Nas últimas semanas, a população tem se queixado do encarecimento dos preços dos alimentos, incluindo do café, produto popular nas casas brasileiras. Uma pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP) demonstrou que, no país, o valor pago aos produtores por 60 kg de café cresceu 152% em um ano. Nos supermercados, a depender da marca, o consumidor pode pagar até R$ 50 por um pacote de 500 gramas.
Mas o que explica esse aumento? Há poucos dias, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), publicou um vídeo em suas redes sociais, no qual ele comia uma banana com casca e insinuava que a responsabilidade pela alta nos preços dos alimentos seria do governo federal. Porém, especialistas discordam. Na realidade, segundo eles, o cenário é consequência de uma série de fatores, que vão da crise climática ao aumento do poder de compra no país.
“O Zema está errado. Não é uma questão do governo federal. São fatores externos. Não é uma questão de gasto público, como as pessoas do campo da direita e da extrema direita têm falado. A inflação de alimentos não é afetada nem pela política monetária, nem pelo gasto público. Isso não quer dizer que não haja nada que possa ser feito, mas definitivamente não é uma questão de responsabilidade do governo”, contrapõe o economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pedro Faria.
Três fatores principais
Na realidade, o que determina a inflação dos preços dos alimentos são três fatores principais: clima, câmbio e os preços das commodities cotadas no mercado internacional. O café, por exemplo, é uma commodity — produto primário e não industrializado — e, mesmo o Brasil sendo o maior produtor e exportador do mundo, os preços seguem a cotação internacional. Ou seja, a cotação do dólar, que segue alta em comparação com o ano passado, é um dos motivos dos preços elevados.
Houve diminuição da produção de café no Brasil, Colômbia, Vietnã e outros países
Além disso, a produção de alimentos também sofre influência das condições do clima e, em um contexto de intensificação das mudanças climáticas, as consequências têm se tornado cada vez maiores.
“Existem fatores climáticos locais e globais e, adicionalmente, a questão da taxa de câmbio. Convivemos com a seca na região Norte e, ao mesmo tempo, tem chuva excessiva, como as que aconteceram no Rio Grande do Sul. No caso do café, por exemplo, a produção demora cerca de dois anos para dar fruto. Então, o problema também é de longo prazo. Não é apenas a seca de agora, é um processo que vem lá de 2022”, continua Pedro Faria.
Impactos
Para a produção do café, com a emergência cada vez mais constante de eventos climáticos extremos, safras são perdidas, impactando a oferta e a pressão inflacionária. Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) destacou a instabilidade climática como o principal causador do encarecimento, além do aumento do consumo do produto ao redor do mundo.
“Esse acúmulo de quatro anos de problemas climáticos e o crescimento da demanda global dão a explicação dessa escalada de preços no café”, explicou.
Três fatores influenciam no preço: clima, câmbio e os preços no mercado internacional
A engenheira agrônoma Paula Ribeiro Guimarães, que também é membro do setor de produção do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explica que as secas têm atingido um período essencial, o da floração do café.
“As chuvas estão ficando concentradas, com um grande volume de chuva em um curto período de tempo e há uma má distribuição. Ou seja, no período em que deveria chover, acontecem secas prolongadas. Isso tem impacto direto na produção de café e em toda produção agrícola. Prejudica a floração e, consequentemente, prejudica a produção de grãos”, elucida.
Ela relata que, no ano passado, os produtores vivenciaram uma seca severa, que ajuda a explicar o atual cenário.
“Houve uma diminuição geral da produção de café. Não só no Brasil, mas nos outros países produtores também, como a Colômbia e o Vietnã. Essa diminuição gera o aumento do preço. A projeção é continuar com essa produção reduzida, com esse impacto climático e com esse aumento de preços”, continua a engenheira agrônoma.
Realidade do Sul de Minas
Roberto Carlos do Nascimento é assentado da Reforma Agrária em Campo do Meio, no Sul de Minas, e membro da Cooperativa Camponesa, responsável pela produção do café Café Guaií, do MST. Ele conta que, na região, os últimos quatro anos foram marcados por situações adversas.
“Em 2024, passamos seis meses sem chuva, isso prejudicou muito a atividade do café
Entre 2021 e 2022, os produtores conviveram com geadas que impactaram a produção e, nos últimos dois anos, o principal problema têm sido as secas.
“No ano passado, nós passamos seis meses sem chuva, entre abril e setembro. Foi um período muito longo e isso prejudicou muito a atividade do café. Este ano também é reflexo da baixa produtividade na região, em função dos eventos do ano passado. Quando acontecem questões como essas, demora de dois a três anos para regularizar a situação da produção”, relata.
“A alta foi muito significativa. Historicamente, eu nunca tinha passado pelo convívio com a situação de um café tão caro assim, o preço da matéria-prima tão alto. Isso tem um impacto muito forte principalmente para nós que trabalhamos com o mercado interno. Para quem trabalha com a exportação é menos problemático”, continua.
Há alternativas?
Muitas hipóteses têm sido levantadas sobre o que o governo federal pode ou não fazer, diante desse cenário. Entre os questionamentos, é comum aparecer a pergunta “não é possível utilizar o estoque para reduzir os preços?”.
O economista Pedro Faria explica que, agora, com os preços já nas alturas, é inviável o governo comprar para estocar.
“Você tem que comprar quando o preço está baixo para vender quando está alto. Então, o estoque, por mais que seja uma política que a gente quer, não é algo para ser feito agora. E o café está num período de alta bem longo”, afirma.
Para ele, na verdade, o governo deveria fazer uma taxação da exportação de café e de outras commodities e utilizar o recurso para conter o preço local, que foi o que a gestão de Lula (PT) fez em 2023 na época de alta dos combustíveis.
“Ele [Lula] tachou a exportação de óleo cru e usou o recurso para atrasar a volta do ICMS de combustíveis, que o Bolsonaro baixou na véspera da eleição. Então, poderia fazer isso com café. Você taxa a exportação de café, reduz o ganho do exportador. E a minha sugestão seria o governo usar esse recurso para dar um crédito tributário, um tipo de subsídio, para a cadeia local”, explica.
“Poderia, por exemplo, dar esse crédito tributário para um varejista, desde que ele venda o café a um preço máximo. Poderia ter várias faixas. Se o comerciante vender a tal preço, ele tem acesso a tantos por cento do subsídio. Como um preço mais baixo, ele tem acesso ao subsídio inteiro”, continua.
O problema, na avaliação de Pedro, é que, ao apostar nesse caminho, o governo iria contrariar os interesses do agronegócio.
Agroecologia
A longo prazo, Paula Ribeiro Guimarães enfatiza a necessidade de promover uma transição agroecológica dos sistemas agrícolas, como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas .
“Nos acampamentos e assentamentos do MST, estamos fazendo essa transição agroecológica, que é fazer uma produção diversificada, por meio de sistemas agroflorestais, incluindo árvores, cobertura do solo, tornando esses sistemas mais resilientes. Mas fazer essa transição, em larga escala, é um processo demorado, que precisa de incentivo, de políticas públicas que possam contribuir para que os agricultores tenham acesso a crédito e condições financeiras para poder investir na transição”, finaliza.