Na manhã da última segunda-feira (17), o Governo de Pernambuco foi surpreendido com a chegada de dezenas de famílias de agricultores e de indígenas da etnia Kapinawá na Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), onde montaram acampamento e se recusaram a sair.
Os agricultores são dos municípios de Venturosa e Caetés, enquanto os indígenas são de Buíque, todos da região Agreste do estado. Os agricultores denunciavam os impactos das “fazendas eólicas” no modo de vida do campo, enquanto os indígenas buscavam barrar a entrada desses empreendimentos em seus territórios.
Após dois dias de ocupação no prédio da Adepe, um acordo foi fechado com o Governo do Estado, que garantiu uma série de conquistas e sinalizações para estabelecer novas regras para o avanço desses empreendimentos nas zonas rurais.
Segundo reportagem de Raíssa Ebrahim, da Marco Zero Conteúdo, o acordo foi definido com as presenças das secretarias da Casa Civil, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social do governo Raquel Lyra, além da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
O acordo
A maior conquista do enfrentamento das famílias camponesas foi a paralisação imediata do complexo eólico Ventos de São Clemente, com a recusa do pedido de renovação da licença de operação do empreendimento. Isso aconteceu porque o complexo se recusou a cumprir as exigências legais do Governo do Estado.
Inaugurado em 2016, o complexo Ventos de São Clemente é composto por mais de 120 aerogeradores divididos em oito parques eólicos espalhados pelos municípios de Pedra, Capoeiras, Caetés e Venturosa, todos na região Agreste. Sua capacidade instalada é de 216,1 megawatts, o suficiente para manter o abastecimento de mais de meio milhão de residências.
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Já sobre o complexo Ventos de Santa Brígida, o acordo prevê a instalação de um comitê de crise com a participação de comunidades rurais para formalizar um termo de ajustamento de conduta (TAC), para que a empresa e a população consiga chegar a um acordo. O complexo foi inaugurado em 2015 e possui 107 aerogeradores distribuídos pelos municípios de Caetés, Pedra e Paranatama, com uma capacidade de 182 MW (suficiente para 350 mil residências).
A empresa Ventos de Santa Brígida também está em processo de renovação da licença e respondeu à Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) com uma proposta de adequação às condições estabelecidas pelo Governo do Estado.
No acordo com as famílias camponesas, o Governo de Pernambuco garantiu que não oferecerá incentivos fiscais para a instalação de parques eólicos que invadam o Território Indígena Kapinawá, além da reabertura de um grupo de trabalho envolvendo a CPRH e as comunidades rurais atingidas da região para alterar a normativa em vigor, passando a estabelecer a obrigatoriedade de uma distância mínima entre os aerogeradores e as residências.
Em comunicado à reportagem da Marco Zero Conteúdo, a CPRH reafirmou que o licenciamento ambiental nos territórios indígenas – necessário para permitir a instalação de parques eólicos nas terras Kapinawá – é realizado pelo Governo Federal, através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Leia aqui a pauta de reivindicações dos agricultores e indígenas Kapinawá para o Governo de Pernambuco.
Em contato com a jornalista Raíssa Ebrahim, da Marco Zero Conteúdo, o agente pastoral João do Vale comemorou o acordo como “uma grande vitória”. A desocupação do prédio da Adepe foi afirmada como uma “trégia diante das promessas que o Governo do Estado fez” e, em caso de descumprimento, uma nova ocupação será feita na Adepe ou em qualquer outro edifício governamental. Vale é integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha as famílias afetadas pelos complexos eólicos.
Os dois complexos eólicos mencionados pertencem à empresa Casa dos Ventos, que integra a Echoenergia S. A. Esta, por sua vez, é parte do Grupo Equatorial Transmissão S. A., cuja receita líquida é superior aos R$10 bilhões anuais. O Grupo Equatorial é detentor das empresas de distribuição de energia elétrica de Alagoas, Maranhão, Piauí, Pará, Amapá, Goiás e Rio Grande do Sul.
O problema
A reportagem do Brasil de Fato Pernambuco já visitou parques eólicos instalados em Caetés, Venturosa, Pedra e Capoeiras, todos no Agreste do estado. Instalados a partir de 2016, os geradores de energia “limpa, sustentável e sem impactos ambientais” têm causado graves impactos – individuais e coletivos – para as famílias camponesas. O aluguel mensal de valores entre R$1.500 e R$3 mil não compensam.
Com comprimento de 50 metros cada, as hélices emitem um barulho frequente que tem deixado famílias inteiras em claro, só conseguindo dormir à base de medicamentos. Todas as casas precisam passar por reformas para criar um isolamento acústico, mas não têm sido efetivas. Já os animais, também afetados pelo estresse, produzem menos leite, põem menos ovos, se reproduzem menos e morrem muito mais.
As famílias vizinhas aos geradores, mas que não têm o equipamento em suas terras, sofrem as consequências e não recebem os recursos. E mesmo as que recebem o pagamento mensal, não suportam mais viver sob os geradores e migram para as cidades, o que tem impactado também a oferta de itens da agricultura familiar nas feiras.
O método de diálogo das empresas com as comunidades também é criticado. A abordagem individualizada, família a família, enfraquece as comunidades enquanto coletivo diante de um tema que tem impactos para a coletividade.
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