O governo venezuelano tem denunciado a participação da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAid) no financiamento da oposição de extrema direita e no apoio a esses grupos para tentar “desestabilizar o país”. Mas se essas acusações ainda não estão comprovadas, a agência tem uma larga trajetória de interferência política já conhecida na Venezuela.
O primeiro passo nessa trajetória foi a atuação do Escritório de Iniciativas de Transição (OTI) da USAid junto com a embaixada dos EUA em Caracas e a oposição no golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002. Na ocasião, opositores foram as ruas liderados pelo empresário Pedro Carmona Estanga e Carlos Ortega, então presidente da Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV).
Na época, Chávez foi coagido pelas Forças Armadas a renunciar, sob ameaça de bombardeios contra o Palácio de governo. Se negando a deixar o cargo, o presidente terminou preso e retirado à força do Miraflores pelos militares golpistas. Ele ficou 3 dias preso, mas o apoio popular massivo pedindo o seu retorno mudou a rota e os militares de Caracas prendem Carmona e encerram o golpe.
Em um documento secreto do Departamento de Estado dos EUA de julho de 2002, o então embaixador William Brownfield nega uma participação direta na trama, mas afirma ter se reunido com a OTI e a oposição venezuelana nos dias anteriores ao golpe de abril. Outro agente importante dessa participação é o NED. A organização não-governamental é financiada diretamente pela USAid e ajudou naquele momento na capacitação de opositores.
A OTI foi instalada em Caracas um mês antes do golpe, em 11 de abril de 2002. O objetivo era “estudar o atual entorno político-social da Venezuela e identificar outras possíveis oportunidades de programas para que os Estados Unidos apoiassem processos democráticos”.
Segundo a própria agência, a OTI foi criada com a ideia de ter um fundo flexível de pequenos pagamentos, de desembolso rápido de US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões), “capaz de responder à rápida evolução da situação política na Venezuela”.
Durante o golpe, o presidente do Instituto Republicano Internacional (IRI), George A. Folsom, afirmou que trabalharia em conjunto com organizações parceiras na Venezuela. O instituto recebe dinheiro diretamente da USAid e afirma, em sua página, que atua na Venezuela, há mais de uma década, para “proteger o espaço democrático, promover a participação cívica e apoiar aqueles que desejam mudanças pacíficas”.
A presença no golpe contra o ex-presidente, no entanto, foi apenas um dos primeiros passos da USAid na Venezuela. Mais tarde, em agosto de 2006, o Los Angeles Times afirmou que a OTI enviou mais de US$ 220 milhões desde 2002 para programas na Venezuela, destinados em mais de 220 pequenas doações. O montante seria destinado a “Iniciativa de Fomento da Confiança da USAid na Venezuela”.
Se a USAid teve participação no financiamento opositor, o governo estadunidense chegou a participar de maneira ativa na política venezuelana. Documentos vazados pelo Wikileaks revelaram que, em 2006, o então embaixador dos EUA em Caracas, William Brownfield, enviou um telegrama para outras embaixadas e para o Comando Sul dos EUA, sediado em Miami, afirmando que, desde 2004, desempenhava uma tarefa na Venezuela com 5 objetivos: Fortalecer as instituições democráticas; penetrar na base política de Chávez; dividir o chavismo; proteger os negócios vitais dos EUA.; e isolar Chávez internacionalmente.
Um dos grupos que recebeu financiamento estadunidense foi a ONG Sumate, liderada pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado. Os documentos do WikiLeaks mostram que a própria embaixada dos EUA questionava a estratégia deste grupo de deslegitimar, já naquela época, o sistema eleitoral. De acordo com a diplomacia estadunidense, isso teria prejudicado a própria oposição nas eleições legislativas de 2005, quando a oposição realizou um boicote que deu o controle da Assembleia para o chavismo..
A mesma embaixada estadunidense pediu em 2009, de acordo com documentos do WikiLeaks, pediu um aumento dos recursos a OTI para programas “vitais para preservar e fortalecer as instituições e práticas democráticas que persistem na Venezuela”, segundo o então encarregado de negócios John Caufield. Chávez determinou a expulsão da OTI da Venezuela em setembro de 2010, acusando o grupo de financiar atividades de desestabilização no país.
De 2014 a 2024, a Venezuela foi o sexto país da América Latina a receber mais dinheiro da USAid. Nesse período, o montante foi multiplicado em 26 vezes e passou de US$ 8 milhões há 10 anos atrás para alocar US$ 211 milhões no ano passado. Esse valor aumentou para US$ 73 milhões em 2019, ano em que os Estados Unidos apoiaram Guaidó como presidente autoproclamado.
Um ano depois, em 2020, as contribuições de várias agências federais dos EUA, mas principalmente da USAid, aumentaram para US$ 163,3 milhões. Em 2021, subiram para US$ 197,6 milhões e, em 2022, para 209,4 milhões.
o governo de Donald Trump anunciou o fechamento do órgão no começo do mês. A USAid tem como missão fornecer recursos financeiros a outros países em forma de ajuda humanitária e projetos de desenvolvimento.
As operações da agência foram suspensas por 90 dias com a alegação de reduzir gastos públicos. A política de Trump foi chamada de “reavaliar e realinhar a ajuda externa dos EUA”. O novo secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, é responsável pela USAid e afirmou que a agência, em muitos casos, participa de programas que “vão contra” o que o governo de Trump tenta fazer como estratégia nacional.