobertas. Isso poderia criar um risco à soberania energética do país, criando uma série de consequências para economia e contas públicas.
“Sem a descoberta de novas fronteiras exploratórias, a longo prazo o país volta a importar mais petróleo ou mesmo pode se tornar importador novamente até o fim da próxima década”, escreveu ele. “Isso levaria a um aumento no preço dos derivados [combustíveis]. Levaria à queda nas participações governamentais (royalties e participações especiais).”
Ele ainda disse que, sem as receitas do petróleo, faltariam recursos para a Petrobras avançar em projetos de transição energética – um compromisso público da companhia.
Contra
Leandro Lanfredi, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e militante do Movimento Nossa Classe, usa justamente essa promessa da Petrobras para contestar os planos da empresa de explorar a Foz do Amazonas. Lanfredi disse que o Plano Estratégico da Petrobras prevê investimentos de 111 bilhões de dólares (cerca de R$ 630 bilhões) nos próximos cinco anos. Só 7 bilhões de dólares (R$ 40 bilhões) estão destinados à expansão de atividade de “baixo carbono” – que não são zero carbono, lembrou ele.
“A Petrobras não está fazendo transição energética. Não é verdade que esses recursos [da Foz do Amazonas] sirvam pra isso”, reclamou.
O líder sindical também ressaltou que é preciso ter claro que qualquer pesquisa sobre petróleo na região da Foz do Rio Amazonas visa extrair petróleo de lá. Hoje, a Petrobras reivindica o direito de estudar a região. Mas, segundo ele, isso é só um passo que ela precisa dar para criar ali uma base de produção de óleo.
“Esses bilhões investidos [em pesquisa] vão ter que retornar como uma nova carga de gás carbônico na atmosfera”, disse ele, ressaltando que o mundo vive hoje uma “catástrofe climática” justamente por conta desse gás.
Por fim, ele rebate argumentos sobre soberania nacional em relação a reservas minerais lembrando que a Petrobras é uma estatal, mas com acionistas majoritariamente privados. Para ele, o plano da empresa de expandir suas atividades visa, principalmente, dar lucro a esses acionistas. O restante é secundário.
Ponderações
Pedro Faria, economista e trabalhador da Petrobras, é favorável à pesquisa na Foz do Amazonas para que o Brasil conheça melhor o potencial da região.
Ele, contudo, faz ponderações que reforçam os argumentos de Lanfredi. “Temos que ter um debate público sobre a transição. Quais são os mecanismos que garantirão a transferência de recursos [da eventual exploração da Foz do Amazonas] para economia de baixo carbono? Não está claro”, afirmou.
Faria disse que hoje “há um excesso de exportações [de petróleo] cujas rendas não estão se convertendo em recursos para transição. Estão vazando como dividendos excessivos da Petrobras ou como lucros de petroleiras estrangeiras.”
Ele concluiu dizendo que não é razoável desconsiderar os cenários traçados pela EPE sobre o fim das reservas de petróleo. Ele disse que a empresa é estatal e com quadro técnico qualificado. Lembrou ainda que a falta de petróleo realmente deixaria o país em situação vulnerável – confirmando o que foi levantado por Simas, que defende a exploração.