Na última segunda-feira, 17 de fevereiro, a Plataforma Imaginários e a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE), realizaram a abertura da exposição “Degenerado Tibira”, na embaixada brasileira localizada em Berlim, na Alemanha. Com objetivo de resgatar a memória de Tibira, indígena maranhense e LGBTQIAPN+, símbolo das lutas afirmativas por diversidade no Brasil por ser o primeiro caso de LGBTfobia registrado no país, em 1614, durante o período colonial, a exposição é constituída por 19 artistas queers e celebra as experiências de resistência LGBTQIAPN+ no país.
O artista e um dos curadores da exposição, Eduardo Bruno, que é também um dos coordenadores e idealizadores da Plataforma Imaginários juntamente com Marie Auip, fala sobre a importância da internacionalização da arte cearense e destaca como a arte brasileira dentro do cenário internacional é sempre pensada apenas na arte construída e desenvolvida na Região Sudeste do país, especificamente no eixo Rio-São Paulo. “Até mesmo quando a gente conta a história da arte, caímos numa repetição de artistas do norte e nordeste do Brasil não fazendo parte dessa narrativa. E muitas vezes para sermos artistas validados precisamos nos deslocar até esse eixo e a partir daí, ser validado enquanto produtor artístico nacional”, afirma.
Eduardo aponta ainda que o processo de fazer a internacionalização da arte cearense em Berlim, é o exercício de validar outras narrativas da história da arte brasileira, sobretudo a arte contemporânea, sem necessariamente, passar pela validação de uma determinada região do país para acontecer. “Então a gente está se afirmando tanto no cenário nacional, manifestando a existência de produções contemporâneas de artistas queers em outras regiões do país, e também afirmando que conseguimos produzir e circular esse conhecimento de forma autônoma”, relata.
Na exposição, Tibira é resgatado como uma figura histórica que simboliza as múltiplas experiências queer brasileiras / Divulgação
A chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil em Berlim, Maria Kallás, destaca a relevância na realização da exposição "Degenerado Tibira” na capital alemã, “primeiro porque é uma cidade onde a temática ‘queer’ encontra muita ressonância e receptividade. Segundo porque o recorte geográfico da mostra nos permite colocar em evidência regiões do Brasil que, historicamente, receberam menos divulgação no exterior”, relata.
A memória ancestral de Tibira
Com pesquisa iniciada em 2022, a exposição "Degenerado Tibira" teve sua primeira execução no Centro Cultural Casa Barão de Camocim, no Centro de Fortaleza, em 2023. No ano seguinte, a exposição ganhou um novo destino, sendo realizada na Universidade da Amazônia (UNAMA), em Belém, no estado do Pará. O curador destaca que desde o nascimento, o trabalho artístico sempre partiu da história de Tibira do Maranhão para pensar a ancestralidade LGBTQIAPN+ do Brasil e da América Latina, e desde a primeira execução é construída por artistas queers, não só no que tange os corpos envolvidos, mas em todos os espaços de construção da exposição, desde a curadoria, passando pela comunicação e expografia.
O artista e também curador da exposição, Waldírio Castro relata que a construção da exposição parte da figura de Tibira enquanto vítima do primeiro caso de LGBTfobia no Brasil, assassinado pela Santa Inquisição no século XVII, por ter sido acusado por sodomia. “Pensando nesse disparador de como apesar das violências que até hoje a comunidade queer vem atravessando, ainda assim existe uma construção de posição de vida, reimaginação e formas de compartilhar esses modos de ser, estar e se relacionar no mundo, que criam outras centralidades para além da lente cis-hétero-masculina”, pontua.
Antes de ser brutalmente executado por meio de um tiro de canhão em praça pública, ‘Tibira do Maranhão’ foi batizado pela Igreja sob o pretexto de salvar sua alma / Divulgação
Waldírio reafirma ainda a importância do resgate da figura de Tibira do Maranhão enquanto ancestral LGBTQIAPN+ brasileiro, quando muitas vezes, dentro de discussões históricas e na própria produção artística, o referencial utilizado recai sobre a Revolta de Stonewall, momento histórico de grande referência pautado na relação norte-americana ou mesmo de outros referenciais europeus. “Retomar a figura de Tibira enquanto alegoria para essas legiões transviadas também é importante para criarmos referenciais históricos de ancestrais LGBTQIAPN+ brasileiros, assim como Chica Manicongo, Madame Satã e tantas outras e outras que passaram por nossa história”, enfatiza o curador.
Além de curadores da exposição, Eduardo e Waldírio são também doutorandos em Artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e através desta exposição, reuniram artistas de sete estados das regiões Norte e Nordeste do país, com destaque para 10 artistas cearenses, do Cariri, Fortaleza e Região Metropolitana. Degenerado Tibira traz uma abordagem sensível e provocativa para discutir memória, identidade e resistência, internacionalizando uma ação que reforça a importância da arte como uma forma de reflexão sobre as questões sociais contemporâneas.
Eduardo Bruno e Waldirio Castro, a direita e esquerda respectivamente / Divulgação
Já a secretária de cultura do Governo do Ceará, Luísa Cela, aponta a agenda internacional da exposição como uma iniciativa estratégica que une o campo das artes visuais, economia criativa e geração de empregos para o setor. "A embaixada brasileira em Berlim abre suas portas para um momento único na Cultura do Ceará, permitindo que a exposição ecoe as vozes de nossos talentos para o cenário internacional das artes e traduza a diplomacia cultural desenvolvida pela Secult Ceará. Fruto desta parceria com a Plataforma Imaginários, a exposição em cartaz até 14 de março evidencia o cuidado com a memória, a diversidade e os direitos humanos em nosso estado", afirma a secretária.
Os desafios da arte Queer
Para o BdF Ceará, Eduardo destaca a dimensão de ter uma exposição abertamente LGBTQIAPN+ circulando neste momento na Alemanha, e caracteriza como uma vitória grandiosa, quando o cenário político atual do país é marcado pelo avanço da extrema direita, com o crescimento do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). “A gente sabe que no mundo isso não é diferente, a Itália vem sofrendo com a extrema-direita, o Brasil, apesar de termos derrotado a extrema-direita nas urnas na última eleição, ainda se faz presente, uma vez que ganhou em inúmeros outros momentos, e por isso precisamos estar atentos e atentas a essas questões”, pontua.
Apesar do sentimento de vitória, o artista denuncia ainda a dificuldade da circulação de exposições que celebram artistas queers, e aponta como pilar o resquício cristão no pensamento da esquerda, que ainda apresenta dificuldades em pautar a comunidade LGBTQIAPN+ nos mais diversos âmbitos. “Há uma dificuldade de realização desse tipo de exposição no Brasil, anualmente a gente contabiliza poucas exposições abertamente LGBTs. E no cenário internacional, quando inserimos a exposição na embaixada, é importante localizarmos o Brasil nessa política de luta contra a violência da população LGBTQIAPN+”, encerra.
Céu Vasconcelos, Marilia Oliveira, Wandeallyson Landim, Indja, Filipe Alves, Sheryda Lopes, estão entre os cearenses selecionados para compor a exposição / Divulgação
Questionado sobre o processo de curadoria para a exposição, Waldírio revela ter ocorrido em diferentes perspectivas, com a participação de artistas que já haviam pensado trabalhos específicos para a exposição, como Sheryda Lopes, Indja e Ziel Karapoto, que a partir dos disparadores curatorial criaram obras para exposição. “Além disso, pensamos em um recorte do interior e da capital do Ceará e expandimos para o Norte e Nordeste do país. Desta forma a escolha das obras se dá principalmente na citação de visualidades de artistas LGBTQIAPN+ do Norte e Nordeste do país onde enxergamos uma ética queer /transviada”, encerrou.
Aberta ao público de forma gratuita, a exposição pode ser visitiada de segunda a sexta, sempre das 10h às 17h, até o dia 14 de março, na galeria da Embaixada do Brasil (Wallstraße 57, 10179 Berlin). A exposição “Degenerado Tibira” é uma realização do Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura e da Plataforma Imaginários. Conta com apoio institucional do Instituto Guimarães Rosa e da Embaixada do Brasil em Berlim e de equipamentos culturais da Secult Ceará: o Sobrado Dr. José Lourenço e do Centro Cultural do Cariri, geridos pelo Instituto Mirante de Cultura e Arte, e do Hub Cultural Porto Dragão, gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM). Produção-executiva do Instituto BR, via programa Ceará Criativo.
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