Deputados da extrema direita iniciaram os trabalhos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com uma gama de projetos de lei (PL) que reforçam pautas excludentes, de acordo com especialistas.
Apresentados como medidas “em prol da família” e dos “valores tradicionais”, as propostas contemplam restrições a eventos culturais e a proibição de tratamentos de transição de gênero para menores de idade, o que gerou críticas de organizações de defesa dos direitos LGBTQIA+.
Um dos projetos é o PL 3.261/2025, de autoria do deputado Eduardo Azevedo (PL), que proíbe hormonioterapia, cirurgias e outros tratamentos voltados à transição de gênero em menores de idade, mesmo com autorização dos pais.
A proposta prevê punições para quem descumprir a norma e abre exceção apenas para casos de “anomalias cromossômicas” com diagnóstico médico. Eduardo Azevedo justifica a medida como uma forma de proteger a integridade física e emocional de crianças e adolescentes.
No entanto, organizações LGBTQIA+ veem a proposta como um ataque à autonomia e à dignidade de jovens trans. Maicon Chavez, presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (CELLOS/MG), critica o projeto.
“Essa lei não propõe debate, não propõe saídas, não dialoga com a ciência ou com profissionais da saúde. É uma medida panfletária que usa a população trans como escada política, como ‘caça likes’”, avalia.
Ele reforça que, atualmente, tratamentos de transição de gênero para menores de idade já são acompanhados por profissionais e exigem autorização dos pais.
“A decisão familiar, quando não interessa a eles, é ignorada. Isso é mais uma estratégia para apagar a existência de pessoas travestis e transexuais”, afirma.
Impacto na comunidade LGBTQIA+ negra
Vanessa Alecrim, coordenadora da Rede Afro-LGBT MG e presidente do Coletivo LGBT+ Santa Luzia, destaca que os impactos desses projetos são ainda mais graves para a população LGBTQIA+ negra.
“Essas propostas reforçam uma agenda excludente, baseada no fundamentalismo religioso e na negação de direitos fundamentais. Elas ignoram pautas essenciais, como o combate à violência de gênero e ao racismo estrutural”, explica.
Para ela, a criminalização de expressões culturais periféricas é uma tentativa de deslegitimar espaços de resistência e empoderamento negro.
“Essas medidas não apenas atacam diretamente a existência das pessoas LGBT, mas também reforçam a marginalização da população negra, que historicamente sofre com a falta de acesso a direitos fundamentais”, completa.
Sobre o PL 3.261/2025, Vanessa é enfática. “Esse projeto é um ataque direto à dignidade e autonomia de jovens trans, negando-lhes acesso a tratamentos fundamentais para sua saúde e bem-estar. Ao impedir a transição de gênero, mesmo com autorização dos pais, o PL ignora a ciência médica e os direitos humanos, submetendo esses jovens a sofrimentos psicológicos e sociais ainda maiores”, avalia.
Restrições a eventos culturais e liberdade de expressão
Além do Projeto de Lei 3.261/2025, outras quatro propostas apresentadas por deputados do PL buscam restringir o financiamento público de eventos culturais que, segundo os parlamentares de extrema direita, façam apologia ao “crime organizado, drogas ou sexualização precoce”. Porém, especialistas apontam que, na realidade, as propostas são uma maneira de oprimir a cultura de expressão popular, como o funk, rap, hip hop, paradas LGBTQIA+ e outros.
“A criminalização das expressões culturais periféricas é uma tentativa de deslegitimar espaços de resistência e empoderamento negro. Essas políticas se baseiam na preservação de um status quo elitista e excludente, que perpetua desigualdades estruturais”, afirma Vanessa Alecrim.
O PL 3.263/2025, do deputado de extrema direita Bruno Engler (PL), por exemplo, proíbe o uso de recursos estaduais em shows e festivais que promovam conteúdos considerados “inadequados”. Já o PL 3.262/2025, também de Eduardo Azevedo, veda a realização de eventos infantojuvenis com referências a crimes, drogas ou temas sexuais. Em contraponto, os especialistas reforçam que os autores dos projetos, na verdade, confundem a população ao usar temas sensíveis para coibir a cultura popular por meio da força da lei.
Vanessa Alecrim ressalta que, ao invés de proteger, essas medidas intensificam a vulnerabilidade da população LGBTQIA+, ao ignorar pautas essenciais, como o combate à violência de gênero e ao racismo estrutural.
Mobilização e resistência
Diante das propostas, organizações LGBTQIA+ planejam ações para combater os retrocessos. Maicon Chavez destaca que o CELLOS/MG continuará atuando no controle social para impedir a aprovação de leis que consideram inconstitucionais. “Somos um centro de luta e vamos nos mobilizar para que essas legislações não passem”, afirma.
Já a Rede Afro-LGBT MG pretende mobilizar a comunidade LGBTQIA + negra em diversas frentes.
“Utilizaremos as redes sociais para informar e engajar a população, participaremos de audiências públicas e fortaleceremos alianças com outros movimentos sociais. Essas medidas reforçam a marginalização da população negra e perpetuam desigualdades estruturais. Precisamos continuar denunciando e resistindo a esses retrocessos”, conclui Vanessa Alecrim.